Dia da Saudade

Mulheres que perderam seus maridos para a Covid-19 relatam como lidam com a saudade e a dor da perda

Além de fazerem parte do grupo de apoio às viúvas da Covid em Feira, que mantém páginas no Facebook, Instagram e WhatsApp, Paula e Elzicleide também integram a Associação das Vítimas da Covid (Avico).

Laiane Cruz

Conviver com a dor de perder um ente querido e a saudade que essa pessoa deixa não é uma tarefa simples. O processo de luto varia de pessoa para pessoa, mas ainda que com o tempo quem ficou passe a aceitar melhor a perda, a saudade dos momentos felizes ao lado de quem amamos sempre permanecerá.

Neste domingo (30), em que se comemora o Dia da Saudade, o Acorda Cidade ouviu os relatos de duas mulheres que perderam seus maridos para a Covid-19 em 2021. Elas contaram como vem lidando com a dor da perda e como buscam manter sempre vivas as memórias deixadas pelos seus companheiros.

Professora da rede municipal de ensino, em Feira de Santana, Paula Costa Lima, 40 anos, reside no bairro SIM e desde junho de 2021 busca conviver com a saudade deixada pelo esposo, o policial militar Anderson Oliveira Santos, que com 41 anos de idade morreu em decorrência da Covid-19.

Ela faz parte de um grupo de mulheres cujos maridos foram vítimas da Covid-19 em Feira de Santana e, em entrevista ao Acorda Cidade, relatou como Anderson era uma pessoa saudável e muito ativa. Juntos eles tiveram dois filhos: João e Maria. Desde que o pai se foi, assim como Paula, as crianças precisam lidar com a dor da perda.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

“Estamos reaprendendo a viver sem Anderson, porque ele era muito família, um esposo muito dedicado, um pai sem descrição. Então nossa vida mudou muito, porque tanto eu, quanto as crianças tivemos que seguir a vida sem a presença física dele conosco, mas a gente tem tentado viver a nossa vida, fazendo tudo o que ele gostaria que fizéssemos, fazendo tudo que fazíamos juntos”, afirmou.

Entre as atividades que a professora procura manter com os filhos e que era feito ao lado do pai estão os momentos de lazer aos finais de semana.

“Eu procuro viver os finais de semana fazendo algo de lazer com as crianças. Eu tive que retornar ao trabalho e seguir a dinâmica de estar o dia todo fora de casa, e as crianças ficam um turno na escola e um turno em casa. Eu procuro me desdobrar sendo mãe e pai. Sei que nunca vou substituir e a intenção não é essa, mas é a maneira de trazer as memórias afetivas que foram construídas com ele, através de momentos que a gente sempre lembra. A gente lembra o tempo inteiro da presença dele, do que fazíamos juntos, o que gostava de comer, onde gostava de ir junto conosco, e eu tenho seguido dessa maneira com as crianças”, relatou.

Paula Costa destacou que nunca jamais ninguém da família imaginou que Anderson partiria por conta da Covid-19. Para ela, só restar buscar forças em Deus e sabedoria para seguir adiante, mantendo a fé sempre presente.

“Nunca imaginávamos que nossa história tivesse esse final tão triste, porque com a falta de saúde a gente busca nos hospitais a garantia do retorno, dessa recuperação. Ele foi para o hospital em uma situação bem mais tranquila, com relação à saúde, e infelizmente ele ficou internado e só foi piorando. Foram momentos de muita fé, pedimos muito a Deus pela recuperação dele, mas Ele tem planos que a gente não entende. Eu procuro seguir dessa forma. Deus permitiu essa partida de Anderson, nós não entendemos, mas quem somos nós para questionar. Mas peço a Deus força e sabedoria para aceitar, e a mesma coisa peço pelos meus filhos. Porque eu sofro demais ao ver os meus filhos sentirem falta do pai, isso dá uma aperto no coração”, lamentou.

A mensagem que ficou em meio a essa experiência dolorosa foi de evidenciar sempre o amor por quem se quer bem, se manter presente e demonstrar carinho pelas pessoas próximas.

