Laiane Cruz
A infectologista Melissa Falcão, coordenadora do Comitê de Enfrentamento e Combate à Covid-19 em Feira de Santana, falou em entrevista ao Acorda Cidade sobre como é feito o acompanhamento dos pacientes infectados com a doença e as dificuldades enfrentadas pela rede de saúde municipal em decorrência do aumento crescente no número de casos desde que a pandemia teve início.
Segundo ela, a Secretaria de Saúde vem buscando a cada dia ampliar e melhorar esse atendimento, por meio de ligações para os pacientes isolados e a entrega dos resultados dentro das possibilidades. Melissa Falcão falou ainda sobre a necessidade de se manter as medidas de prevenção e isolamento para controle efetivo do coronavírus em Feira de Santana. Confira a entrevista na íntegra:
Acorda Cidade – Dra Melissa Falcão, como é feito o acompanhamento de pacientes com a covid-19?
Melissa Falcão – Nós monitoramos os pacientes enquanto estão com a doença, enquanto necessitam de internamento, e está sendo montado um ambulatório junto com a Uefs, formalizada essa parceria, pra poder fazer o atendimento dos pacientes pós-covid, pois são muitos pacientes sofrendo com sequelas relacionadas à doença. Esse acompanhamento é feito por várias especialidades, não apenas por médicos, mas enfermeiras, psicólogos, fisioterapeutas, então é uma equipe multidisciplinar, que vai trabalhar a dificuldade é a sequela a qual o paciente apresenta. Temos muitos pacientes com sequelas emocionais, como depressão, ansiedade, insônia. Os pacientes muitas vezes não conseguem dormir lembrando o que passou ou pelo pânico ou medo de quase ter perdido a vida, muitas vezes essas pessoas que adoeceram também perderam parentes ou pessoas próximas por conta desse vírus.
Acorda Cidade – Os pacientes costumam atender as ligações?
Melissa Falcão – Algumas vezes sim, muitas vezes temos dificuldades de contactar por exemplo quando vem do laboratório privado o resultado do exame e o número que vem informado não consegue ser contactado ou não atende a ligação. Muitas vezes vem sem o número de telefone e a gente tenta conseguir. Então a gente tem tentado conscientizar os laboratórios privados da necessidade das informações corretas para que a gente possa contactar essas pessoas que realizaram exames na rede privada. Além disso, a quantidade de exames positivos num dia é muito grande. E isso vem se somando dia após dia. É uma dificuldade a equipe da vigilância conseguir fazer contato com todas essas pessoas num período de tempo curto e fazer essa monitorização. Estamos sempre procurando minimizar essa situação para que não seja um empecilho para que a população seja acompanhada e orientada.
Acorda Cidade – O acompanhamento pode mudar de acordo com o perfil de paciente, a exemplo de crianças e jovens?
Melissa Falcão – Crianças costumam apresentar um quadro leve, então a síndrome pós-covid inflamatória relacionada a crianças e jovens costuma acontecer muito tempo após 14 dias. Não é naquela fase inicial de quatro a seis semanas depois dos sintomas da covid. Então todos têm que ficar atentos caso a criança apresente um quadro de febre, dor muscular, dor de cabeça, falta de ar, até um mês ou um mês e meio após os sintomas da covid, e devem procurar um médico para que seja avaliada se é a Síndrome Inflamatória Sistêmica Pós-Covid.
Acorda Cidade – Quantos casos estão ativos em Feira de Santana?
