Entrevista

Especialista na área de biotecnologia esclarece mitos sobre a vacinação contra a covid-19 e reforça importância da prevenção

O biomédico Herbert Pina, que é mestre e doutor em biologia e biotecnologia de micro-organismos e professor da UniFTC.

Laiane Cruz

Apesar do avanço do plano nacional de vacinação contra a covid-19 em todo o país, muitas dúvidas ainda pairam sobre o processo de produção dos imunizantes e a eficácia das vacinas de cada fabricante disponíveis para a população brasileira.

Além disso, a disseminação de informações falsas, através das Fake News, e a falta de alinhamento na comunicação por parte do governo federal, têm feito com que muitas pessoas deixem de tomar a vacina ou por medo ou por escolher qual imunizante acredita ser a melhor opção. Outras que já tomaram a primeira dose, também por temer reações, ainda não tomaram a segunda aplicação no tempo recomendado.

Foto: Arquivo Pessoal | Biomédico Herbert Pina

Para esclarecer dúvidas e compartilhar informações confiáveis, o Acorda Cidade entrevistou na manhã de sexta-feira (9), o biomédico Herbert Pina, que é mestre e doutor em biologia e biotecnologia de micro-organismos e professor da UniFTC. Confira a entrevista na íntegra:

 

Acorda Cidade – Como são fabricadas as vacinas?

Herbert Pina – Ao longo dos anos, o processo de fabricação de imunizantes foi se aprimorando, então a gente divide essas vacinas em três gerações: primeira, segunda e terceira geração. Essas vacinas contra a covid-19 existem nessas três gerações. A vacina de primeira geração é aquela que utiliza o próprio organismo e através de processos biotecnológicos esse microorganismo é enfraquecido e administrado na população. É o método mais clássico de aplicar vacinas. Já temos muitas consolidadas, como da poliomielite, da febre amarela e agora a vacina Coronavac. As de segunda geração são aquelas que vão utilizar fragmentos do vírus. Dentro do laboratório, o vírus é cultivado, fragmentado e ofertado com o imunizante pra população pedaços, proteínas deste vírus. E isso é importante porque o corpo vai reconhecer esses fragmentos e vai produzir uma resposta imunológica. Já as vacinas de terceira geração são aquelas que vão utilizar vetores. Você pega um vírus secundário e insere uma informação sobre algum constituinte da covid-19, desse vírus, por exemplo. Ele vai entrar nas células da pessoa que está recebendo esse imunizante e vai induzir essa célula a produzir a proteína do vírus. Nesse contexto, o corpo também vai desenvolver uma resposta porque vai reconhecer essas proteínas como estranhas ao corpo. E o corpo, que a gente chama de antígeno, vai estimular os anticorpos.

 

Acorda Cidade – Quais são os tipos de vacinas disponíveis hoje no Brasil?

Herbert Pina – As vacinas distribuídas no Brasil são a Oxford/ Astrazeneca, que é produzida em consórcio, através da Fiocruz, temos a Pfizer. Oxford e Pfizer têm o registro definitivo. Temos a vacina da Janssen, da Johnson e Johnson, e Coronavac, produzida pelo Butantan. As duas últimas foram aprovadas em uso emergencial. E a Covaxin e a Sputinik, que estão com aprovação em andamento, porém com algumas restrições.

 

Acorda Cidade – Tem pessoas que estão escolhendo as vacinas. Existe essa preocupação. Todas as vacinas são recomendadas?

Herbert Pina – Todas as vacinas que estão sendo distribuídas hoje na população já foram testadas e tiveram a eficácia comprovada. Hoje com a disseminação da informação e o acesso, a gente acaba tendo também alguns equívocos, ruídos na informação, muitas fake news são disseminadas. Claro que nós temos dentre todas essas vacinas que estão disponíveis pequenas variações dentro da sua eficácia, no modo como foram preparadas, e que por sua vez vão impactar em como o organismo vai receber esse imunizante. Um grande exemplo disso é a vacina da Oxford, que costuma apresentar muitos mais efeitos, como febre leve, dor de cabeça, dor no corpo. Temos também a Janssen, que tem administração de dose única, então as pessoas acabam escolhendo, o que não deveria acontecer. Porque todos os imunizantes liberados hoje já passaram por testes, e eles têm uma segurança comprovada. Essa ideia de escolher a vacina é algo muito equivocado e a população não deveria levar em consideração.

 

Acorda Cidade – Eu tenho notado que a maior resistência é com a Coronavac. Por que isso está acontecendo?

Herbert Pina – De todas essas vacinas, a Coronavac é a que tem a sua forma de produção mais tradicional, já que nela temos a apresentação do vírus enfraquecido. Em consequência disso, é a que apresenta menos reações. Mas a ausência desses sintomas não é um sinal de que o corpo não desenvolveu imunidade. Muito pelo contrário, como já citei, temos muitas vacinas que são administradas dessa forma e são tão eficazes quanto. Então a população precisa levar isso em consideração. Outra coisa é que todas as vacinas que tem duas ou mais doses, para que você garanta uma eficácia máxima, precisamos utilizar as duas ou mais doses recomendadas. A gente só consegue uma imunização completa quando toma todas as doses. Todo esse burburinho com a Coronavac parte também de informações falsas que são disseminadas, através de grupos de whatsapp, através das redes sociais, e precisamos ter cuidado com essas informações. A Coronavac é segura, cuja eficácia foi comprovada e é tão boa quanto as outras vacinas.

