Rachel Pinto
A Micareta de Feira de Santana, a primeira do Brasil, passou por várias transformações até chegar ao modelo que é hoje. A linha do tempo da folia é marcada pelas festas tradicionais da cidade como a Lavagem da Matriz, grupos de pessoas fantasiadas, festas nos clubes, até a Micareta da Avenida Getúlio Vargas, a explosão dos blocos e a divulgação da festa no cenário nacional. Depoisa mudança do circuito para a Avenida Presidente Dutra e nos tempos atuais a festa está caracterizada pela expansão dos grandes camarotes e uma tímida vontade de ressurgimento do folião pipoca.
Foto: Arquivo/ Bloco A Tribo
O Acorda Cidade conversou com ex-diretores de blocos, pessoas que por muito tempo estiveram envolvidas na produção da festa e conhecem de perto as transformações que a Micareta vem sofrendo ao longo dos anos. Também alguns foliões que relembram desses momentos com saudade e guardam a festa em muitos álbuns de fotografias.
Foto: Arquivo/ Bloco A Tribo
A micaretesca Patrícia San Galo Curvelo Gomes conta que herdou o gosto pela Micareta através pais. A família sempre foi ligada a festas e esportes a matriarca da família Benedita San Galo foi princesa da Micareta em 1962. O pai Armando Curvelo de Menezes (Pintão), foi diretor do Feira Tênis Clube, do Clube de Campo Cajueiro. A família San Galo, foi fundadora do Bloco A Tribo em 1999.
O bloco veio também da tradição na casa da sogra de Patrícia de reunir familiares e amigos durante a festa e sempre os artistas pararem em frente a residência para dar uma palhinha para a turma. E no ano de 1999, a cantora Ivete Sangalo (prima de Patrícia), lançava sua carreira em Feira de Santana.
“Fizemos o bloco porque já fazíamos um camarote na casa da minha sogra Marisa Gomes. Esta casa na Avenida Getúlio Vargas era um grande ponto de encontro de galera que curtia a Micareta. Fazíamos camisas e faixas para homenagear os artistas. Pedíamos para os trios pararem e como éramos muitos já estávamos conhecidos. Bell sempre dava um show na porta. Em 1998 Ivete puxou o Bloco da Praça e as camisas (beca) do bloco se esgotaram. Nós primos e amigos fomos como convidados e a partir daí resolvemos fazer o bloco. Em setembro de 1998 depois de algumas reuniões o negócio pegou força. Em 1999 saímos com Ivete e Jamil. A Tribo nasceu com flash nacional no Domingão do Faustão. Visibilidade grande tivemos, o bloco e a Micareta”, afirmou.
O Bloco A Tribo, consolidou-se como um dos blocos mais famosos de Feira de Santana e tinha fama de arrastar grandes multidões. Saiu na Micareta até o ano de 2015. Além da cantora Ivete Sangalo, puxaram o bloco também: Pierre Onassis, Tomate, Saulo, Jamill, Tuca Fernandes e Cheiro de Amor.
Foto: Arquivo/ Bloco A Tribo
Os abadás eram uma atração a parte
Quem viveu o tempo dos grandes blocos da Micareta de Feira sabe muito bem o valor afetivo que tinha um abadá. Muitos foliões, micareteiros de carteirinha, esperavam ansiosamente pelo lançamento das camisas e este era um dos assuntos mais comentados sobre a festa. Os blocos abusavam da criatividade, das cores e da imaginação. Há foliões que até hoje colecionam as camisas e o bloco A Tribo fazia questão de se destacar no quesito abadá. Havia também os blocos Armação, Bafo de Baco que caprichavam na produção da peça. Vários temas eram explorados nas estampas das camisas e Patrícia conta que A Tribo levou para avenida elementos da cultura indígena, grega, japonesa e até futurista.
Foto: Arquivo/ Bloco A Tribo
Além da customização dos abadás, os foliões caprichavam nos adereços e acessórios a desfilavam beleza na avenida.
Um resultado disso e um dos momentos mais esperados do pós Micareta era a exposição de fotos que acontecia todos os anos no antigo Shopping Iguatemi (hoje Boulevard Shopping). Todo mundo queria se ver e ver os amigos no mural de fotos e comentar sobre os momentos da festa.