Melissa Falcão – São muitos casos ativos e isso mostra não apenas as pessoas que estão com a doença no momento, mas também aquelas nas quais a vigilância não conseguiu fazer contato para tirar do isolamento. Hoje o que usamos no município são 10 dias de isolamento para aquelas pessoas que não tiveram sintomas e 14 dias para aqueles que tiveram qualquer sintoma. Os que tiveram quadro grave, que precisam de internamento, deixamos até por vinte dias isolados. Então em isolamento hoje no município temos 7.171 casos, que são casos ativos quanto os que estão aguardando contato para encerramento, no caso liberação do isolamento no nosso sistema da vigilância. O acompanhamento é para ser feito com todos os pacientes. A gente tem ouvido queixas de pessoas que quando vão ser contactadas já saíram do período de isolamento. Isso pode acontecer por demora da saída do resultado de exames, pois o Laboratório Central do Estado recebe exames de toda a Bahia e quanto maior essa demanda, maior a demora do resultado sair. Então temos casos que demoraram até 12 dias e quando chega o resultado, já passou o período de 14 dias de isolamento e a pessoa não foi contactada. Nesses casos a responsabilidade não é nossa, não tem como a gente entrar em contato para dar um resultado que não chegou. Mas o que a gente sempre diz que o que deve nortear se a pessoa deve se manter isolada são os sintomas. Se tem a suspeita de ter um vírus que pode contaminar outras pessoas, tenho que me manter em isolamento, independente do resultado do exame durante o período de tempo necessário. Quando esse exame chegar, vai ter a confirmação.
Acorda Cidade – Como é feita a avaliação para o acompanhamento desses pacientes?
Melissa Falcão – Durante a covid a gente orienta que a pessoa procure a unidade mais próxima para receber uma orientação médica. Toda pessoa com covid deve ter uma orientação para que seja avaliado como está a sua manifestação, orientado quando deve retornar e porque deve retornar. Além disso, por telefone, inicialmente era muito mais fácil, a gente conseguia ligar diariamente para essas pessoas, para saber se teve febre ou não, falta de ar, o que está sentindo. Mas hoje por causa da quantidade de casos diários não conseguimos monitorar diariamente essas pessoas, mas as orientações continuam sendo de que se tem a suspeita de covid deve ser feito um atendimento médico presencial ou por teleatendimento, mas tem que ter uma orientação médica. Nessa avaliação vai ser visto o que a pessoa tem, quais os fatores de risco para agravamento ou não, se tomou vacina, se não tomou, e as medidas que precisam ser tomadas. Temos que ter cuidado com a automedicação, estamos vendo um uso excessivo de ivermectina, azitromicina. Todas as medicações têm indicações e muitas vezes estão sendo tomadas com uma dosagem maior que a recomendada pelo fabricante e nesses casos tem risco para a saúde.
Acorda Cidade – O Comitê e a Secretaria enfrentam dificuldades neste acompanhamento?
Melissa Falcão – No acompanhamento durante os sintomas é mais essa questão de que a gente não consegue fazer uma ligação diária, mas nossas unidades estão todas treinadas e orientadas de como proceder com esses pacientes. Sempre que um paciente tem uma baixa de oxigenação de 93% para baixo, nossa orientação é que o paciente seja internado, porque quanto mais cedo, quanto mais precoce a gente faz essa internação dos casos necessários, melhor será essa evolução, com sintomas menos graves e a tempo de ser manejado, para não ter um intubação ou complicação maior.
Acorda Cidade – Os pacientes infectados têm seguido todos os protocolos, conforme a orientação?
Melissa Falcão – Nem todos seguem, essa é uma realidade. Infelizmente a gente não consegue conscientizar todas as pessoas do seu papel central como cidadão. Então o que é orientado, para que cada um faça, para se manter no isolamento, se manter em casa, para não ter risco de transmissão para outras pessoas, a gente vê que muitas vezes isso não acontece. Eu tive um paciente recentemente que era barbeiro, era diabético, e que ao atender um cliente, o cliente disse que estava com febre e que tinha acabado de fazer um exame de covid. Se você vai fazer a barba tem que tirar a máscara, expõe a pessoa que está fazendo e todas as pessoas naquele ambiente. Pouco tempo depois o cliente informou que o exame deu positivo, o barbeiro se contaminou e acabou sendo internado. Então a gente vê a nossa responsabilidade como cidadão e como ser humano. Se cada um se preocupasse com o outro, sem dúvida não teríamos uma situação como a que vivemos.
Acorda Cidade – Com o aumento do número de casos, a secretaria tem conseguido atender a demanda de pacientes?