 

Acorda Cidade – Mesmo após a segunda dose, os cuidados devem ser os mesmos?

Herbert Pina – Com certeza. Apesar de terem completado o ciclo de imunização, as pessoas precisam continuar se protegendo e ao outro. A vacinação é um ato, entre outras coisas, de amor ao próximo, porque você não está apenas se protegendo, mas o ato de se imunizar não protege quem não foi imunizado ainda. Você pode não desenvolver a doença, mas pode transmitir o vírus. A gente só vai poder afrouxar as medidas de contenção, as medidas de proteção individual e coletivas quando atingirmos uma porcentagem bem maior de imunização, algo que a gente não observa ainda acontecendo na população brasileira.

 

Acorda Cidade – Mesmo pessoas que já foram vacinadas com as duas doses podem se reinfectar e evoluir a óbito?

Herbert Pina – Sobre os casos de pessoas que a gente ouve que morreram, mesmo após vacinadas com a segunda dose, pode acontecer, não porque a vacina não foi eficiente, mas devemos lembrar que nenhuma vacina apresenta 100% de eficácia. Eu falo isso com toda a segurança do mundo. Nem aquelas que são administradas no ciclo vacinal normal, como a da gripe, contra o sarampo, da febre amarela, nenhuma tem eficácia de 100%. Agora, todas as vacinas reduzem a taxa de infecção e a taxa de mortalidade. Então é algo que pode acontecer, porém tem a porcentagem muito baixa, de pessoas que se reinfectam e vêm a óbito. Ainda assim, a gente tem que ter cuidado com a imunização e com as medidas de contenção.

A gente tem que se lembrar também que o vírus é uma partícula, que tem um potencial evolutivo. Toda vida tem esse potencial. E assim como nós criamos medidas para conter o vírus, ele também vai se adaptando, e é por isso que temos as variantes do coronavírus, que podem ser mais ou menos infectantes, e as vacinas podem ser mais eficazes contra um ou outra variante.

 

Acorda Cidade – O que são as variantes e suas mutações?

Herbert Pina – A gente precisa pensar nessas variantes como o vírus que foi aprimorado. Os vírus são formados por moléculas, que podem ser proteínas, carboidratos, biomoléculas, e a variante seria uma pequena mudança nessa molécula. Quando a gente provoca uma pequena mudança no vírus ou quando ele se transforma, mesmo que seja pouco, o nosso corpo também vai precisar mudar como ele enxerga esse vírus. Por isso a pessoa que foi infectada uma vez pelo coronavírus pode se reinfectar, pode entrar em contato com novas variantes, como o vírus levemente modificado ao longo do tempo, e não tem memória imunológica e vai precisar criá-la praticamente do zero.

 

Acorda Cidade – Será que nós vamos ter a obrigatoriedade de vacinar contra a covid-19 todo ano?

Herbert Pina – Diante dos estudos que têm sido conduzidos com as vacinas já existentes, existe uma grande probabilidade sim da vacina contra a covid-19 ser integrada ao ciclo vacinal comum, como a vacina da gripe que se toma anualmente, justamente por conta dessa característica tão mutável e por conta da própria característica de resposta imunológica que o corpo produz. Então a gente sempre vai precisar atualizar essa biblioteca no nosso corpo de informações contra o vírus.

 

Acorda Cidade – O que acontece quando uma pessoa infectada sem saber toma a vacina?

Herbert Pina – O fato da pessoa já estar infectada e vai receber uma carga ainda maior feita através da imunização pode apresentar sintomas um pouco mais graves, pura e exclusivamente porque aumenta a apresentação. Esses sintomas são uma tentativa do corpo de lidar com o vírus, que vai ativar o sistema imunológico, vai desenvolver uma resposta inflamatória. Então é uma tentativa do corpo de se livrar do vírus e pode ser intensificada quando há uma grande carga viral.

 

Acorda Cidade – Quem tiver sintomas provenientes da vacina pode tomar analgésicos?

Herbert Pina – Pode sim, tomar um antitérmico, um analgésico, pois são reações normais, assim como quando imunizamos bebês contra outras doenças.

 

Acorda Cidade – Muitas pessoas estão deixando de tomar a segunda dose, por conta das reações. Mas a importância da segunda dose é fundamental, não é?

Herbert Pina – Essa informação é muito triste. O apelo que eu deixo a toda a população é que complete o ciclo da vacinação. Por mais que seja incômodo o desenvolvimento de algumas respostas imediatas, como uma febre, dor no corpo, uma dor de cabeça, a eficácia total da vacina só será garantida após a completude do ciclo vacinal. Se a vacina requer duas doses, precisamos tomar. Só assim vamos vencer a pandemia, pois não temos tratamentos ou medicamentos contra a covid-19. Nós temos hoje como a porta mais segura a imunização, e a gente precisa imunizar o máximo possível de pessoas pra justamente impedir a circulação do vírus, pra dessa forma a gente sair desse quadro de pandemia.

 

Acorda Cidade – Qual a interferência da bebida alcoólica com a vacina?

Herbert Pina – As pessoas que vão se vacinar precisam ficar um período curto sem ingerir bebida alcoólica, pois ela pode interferir na maneira como o corpo vai receber esse imunizante e pode inclusive impedir o reconhecimento deste imunizante. Então depois que se vacinar, espera a quantidade de dias recomendados. 

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