“Ele era muito presente, e os momentos de lazer, momentos livres, é quando eles mais lembram da presença de Anderson. O que eu digo é que por mais planejamentos que façamos, não somos donos das nossas vidas. Então a gente planeja muita coisa, mas o principal é a gente viver cada momento, fazer com que as pessoas que a gente ama sintam esse amor. Que a gente não tenha vergonha de falar, demonstrar o quanto as pessoas são importantes para a gente. Porque a qualquer momento a gente pode passar por uma situação como essa e não ter a oportunidade de dizer. Tivemos a chance tanto de falar, quanto de ouvir dele e os meus filhos também, mas a gente achava que podia viver muito mais. E tudo isso cada dia nos mostra que a gente tem que ter mais cuidado ainda, porque não passou. Toda essa situação de pandemia, a gente está revivendo novamente, então eu sinto muito quando vejo pessoas banalizando os cuidados, as restrições com a doença. Ele tinha tudo isso e se foi”, disse.

Moradora do bairro Rua Nova e profissional autônoma, Elzicleide Rodrigues de Souza, 47 anos, também faz parte do grupo das Viúvas da Covid em Feira de Santana.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

“Perdi o meu esposo com 58 anos, Milton Rui Santana, mais conhecido por Rui. Hoje eu sinto muito falta dele, porque ele se foi num momento que a gente estava vivendo bem a nossa vida, ele gostava muito de viajar, passear, uma pessoa pra cima, que gostava de dar valor à vida, aproveitava todos os momentos e era muito família”, lembrou.

Milton Rui, segundo a esposa, gostava de reunir pessoas em casa, unir a família e ambos tinham sempre a casa cheia em datas comemorativas, a exemplo do Natal.

“O Natal pra gente foi muito difícil, porque ele gostava de unir a família, de ter a casa cheia, de ir pra missa. Tem sete meses que ele faleceu, foi em 19 de junho de 2021. É difícil dizer como ele contraiu a Covid, porque ele se prevenia muito, não andava sem máscara, era aquele cuidado. Chegava em casa e ia logo tomar banho. Ele se contaminou, ficou internado na Policlínica do Feira X, depois foi transferido para o Hospital de Campanha e ficou lá por 22 dias, foi entubado, foi piorando, fez hemodiálise, e no final a gente estava com muita fé e esperança que ele iria sair dessa, mas ele não sobreviveu”, contou.

Para Elzicleide a perda do esposo a fez ficar sem chão, pois para ele o marido representava um porto seguro.

“Quando eu recebi a notícia do falecimento perdi o chão. Ele era meu porto seguro. Está parecendo que o mundo virou de cabeça para baixo, porque perdemos o chão sem ele. Em casa só moravam os dois, a filha casou tem seis anos. Só ficamos nós dois, mas sempre unidos. Moramos sempre no mesmo bairro. Foi muito difícil, fico sozinha em casa, sem ele, e sinto muita falta. Ouço a voz dele chegando, o barulho do carro, é difícil demais viver sem ele. Muita saudade”, contou.

Além de fazerem parte do grupo de apoio às viúvas da Covid em Feira, que mantém páginas no Facebook, Instagram e WhatsApp, Paula e Elzicleide também integram a Associação das Vítimas da Covid (Avico).

Conforme Paula Costa, a entidade busca auxiliar tanto as mulheres que perderam seus maridos, quanto aquelas pessoas que tiveram sequelas da doença.

“Criar uma associação das viúvas da Covid foi o nosso objetivo porque a gente sentiu muita dificuldade de agregar essas viúvas e ter uma participação mais efetiva. São pessoas que perderam seus entes queridos, mas também pessoas que estão debilitadas e tiveram sequelas da doença. Então nessa associação temos algumas pessoas que fazem um trabalho de orientação jurídica com relação às pensões, e também apoio psicológico, empregos, porque muitas mulheres não tinham a responsabilidade de assumir as finanças da família e hoje estão tendo que buscar. Então é muito importante estarmos associadas à Avico”, destacou.

 

Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade 

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