Melissa Falcão – A demanda de ligação, mesmo quando o quantitativo era menor, era difícil de dar conta. Temos visto sempre alternativas para que isso seja feito, com parcerias com a Uefs, estamos vendo as propostas, de ampliação desse serviço, com outras unidades, outros serviços para incrementar a vigilância, para que seja feito esse contato. Mas sempre que a gente tira pessoas de um setor para outro deixa um espaço vazio. Temos que pensar em melhorar esse contato sem desfalcar os outros serviços. Então não é uma coisa fácil, existem muitas falhas relacionadas a isso. A gente ouve as queixas da população e acho que ela tem direito de reclamar porque todos querem atenção e orientação. Quanto mais orientação eles se tem menor a chance de não seguir uma conduta correta.
Acorda Cidade – A quais atribuições pode se dar o aumento de casos no município?
Melissa Falcão – Tivemos um período com um número um pouco mais elevado de casos. Estamos com uma estabilidade alta, tivemos uma leve redução, mas não é uma redução que ainda dê uma tranquilidade pra gente. Existe uma perspectiva de nova piora do número de casos no final de julho, relacionado a esses períodos festivos de São João e estamos sempre procurando nos melhorar para que quando esse aumento aconteça a gente esteja preparado. Então já temos nossa capacidade máxima de leitos na cidade e muita gente questiona que para uma cidade do tamanho de Feira a quantidade de leitos criados é pouca. Mas a gente tem que trabalhar com o que é possível e nem sempre com o que é necessário. E foi criada, sem dúvida, toda quantidade de leito que o orçamento do município permitia. Os leitos abertos não tem previsão de fechar enquanto tiverem casos ativos de covid, e a nossa rede de atendimento está preparada para atender quantos casos cheguem. Quanto mais pacientes para serem atendidos maior a demora desse atendimento. Por isso a necessidade do diagnóstico precoce, da orientação desde o início dos sintomas.
Acorda Cidade – A senhora acredita que as pessoas estão usando menos máscaras e saindo mais?
Melissa Falcão – Sim, estão se descuidando mais, estão começando a se aglomerar com mais frequência, a exemplo de uma festa em uma churrascaria com um cantor. A gente vê outras propagandas de festas com 200, 300 pessoas. Sempre que recebemos uma denúncia, vamos averiguar para que esses eventos e aglomerações não aconteçam. Muitas vezes quando recebemos uma denúncia e acaba passando, a gente vai tomar as condutas relacionadas com os erros. A gente pede sempre que as pessoas nos informem quando tiver algum evento que vai expor as pessoas em risco. Estamos sempre procurando fazer a vigilância e pedimos às pessoas, mesmo aquelas que já tomaram as duas doses que continuem se cuidando. Mesmo quem está vacinado pode pegar a covid. Pode ter um quadro mais leve, mas podem ocorrer exceções de um quadro mais grave. Temos novas cepas surgindo, como indiana, que não temos ainda nenhuma confirmação na Bahia, mas temos confirmação no Rio de Janeiro, em São Paulo, e quando isso começa a acontecer o tempo para ela se disseminar não é grande. Essa cepa indiana vai chegar esse ano para todo o país e estamos nos preparando para isso. Mas, pedimos à população que continue ajudando, precisamos aprender a conviver com o vírus. Tem ainda mais um ano, podem vir mais dois anos ou três com esse vírus aí com a gente. Temos que adaptar a nossa vida para essa nova realidade enquanto ela estiver existindo. Uso de máscara deve ser contínuo, evitar aglomerações até quando for necessário e toda a população deve se vacinar. E solicito para que ninguém compareça à unidade de saúde para tomar uma terceira dose. Essas doses são computadas por CPF e se acontecer de tomar uma terceira dose, sem que seja checado o CPF, não vai ser checado naquele momento, mas pode vir a ser checado e trazer problemas. Não existe indicação pelo Ministério da Saúde de terceira dose de reforço para nenhum paciente. Houve agora a possibilidade de uma vacina vencida e se for comprovada, nesse caso teria direito a uma terceira dose, mas essa seria a única possibilidade até o momento.
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade.