Gabriel Gonçalves
Não há feirense que ao iniciar o mês de abril, não possa se recordar do maior Carnaval fora de época que é realizado no Brasil. A Micareta de Feira, como é bastante conhecida, estaria realizando neste ano, a 84ª (octogésima quarta) edição, mas foi no dia 13 de março do ano passado, que o evento precisou ser adiado por tempo indeterminado, em virtude do risco de contaminação da Covid-19.
Pelo segundo ano consecutivo, a festa momesca tão esperada pelos foliões, não será realizada. Momentos de descontração, alegria e felicidade vivenciadas nos quatro dias oficiais da festa, ficam na memória de cada um e na esperança de que concentrações de blocos na avenida, sejam realizados em próximas edições.
Mais antigo do que a própria Micareta de Feira, o tradicional Bloco Bacalhau na Vara, completa neste ano, 94 anos de fundação. De acordo com a coordenadora do Bloco, Lícia Navarro, a criação do 'Bacalhau na Vara' aconteceu a partir de uma brincadeira entre amigos, o movimento foi ganhando grande proporção até ganhar espaço no Circuito Maneca Ferreira.
Foto: Aldo Matos/Acorda Cidade (Arquivo)
"Isso tudo aconteceu em 1927 com uma brincadeira de amigos, o pessoal saía de porta em porta levando essa alegria da festa, a comemoração, até que se criou o bloco e hoje, o Bacalhau na Vara é 10 anos mais velho do que a própria Micareta. Falar sobre essa suspensão, é como uma nostalgia em não ter a festa, porque a Micareta de Feira, é uma tradição, é um símbolo e não podemos deixar isso acabar, devemos relembrar, fazer mais entrevistas, lives, mas não podemos esmorecer. Eu sou suspeita em falar, porque desde muito nova, meus pais sempre curtiram essas festas de rua, festas em clubes e sempre que podiam, o bloco estava na rua", disse.
O Bloco que possui abadá (camisa padronizada), não possui cordas. Segundo Lícia, não existem fins lucrativos, mas as camisas eram vendidas por um preço simbólico para custear os serviços que eram utilizados durante o desfile na Avenida.
Foto: Aldo Matos/Acorda Cidade (Arquivo)
"O bloco já teve até mortalha, isso na década de 70, e depois fomos modificando. Nunca tivemos a intenção de obter lucros, até porque não temos fins lucrativos, mas o bloco sim, o bloco possui algumas despesas e por isso vendemos as camisas com preços simbólicos, até porque precisamos confeccionar as camisas e as pessoas gostam, curtem e sempre estão com a gente no sábado de Micareta. Não podemos deixar de dizer também que contamos com apoios de amigos, empresários daqui da cidade e a própria prefeitura com o trio", disse ao Acorda Cidade.
Para Lícia Navarro, a falta da tradicional Micareta, gera um prejuízo emocional e financeiro, pois segundo ela, muitas pessoas trabalham diretamente com eventos, e este é o período de maior renda.
Foto: Ed Santos/Acorda Cidade
"Chega esse período e fica um vazio, a gente sente a ausência da nossa grandiosa festa e aquele temor, quando isso tudo vai passar? Fica aquele prejuízo emocional, assim como de outras entidades e tantos outros artistas, porque essas festas deixam de acontecer, mas há pessoas que só vivem disso e hoje infelizmente estão passando por necessidades. Então vamos manter a nossa tradição, vamos manter a nossa alegria, relembrar as antigas Micaretas e que esta pandemia, não possa levar embora nossa querida festa, precisamos levar cada vez mais o desenvolvimento da nossa Feira de Santana", concluiu.
Há 37 anos, o bloco mais irreverente da Micareta de Feira de Santana atrai milhares de foliões. Fazendo parte do bloco ou da 'Pipoca', o 'Bloco Lá Vem Elas' já desfilou no circuito Maneca Ferreira sendo comandada pelas bandas Harmonia do Samba e Psirico e Léo Santana.
Foto: Ed Santos/Acorda Cidade (Arquivo)
Um dos idealizadores do Bloco, Walter Lima, informou ao Acorda Cidade que toda brincadeira teve início na época que ainda eram realizadas as lavagens da Matriz.
"Essa brincadeira teve início desde a época do Feira Tênis Clube, quando tinha a lavagem da Matriz, que a gente já participava daqueles cortejos que tinham carroças. Durante essas festas, tinha muito homem, vestido de mulher e na época despertou esse interesse, criamos também um baba de saia que tinha próximo da Micareta e depois veio a ideia de colocar o bloco na avenida. Ainda muito fraco, tinha apenas 10 a 15 pessoas que faziam parte do grupo e desde então, são 37 anos participando da Micareta de Feira", explicou.
Foto: Ed Santos/Acorda Cidade (Arquivo)
Para Walter, a festa momesca tem como objetivo também fugir das situações comuns e embarcar na avenida, seja fantasiado ou travestido de mulher. Ele afirmou que o evento não faz parte apenas do calendário da cidade, mas é um marco na economia local.
