Laiane Cruz
Neste domingo (18), completa-se um ano do primeiro óbito registrado em Feira de Santana pela covid-19. De lá para cá, já foram contabilizadas quase 600 mortes em decorrência da doença no município. Para evitar a contaminação pelo novo coronavírus, rituais importantes para o processo de aceitação da morte foram proibidos. As pessoas hospitalizadas com Covid-19 não podem ter acompanhantes, os velórios estão suspensos e os sepultamentos são feitos em cerca de 10 minutos, em caixões lacrados, com poucos familiares presentes.
Diante de tantas mudanças, como lidar então com a perda de entes queridos neste momento pandêmico? Para a psicóloga Clara Assis, um ano do primeiro óbito coloca todas as pessoas que perderam alguém a se conectarem também com o contexto geral, que estamos todos vivendo, de muitos desafios e muitas dificuldades, uma vez que todos nós tivemos a vida modificada e precisamos passar por uma série de processos de adaptação.
“As pessoas que perderam entes tiveram que passar por esses processos de modo ainda mais intenso. Então é um momento sim de reflexão, de conexão com o contexto, ainda mais porque a gente continua vivendo esse contexto, que tem perdurado, e isso traz mais instabilidade e dificuldades para essas pessoas que passaram por essas perdas. Um ano da primeira morte não significa o ano de todas as mortes, é um período inteiro de grandes adaptações e desafios.”
Processo
Clara Assis destacou que o luto é um processo, que não tem um tempo definido para terminar, em que as pessoas vivem a partir do rompimento de um vínculo significativo. Pode ser a partir da perda de alguém ou de alguma coisa. Ele é completamente individual e não existe regra para viver esse processo.
“Cada um vai viver a partir da sua própria história, das suas próprias experiências, do que a pessoa é. É um processo muito respeitado e acolhido por todos, porque não posso colocar pra o outro o que pra mim seria melhor. E, sim, é um processo que ele precisa ser vivenciado, porque quanto mais for silenciado, pode ser mais difícil pra essa pessoa que está vivendo. Ela precisa encontrar um lugar de possibilidade de viver esse luto.”
Com a pandemia, naturalmente as pessoas estão mais reflexivas e têm se conectado mais consigo mesmas. Segundo a psicóloga, isso ocorre porque todas as válvulas de escape que a sociedade sempre teve não está podendo ter nesse momento, que são sair, se encontrar com pessoas, estar em ambientes. Portanto, é natural as pessoas estarem mais reflexivas e tristes por não poderem ter válvulas de escape, de descanso e descompressão.
“Assim elas podem se conectar com alguns sentimentos que não são agradáveis e muitas pessoas podem querer fugir desses sentimentos. Na pandemia, toda a vida ficou em suspenso. Então quantas são as perdas durante todo esse momento que vão trazer repercussão e reação para toda a sociedade. Foi a perda do contato físico, do ambiente de trabalho, perdas financeiras, perda de expectativas, sonhos, planejamentos, que ficaram em suspenso e todos estão tendo que revisitar os seus planos da sua vida e todo o seu curso pra poder redirecionar. É natural que todos se sintam impactados. Uns ficaram mais outros menos e isso vai depender dos recursos de cada um, e no processo de luto cada um vai reagir de acordo com os seus próprios recursos”, salientou.
Recriação de rituais
Em relação aos velórios e sepultamentos, ela destacou que são parte importante do processo de luto, afinal os rituais tradicionais são o primeiro lugar onde o enlutado pode ter a conexão com a realidade da perda, é quando ele depara com aquele contexto, com aquela situação que ele tem que vivenciar.
“Nos rituais ele também encontra espaço de conforto social e encontra espaço para se conectar com sua rede social. A ausência dos velórios tradicionais pode, sim, trazer um impacto, mas é importante frisar que também é possível reconstruir rituais, porque o ritual precisa acontecer a partir do que pode fazer sentido pra cada enlutado.”
Para a psicóloga, o parar para repensar e recriar um ritual pode demandar muita energia, diante de um momento de tanta crise, de tanta dor, mas é possível. “A restrição traz impacto, mas ela não é decisiva para a vivência do processo de luto”, finalizou.
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade.