Solidariedade

Irmã Rosa: o exercício da cidadania feirense com fé e solidariedade

Ela diz que começou a amar esta terra, desde muito jovem, quando pisou os pés aqui pela primeira vez.

Rachel Pinto

Ela sorri com a alma e seu sorriso transcende todos os princípios que carrega e tudo aquilo que se propõe em 74 anos de vida dedicados à fé, a caridade e ao amor ao próximo.

Estamos falando de uma pessoa que apesar de ter sido reconhecida recentemente como cidadã feirense, diz que começou a amar esta terra, desde muito jovem, quando pisou os pés aqui pela primeira vez. Ela é a nossa Irmã Rosa Aparecida Borges Ribeiro, nossa amável Irmã Rosa.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

O sorriso largo e o abraço acolhedor, sem dúvida alguma, são as suas marcas e confortam a todos aqueles que chegam à sua porta. O tom de voz calmo e paciente faz com que esqueçamos o tempo, os afazeres e possamos ouvir e aprender um pouquinho com uma conversa sobre a vida, histórias, expectativas e também o futuro. Uma longa entrevista, com gostinho de quero mais e de que cada palavra, cada resposta dita por esta simples mulher tem um propósito e um significado para aqueles que por algum instante se aproximam.

São mais de 30 anos, dedicados ao Dispensário Santana, que hoje é uma das maiores obras sociais da cidade e tem o trabalho reconhecido pela Bahia e pelo Brasil. Um projeto que começou com os sonhos da jovem noviça pelas ruas, pelas comunidades mais carentes e que se tornou um sonho concreto e material, com atividades de apoio a crianças, mulheres, homens e idosos de Feira de Santana. Um projeto de muitas mãos, muitos corações e onde diariamente é preparada a sua continuidade.

Chamado Superior

Seguir a vida religiosa é além de uma vocação, um chamado superior para aqueles que já foram escolhidos por Deus. Irmã Rosa conta que, quando era jovem e morava na sua cidade Natal, Uauá, no alto Sertão da Bahia, sentia um desejo diferente de seguir a vida. Essa vontade vinha do amor e do despertar para Jesus e contou com o apoio de toda a sua família. Há quase 50 anos na vida religiosa, de lá pra cá essa vontade em nada mudou e cada vez mais se firmou a sua fé.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Comecei a estudar sentindo que era um chamado de Deus na minha vida e não hesitei. Jesus estava preenchendo o meu coração e eu não tinha que duvidar do amor dele por mim e nem do meu por ele. Fiz os meus estudos todos e depois ingressei na vida religiosa. Vou fazer 50 anos de vida religiosa bem vividos e posso assegurar que nunca passou um pensamento de desistência, de desânimo na vida. Nunca a minha alegria foi mesclada por qualquer coisa que viesse a tirar todo o meu vigor. Me sinto uma mulher muito integrada e muito feliz”, diz.

O início e a profecia do frei

Há 44 anos em Feira de Santana, Irmã Rosa começou a trabalhar no asilo Nossa Senhora de Lourdes e depois no Colégio Padre Ovídio. Lá ela ficou por 12 anos até chegar ao Dispensário Santana. Com o trabalho de professora, ela fazia questão de contagiar as alunas com o compromisso social e o despertar para a vontade de ajudar os mais pobres. Conseguia muitas doações e voluntárias e assim juntas percorriam as diversas comunidades da cidade.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Eu procurava passar uma formação não só religiosa para as minhas alunas, mas a vontade de fazer alguma coisa de útil. Entendo que a felicidade não é essa coisa passageira que a gente vive. Mas, é muito mais o bem que a gente se propõem a fazer. Eu me sentia feliz porque tinha espaço para estar procurando o que fazer de bom e evidentemente procurava fazer isso também com as minhas alunas”, comenta.

Depois de 12 anos trabalhando no Colégio Padre Ovídio, Irmã Rosa decidiu então ajudar o Monsenhor Mário Pessoa que foi o idealizador do Dispensário Santana e quem ajudava um grupo de pobres. Ela se ofereceu para ajudá-lo e em um carinho de avô e neta, nasceu uma relação de amizade, uma grande responsabilidade na vida da religiosa.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Ele tinha três senhoras que o ajudavam na arrecadação da doações e alimentos e vendo-o velhinho, parecido com o meu avô, fui me oferecer para ajudá-lo. Nunca tive a pretensão de que ele fosse entender que eu estava querendo assumir tudo. No entanto, no dia seguinte, ele me mandou um bilhetinho para eu pagar dois sacos de açúcar e um de farinha. Eu me contrariei, pois não era o trabalho de assistencialismo que eu queria, mas continuei”, relata.

