O Dia Internacional da Mulher (8), data celebrada desde 1910, reforça a necessidade de se falar sobre a presença delas na sociedade e sobretudo na luta por igualdade de direitos e a vida. As mulheres brasileiras compõem a história do país, na mesma proporção em que elas também estavam lutando por suas vidas. Elas, as mulheres, todas elas, também estavam nas batalhas brigando por liberdade.
Marieles Franco, Marias Quitérias, Dandaras, Marias Felipa, Lélias Gonzales, Luizas Mahin, Terezas de Bengela, Antonietas de Barros e tantas outras fizeram e fazem a história. A luta dessas mulheres ficou marcada para sempre na vivência das novas e futuras gerações, que usufruem dos direitos e que precisam aprender com essas experiências para não perder as conquistas do caminho. É a garantia de viver, de escrever, de estudar, de ter acesso à sociedade assim como eles sempre tiveram.
Para reafirmar a luta das mulheres e reconhecer a potência da presença feminina na sociedade, o Acorda Cidade conversou com a professora, militante, mãe, agente social política, entre tantas outras facetas, Sidinea Pedreira. Ela abriu as portas da sua casa para receber a reportagem do site e conversar sobre sua vida, trajetória e o papel da mulher como agente de transformação para si e para o mundo.
“Cria do bairro do Tomba”, como ela gosta de afirmar, Sidinea é uma mulher negra, exemplo na luta por direitos, por dignidade, pela vida e pelo bem-estar social das mulheres. Professora há mais de 20 anos, formada pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), ela já atuou em todas as áreas da educação, desde a educação infantil até a educação de jovens e adultos, na qual está inserida neste momento. Em entrevista ao portal Acorda Cidade, ela falou sobre as bandeiras que defende e a importância da mulher se colocar na sociedade como agente de transformação social.
“A primeira bandeira é a educação, porque eu a faço em todos os espaços que eu estou, mesmo dentro do Coletivo de Mulheres, a gente leva essa palavra integradora. Mas também da militância, da luta social e eu acredito que isso se faz junto da educação, das militâncias da vida, a gente não pode separar quem a gente é, a nossa ancestralidade, aquilo que a gente recebeu na infância, então eu me orgulho de dizer que eu sou do Tomba, quando eu vou para sala de aula ou para militância, eu levo tudo que eu sou, sou de periferia. Levo a ancestralidade que aprendi com minha mãe, minha madrinha, minhas vizinhas, levo o que aprendi na universidade, mas também o que aprendo na luta diariamente. É assim que a gente traz as nossas bandeiras e a gente levanta, a partir das nossas experiências de vida”, declarou.
Consciente dos lugares que ocupa, Sidinea sabe brigar bravamente por respeito. Em suas palavras, ‘professora precarizada do Reda’ (Regime Especial de Direito Administrativo), ela apontou durante a entrevista ao Acorda Cidade, os desafios que muitos docentes enfrentam para fazer a educação acontecer no município, ensinando aos seus alunos literatura, português e redação. Formada em Teologia, estudou também por cinco anos no Seminário Teológico Batista do Nordeste, onde descobriu sua vocação para as linguagens.
“Foi fruto da minha escolha pessoal, eu acho que estar dentro das comunidades faz a gente pensar sobre a linguagem que utilizamos para se comunicar com as pessoas da nossa comunidade e foi justamente a curiosidade por essa linguagem que me levou ao estudo das letras”.
Outro desafio do seu cotidiano é a endometriose, modificação do organismo que afeta o útero da mulher e que atinge mais de 26 mil ‘endomulheres’ no país, como explica Sidinea. Para lidar com essa rotina entre o trabalho, a militância e todas essas demandas, ela encontra força em tantas outras que já cruzaram o seu caminho.
“Até o ano passado, eu estava trabalhando 60h, me dividindo com três escolas e também lidando com questões de saúde. Eu sou uma mulher com endometriose (uma endomulher, a gente chama assim), e eu tenho a minha comunidade de endomulheres para compartilhar, interagir, conviver, trocar, então tem a questão do autocuidado, então está dentro da sala de aula e, ao mesmo tempo, se preocupando com o autocuidado é um desafio para todo o professor. E tem também as questões sociais, que eu nunca me afastei, tento conciliar e não é fácil, mas é possível”.
Além da sobrecarga e da luta constante por direitos, a mulher precisa brigar pela vida. Segundo a Rede de Observatórios da Segurança, a cada 24 horas, ao menos oito mulheres são vítimas da violência, considerando oito estados do país. Comparado com 2022, o aumento é de 22,04%, conforme o novo boletim Elas Vivem: Liberdade de Ser e Viver.