Foto: Arquivo/ Bloco A Tribo
Folião de muitas micaretas
O fisioterapeuta Érico Marcelo Almeida de Araújo, começou sua relação com a Micareta ainda na adolescência. Saiu em vários blocos como FTC, Armação, Qual é? Flexada, Coco Bambu, A Tribo e Lá vem Elas. Foi folião do Bloco A Tribo durante todos os anos em que o bloco saiu na Micareta de Feira e relembra que a relação entre os associados do bloco ultrapassava os momentos da folia. Muitas vezes estabeleciam-se relações de amizade e muitos amigos permanecem até hoje.
Foto: Milena Brandão/Acorda Cidade
“Brincar a Micareta era sempre muito bom. Os blocos tinham estrutura e também segurança. Já saí em bloco sozinho, com namorada, com amigos. Micareta é festa de rua. Para curtir, pular. O modelo atual não me atrai mais. Está muito fechado. Não vou a festa há alguns anos”, relatou.
Camarotes e participação da pipoca
Sobre não se sentir atraído mais pela festa, Érico se refere ao modelo atual da Micareta da expansão de grandes camarotes particulares, a extinção dos blocos e o tímido retorno da festa para a pipoca.
Um fenômeo que tem acontecido no Carnaval de Salvador e em vários carnavais fora de época é a festa sem cordas. Em Feira de Santana, nos últimos anos, essa realidade tem ganhado força e para Patrícia Sangalo é uma alternativa para aqueles foliões que realmente gostam da festa.
Foto: Arquivo Pessoal
“O bloco acabou por causa do mercado de abadás, que já não conseguia pagar as despesas. E também já não conseguimos captar grandes patrocinadores. A política de carnaval sem cordas colaborou para que isto ocorresse. Acho que esta modalidade de micareta sem cordas é a melhor para os foliões, mas para isto se faz necessário grandes patrocinadores. Também devemos repensar o jeito da montagem das estruturas. Será que são mesmo necessárias? Devemos fazer da Micareta um movimento realmente cultural para que ela seja expressão musical. Não vejo como neste modelo que está aí, a micareta perdurar por muito tempo. O modelo deve ser pensado o ano todo, fomentando as bandas e todo movimento micaretesco. Não quero jamais que a micareta acabe. Vale dizer que sempre as micaretas de Feira levaram as ruas um número expressivo de foliões”, comentou.
Patrícia Sangalo opinou também que sente falta na Micareta da participação de mais artistas de grande nome nacional. Para ela, a Micareta mesmo passando por tantas transições, a festa nunca deve acabar, pois é um importante movimento cultural da cidade.
“Quem por acaso não gosta da micareta deve entendê-la como um movimento de cultura da nossa cidade. Não é a toa que estes dias estamos tendo bailinhos de Micareta nas escolas, condomínios, praças, bairros, nas academias. Precisamos agir para conservar a Micareta e pensar em novos maneiras de realizá-la. Hoje já não sou mais investidora da festa mas participo sempre. Esta mania de micareta vem dos meus pais. Quem puxa os seus não degenera. Tenho DNA de alegria!”, concluiu.
Fortalecimento da pipoca
O professor de educação física Eurico Gaspar de Oliveira, participou durante muitos anos da Micareta com o Bloco Da Praça e embora não esteja mais vinculado a festa, acredita que tantas transformações podem também vir a fortalecer a folia da pipoca e as manifestações populares. Segundo ele, é preciso que as pessoas que atualmente estão envolvidas na produção da festa possam discutir esse modelo e fazer com que a Micareta volte a integrar as pessoas e conquistar novas gerações.
Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade
“Tinha que construir uma administração público-privada. Feira sempre foi uma vitrine para o entretenimento. Na minha opinião a venda da festa apenas para cervejaria ainda é muito pouca. O carnaval de Salvador tem passado por mudanças e aqui ocorre o mesmo. Não é só uma mudança de estrutura, é cultural. Talvez quando entrar em crise, ressurja novamente os blocos dos amigos, as festas pequenas", declarou.
Gaspar acredita que o fortalecimento da pipoca possa renovar a Micareta para novas gerações de foliões. Na cidade, alguns eventos ao mesmo tempo saudosistas e também atuais, já levam para as ruas o clima das marchinhas, bailinhos, fanfarras e a essência do carnaval, da micareta popular e de rua.
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