Tempos depois de começar o trabalho junto com o Monsenhor, Irmã Rosa começou a percebê-lo triste, calado e pensativo. A reação do frei vinha da preocupação com a continuidade do trabalho e a necessidade de sensibilizar mais pessoas para ajudar o próximo. Então Irmã Rosa entendeu que os sacos de farinha e de açúcar eram só o começo dessa longa história e o Dispensário Santana passou a ser sonhado na sua materialidade.

O trabalho de doações junto com as alunas, pessoas da sociedade feirense ia a todo vapor e o pensamento voou no sentido de criar um lugar para atender as pessoas. Existia apenas o terreno da diocese e um estatuto pequeno. Irmã Rosa conta que o trabalho acontecia na rua e a fase era mesmo do assistencialismo. Não era aquilo que ela gostava, mas não tinha outro jeito.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“O terreno existia, mas era bastante acidentado, um monte de 14 metros de altura. E aí Dom Silvério, que era o bispo, não se opôs a doar. Enfrentamos com a raça e a coragem, partindo para campanhas na cidade e a Feira de Santana ficou muito envolvida. Nisso nunca tivemos dificuldade, e após uns dois anos, o frei já estava bem velhinho. Eu comecei a fazer faculdade e disse para ele: Nós vamos construir o dispensário”.

Com a idade bem avançada, o monsenhor já estava com o corpo cansado e a mente já dava sinais de esquecimento e memórias desorganizadas. No entanto, um dia ao chegar da faculdade, Irmã Rosa recebeu o mesmo recado de várias pessoas de que o frei gostaria de vê-la. Apressada para almoçar e retornar novamente para a faculdade, ela relembra que disse: ‘O monsenhor já está caducando, eu vou chegar lá e ele não vai dizer nada’. Foi quando, uma velha senhora chamada Maria Carneiro lhe falou: O monsenhor está tão aflito. Vá ver o que ele quer’ e a fez ir até o encontro dele.

“Quando cheguei ao quarto do monsenhor eu me assustei. Tinha várias pessoas em pé e em silêncio. Ele estava sentadinho na cama e quando eu vi aquela cena me choquei. Até brinquei e perguntei o que era, tentei descontrair e perguntar se ele queria jogar bola. Ele mandou eu me calar e disse assim: ‘Peraí menina!’. Eu me ajoelhei aos seus pés e eu nunca vou esquecer dessa cena. Ele colocou a mão sobre minha cabeça e disse: ‘Olhe, você vai fazer tudo o que deseja. Porque Deus quer e o povo da Feira é bom”. Eu perguntei: Como é a história? Ele repetiu essa frase umas três vezes e em seguida disse: Vá devagar, você é muito afoita”, relembra Irmã Rosa.

Depois desse momento, ela diz que o monsenhor começou a embrulhar as palavras e não dizia mais nada na normalidade. “Ele teve uma lucidez perfeita e aí eu vi que o negócio era sério”, acrescenta a irmã. Segundo ela, aquela mensagem do frei foi entendida como uma profecia e o momento está perfeitamente guardado em suas lembranças.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

Depois desse fato, ela foi para a faculdade e ao retornar à noite, recebeu a notícia de que o monsenhor estava hospitalizado. Daí em diante, poucos dias depois ele veio a falecer e com mais de 90 anos cumpriu a sua missão terrena.

“O dispensário é uma obra de Deus a serviço do povo”

Seguindo a mensagem do Monsenhor Mário Pessoa, Irmã Rosa deu início às obras do Dispensário Santana. A entidade faz 34 anos de existência e inicialmente começou com um abrigo de idosas. Depois veio a escola e aos poucos as obras foram ampliadas até chegar à estrutura atual. Para a irmã, o Dispensário Santana é uma obra de Deus e que não tem dono. É uma obra a serviço do povo. A instituição trabalha com os princípios da educação, evangelização e promoção humana.

“Inicialmente os trabalhos eram para fazer um abrigo de idosas. Já perto da conclusão sem ter experiência nenhuma eu pensei: Meu Deus se eu vier a morar aqui com a vida cheia de gás, cheia de energia como vou fazer? Pensei em colocar a escola, não tinha espaço, só tinha construído a capela. As aulas da escolinha funcionavam inicialmente na capela e dividíamos o sagrado e o profano com uma cortininha”, completa.