Lutando contra essa realidade, Sidinea realiza trabalho social nas igrejas, nas ruas e comunidades. Atua nesses projetos desde a adolescência. Já foi candidata a vereadora em Feira de Santana e também tentou ocupar a política como deputada federal. Há mais de 12 anos, ela luta contra a violência doméstica, pauta imprescindível pela vida das mulheres.
“A mulher dentro da política ainda precisa dizer e as pessoas precisam escutar. Porque há muita secundarização, eu já passei por duas campanhas e agora sou pré-candidata e eu acho que a gente continua tendo que reafirmar que as mulheres têm um lugar dentro da política, que têm esse direito e as pessoas ainda não aprenderam a respeitar.
Então, para os homens, eu acho que é o olhar sensível que nós queremos que eles tenham. Não é um olhar de pena ou simplesmente de dizer assim ‘Ah, estou aqui para ajudar’. Não! Nós temos autonomia para andar com nossos próprios pés, com nossas próprias pernas. Mas o que a gente quer é respeito, é ser olhada com todo o nosso potencial que somos. Inclusive, o nosso potencial de construção”.
Este ano de eleições municipais, ela está na disputa pelo espaço de poder para também representar e carregar as bandeiras das mulheres. O empoderamento feminino é uma das coisas que precisa ser encorajada por toda a sociedade. Ao Acorda Cidade, ela também falou sobre sua perspectiva do protagonismo feminino.
“O lugar de mulher é onde ela quiser. O empoderamento é para além daquilo que tem se colocado, que é outra pessoa empoderando as mulheres ou a sociedade empoderando também. Eu acredito no empoderamento que é de dentro para fora, aquela mulher que sabe, se reconhece, ela conhece seu corpo, sua história, sua ancestralidade e partir desse conhecimento de si, do seu entorno, das suas raízes, essa mulher se empodera de dentro para fora para realizar seus sonhos, suas vontades, para se colocar na sociedade com seus sentimentos, desejos, com a sua potência e sendo solidária a outras mulheres e a si mesma, se acolhendo”.
Aquelas que geram, que cuidam, que sofrem com a dupla rotina e por muitas vezes se anulam para cuidar dos outros, as mulheres são símbolos de trabalho, de resistência e perseverança. Neste 8 de março, muitas querem flores, outras não, mas sobretudo, elas querem paz, respeito e o direito à dignidade, como ressalta a professora.
“Eu levanto a bandeira do autocuidado como uma pauta muito cara para mim. As mulheres precisam ter essas vivências de autocuidado, porque normalmente foram criadas para cuidar dos outros e normalmente elas esquecem de cuidar de si. É muito importante que as mulheres se cuidem, se olhem, se reconheçam, seus desejos, seus sonhos, seus corpos sociais, como corpos que sonham, que sentem”.
Contra todas as estatísticas negativas, Sidinea cuida, se cuida, se protege, fazendo o que ela gosta. Dialogando, cuidando da sua vida, da natureza (suas plantas, que é seu passatempo mais agradável) e sempre buscando fazer a sua parte na sociedade. Seu autocuidado é estar entre boas pessoas, de coração bom, de conversa boa, inteligente e responsável, ouvindo uma música, tomando um cafezinho, falando e trocando experiências.
Para além da dor, do racismo, da disparidade salarial, do assédio, da violência sexual e doméstica, Sidinea como tantas outras, também ocupa um lugar de felicidade e que hoje, através do empoderamento, entende a necessidade de encorajar outras em busca por esse direito.
“Para além de reconhecer que hoje é um dia de luta, e é importante a gente continuar reafirmando isso, o Dia Internacional da Mulher é um dia de reafirmar as nossas bandeiras, de levantá-las bem alto para que a sociedade veja que a gente defende a nossa briga por mais direitos e para manter os direitos que nós temos. Porque você sabe que, ao passo que acontece qualquer coisa na cidade, na sociedade, os primeiros direitos questionados são os direitos que já foram conquistados pelas mulheres. Então, a gente precisa estar sempre de pé, para não perder os direitos que já foram conquistados”, ressaltou ao Acorda Cidade.
Indo mais além, a professora destaca que este também é um dia de celebração. De glorificar a vida, a potência, a força e a garra feminina. Fortes e corajosas.
“Essa frase que me motiva muito, ‘vivas nos queremos’. Nós nos queremos vivas. Agora não é simplesmente viver no sentido de sobreviver. É viver na luta, é sobreviver, sim, mas é viver com profundidade, com dignidade, com direitos. É viver tendo direito ao seu próprio corpo. É viver tendo bem-estar. Se reconhecendo, se sentindo feliz consigo mesma, podendo ter o prazer de estar numa sociedade que a reconhece. Então, eu acho que é um dia da gente lembrar disso, que as mulheres têm esse direito. Eu quero defender o direito à vida”.
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Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade
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