Foto: Ed Santos/Acorda Cidade
"São dois anos sem a Micareta e realmente faz falta. O bloco Lá Vem Elas, tem um verdadeiro sentido da Micareta, pois é fugir das situações comuns e se embarcar na alegria da avenida, levar irreverência, toda brincadeira e por isso faz uma grande falta. Não é só apenas uma brincadeira, um momento de diversão, a Micareta tem uma grande atividade econômica, e trouxe um grande impacto para a cidade. Nós já tivemos edições de levar quase 4.500 foliões dentro do bloco e esperamos continuar levando muitas pessoas para se divertirem bastante", frisou.
Mesmo não obtendo muitos patrocinadores, Walter explicou que manter um bloco hoje na avenida por muito tempo, é resultado de muita garra. Para ele, ver o bloco a cada ano, é resultado de muito comprometimento e amor.
Foto: Arquivo Lá vem Elas
"O Bloco Lá Vem Elas resistiu por todo esse tempo sem patrocínio, inclusive muitas pessoas acham que é um grande negócio, mas no final, esse negócio não é tão grande assim como aparenta. Tem um resultado bom, a gente fica satisfeito com o que faz, porque é feito com muito prazer, com muito amor e com muito comprometimento. A ausência desse evento, traz alguns prejuízos, porque existe uma produção por trás daquilo que está sendo mostrado na avenida. Temos uma equipe de segurança, equipe da alimentação, confecção das fantasias, a banda para tocar, e por isso entendemos que é um grande impacto negativo na economia. A gente torce para que essa pandemia logo passe e que as pessoas voltem a sua rotina, o Lá Vem Elas, possa voltar para a avenida e que possamos trazer a alegria para o povo de Feira", afirmou.
Proprietário de dois trios eletrônicos e um mini trio, Antônio Bessa, mais conhecido como "Furão" e ex-prefeito do Município de São Gonçalo dos Campos, está com os veículos parados na garagem há 14 meses. De acordo com ele, o último evento realizado, foi no dia 26 de fevereiro, quarta-feira de cinzas do ano passado.
Foto: Ed Santos/Acorda Cidade
"São 14 meses que os veículos estão parados aqui na garagem, dois trios eletrônicos e um mini trio, além dos sistemas de iluminação. Nosso último evento foi realizado na quarta-feira de cinzas do ano passado e a partir daí, não tivemos mais eventos para trabalhar. A gente sempre trabalha aqui na Micareta de Feira, Carnaval de Salvador, outras festas aqui no estado da Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e no Rio de Janeiro", explicou.
Furão relembrou que nas edições realizadas nos anos de 2018 e 2019, a empresa dele foi a vencedora da licitação para organização dos trios elétricos e por isso, os veículos foram utilizados nos quatro dias de festa.
"As duas últimas edições da Micareta de Feira, nossa empresa que foi a vencedora da licitação dos trios elétricos e ficamos responsáveis pela organização e contratação dos outros trios e desta forma, nossos veículos foram utilizados nos quatro dias de festa", destacou.
Conhecido como 'Comendador', Furão explicou que o trio recebeu o nome após a popularização do Comendador ser interpretado pelo ator Alexandre Nero, na telenovela Império da Rede Globo.
Foto: Ed Santos/Acorda Cidade
"Quando decidimos criar a empresa, foi justamente no período que estava passando a novela Império, que inclusive está sendo reprisada agora, e quando compramos, o nome antigo era Demolidor e para casar com a sonorização, mudamos para Comendador. Hoje esse veículo possui uma grande estrutura, temos uma total assistência do nosso técnico de som, Binho, ele que cuida da nossa empresa com muita dedicação e no interior desse trio, temos um excelente camarim, três sanitários, uma ótima sonorização e um gerador muito potente", disse.
Artistas como Wesley Safadão, Ivete Sangalo, Bell Marques e a banda Aviões do Forró, foram algumas das estrelas que já tocaram em cima do trio Comendador. De acordo com Furão, com a falta de eventos e com trios parados, cerca de 24 empregos temporários deixaram de ser gerados.
"Cada trio sai em média com cinco colaboradores e o mini trio com três funcionários, fora a equipe de sonorização, iluminação e isso gera em torno de 24 empregos diretos. Essas pessoas fixas da nossa empresa, mas sempre durante estes eventos, nós chamávamos para prestar esse serviço e com isso, em média de R$ 300 a R$ 400 por semana deixaram de receber, fora o cachê de um trio elétrico no Carnaval de Salvador que custa em torno de R$ 200 mil", afirmou.
Foto: Ed Santos/Acorda Cidade
Furão explicou que sente falta da alegria em colocar os veículos na avenida, além da convivência em cada evento, em cada estado que passava.
"A gente sente falta dessa convivência dos eventos, porque eu gosto de ver o trio elétrico na rua, nem é só pela parte comercial, mas a gente ver dois 'bichões' desses parados, a gente que já viajou bastante, todo final de semana em um evento e agora, a impressão que dá é de um velório. A gente sente falta dessa convivência com as bandas, com os foliões, até porque a nossa festa é durante a organização, nos bastidores, toda preparação que é feita e isso faz bastante falta. A gente pede a Deus que logo isso passe, que nos ilumine e isso logo acabe. Espero também que minha classe política deixe de 'picuinha' para ver quem é que consegue mais e que de fato, viabilizem essa vacina para todos, para que possamos voltar a gerar empregos", concluiu.
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade.
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