O trabalho atual

Ao longo da sua ampliação, o Dispensário Santana chegou até a grande obra que é hoje e está a serviço da comunidade feirense. Além do abrigo de idosas, da escola, há os cursos profissionalizantes e uma padaria, uma fábrica de fardamentos e de doces cristalizados. Com as crianças existem as atividades para o despertar de talentos relacionados à arte e a cultura.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Nossa preocupação é desenvolver os talentos desses meninos. Eles são muito ricos de valores e às vezes esses valores ficam amortecidos porque não acham como colocar para frente. Aqui todos os alunos são incorporados em alguma oficina, seja de música, do coral, do cordel… Todas as oficinas promovem a vida dessas crianças. Temos como meio de ajuda da entidade a fábrica de costura e a padaria”, ressalta.

As produções da padaria mantém em boa parte a entidade. Pães, biscoitos e panetones que são fabricados são vendidos para a comunidade e supermercados. Para a irmã, esta é uma forma do Dispensário caminhar com os próprios pés e vai além das doações e dos projetos sociais com o governo.

A crise também afetou a instituição e, por exemplo, diante das dificuldades uma sorveteria que existe no local foi desativada.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Eu estaria falando uma inverdade se eu dissesse que não me preocupo. Eu me preocupo e em todo esse tempo nunca tive um momento de desânimo ou de medo. Estive sempre em oração: ‘Senhor, pode me mandar o peso, as preocupações. Agora eu só lhe peço uma coisa, não deixe o desânimo e nem o medo entrarem na minha vida’. E realmente, estou vencendo, sem o desânimo e o medo entrarem. Moro aqui, vivo aqui e aqui estou todos os dias trabalhando”, afirma.

A religiosa enfatiza ainda que uma das suas grandes alegrias é poder ver e ouvir o papel do Dispensário Santana na vida das pessoas. Segundo ela, é gratificante ver esse reconhecimento e principalmente que a maioria das pessoas que passam pela instituição através de algum curso ou atividade, acabam voltando com a prestação de serviços voluntários.

Cidadã Feirense

Recentemente agraciada com o título de cidadã feirense, a irmã revela que se sente natural dessa terra há muito tempo. Ela não gosta quando pessoas falam mal de Feira de Santana e reforça que sempre se deu muito bem com o povo da cidade.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Amo Feira de Santana e hoje posso dizer que é um pedaço de mim mesma porque eu amo muito o povo desta terra. Recebo muita reciprocidade neste amor. Se hoje eu desenvolvo essa responsabilidade não sou eu que estou fazendo é o povo de Feira de Santana. Isso eu vejo estampado, a realização do projeto de Jesus Cristo. Eu vejo estampado e em todos os momentos fáceis ou difíceis eu conto com o povo desta terra, que é um povo bom, é um povo solidário. É um povo acolhedor e eu vivo essa experiência. Sempre achei que eu recebo demais do que eu faço. Encontro essa cordialidade do povo, essa bondade do povo, o amor. Eu sinto que Deus é apaixonado por mim e o povo da Feira também. Me querem muito bem, me sinto amada para sentir a coragem de tocar o trabalho em frente, Não tenho medo e por isso eu peço a Deus que não deixe o medo entrar em minha vida”, conta.

Mais amor e esperança

Esse desejo de ajudar o próximo, Irmã Rosa acredita que foi uma influência de sua mãe, que realizava trabalho sociais e também inspirados em pessoas boas como Irmã Dulce, e tantas outras que ela encontrou ao longo do seu caminho. De acordo com ela, o trabalho que faz é apenas um pouquinho do que cada um está destinado a fazer e a assumir a sua missão.

Ela comenta que em um mundo, onde o material e o consumismo é extremamente valorizado é necessário que as pessoas acreditem mais que ainda virão pela frente bons momentos de amor e esperança e possam despertar mais a consciência de enxergar o outro.

A fé e o ânimo da religiosa são contagiantes, assim como seu largo sorriso. Seu abraço aquece os corações e seu exemplo encanta e faz refletir que o amor de Deus é muito maior do que as incertezas da vida e confiar é um ato de paciência e de passagem de várias experiências ao longo do caminho.

Em cada pessoa que encontramos em uma visita ao Dispensário Santana, podemos perceber o significado do trabalho que agrega a fé, a cidadania e a solidariedade.

“Coisa melhor do mundo é a gente ter a mente ocupada, o corpo ocupado e até mesmo o cansaço batendo. A cada momento que passamos a gente entende que é Deus nos respondendo”, finaliza a irmã.

Quem quiser conhecer mais sobre o trabalho do Dispensário Santana pode visitar a entidade, que fica na Rua Vênus, bairro Jardim Acácia, nº 275. Mais informações ligue: (75) 3223-1479.

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