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Mestre Bule-Bule e a sabedoria popular: “Quanto mais se tem vida, mais se acumula sabedoria

Ele esteve na Praça do Cordel Mestre Lainha, falando sobre sua trajetória, vida, aprendizados, e muita cultura popular. 

Foto: Ighor Simões
Foto: Ighor Simões

Uma presença ilustre preencheu a 17ª edição do Festival Literário e Cultural de Feira de Santana de saberes populares, cultura, educação, entre tantas outras qualidades que podemos encontrar no Mestre Bule-Bule, um dos cordelistas, repentistas, sambador, forrozeiro mais renomados do país. Ele esteve na Praça do Cordel Mestre Lainha, falando sobre sua trajetória, vida, aprendizados, e muita mais sobre a cultura popular. 

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Nascido em 22 de outubro de 1947, em Antônio Cardoso, Antônio Ribeiro da Conceição, seu nome de batismo, é um homem importante da literatura de cordel. Considerado o maior repentista da Bahia, ele possui mais de 100 títulos publicados, oito discos gravados e dois DVDs. 

Sua trajetória brilhante levando a cultura nordestina para o mundo rendeu ao mestre em 2008 a premiação Ordem do Mérito Cultural, do Ministério da Cultura, que reconhece suas contribuições para a cultura e os saberes do Brasil. 

Durante sua passagem pela Feira do Livro, no penúltimo dia de festival, Mestre Bule-Bule concedeu uma entrevista ao Portal Acorda Cidade falando sobre sua trajetória que já somam 45 anos de carreira. 

Foto: Ighor Simões

Com um humor para lá de maravilhoso, ele começou saudando a cidade e dando graças pelo que a vida trouxe para o sertão neste sábado (31). Muita gente compareceu para prestigiar o artista.

“Graças a Deus, tudo em paz e no centro de uma festa em Feira de Santana, sertão da Bahia, chovendo, aí é que vira maravilha, né? Mangalô vai enraizar, feijão vai dar mais grãos, milho vai consolidar os seus tendões aí as bonecas vem com aquele cabelo loiro, daí para frente é só pensar na canjica”, brincou. 

Foto: Ney Silva/Acorda Cidade

O cordelista contou como sua ancestralidade, suas raízes lhe ajudaram a trilhar a sua trajetória. Sabiamente ele disse que se tivesse nascido nesta época, seria menos feliz, já que o capitalismo poderia tirar a ingenuidade da infância. 

“Hoje a infância para quem não observa direito é muito diferente, porque os brinquedos são outros, as brincadeiras, por exemplo, é mais ligado para o robô e outras coisas que a indústria está colocando. Antigamente era carro de roda com lata de doce ou carretel de linha, é outra época, o brinquedo era feito de sabugo de palha de milho, boneca de pano, tudo isso é entendido. Ontem era uma coisa, hoje é outra. O importante é a pessoa ter uma infância feliz. Isso é que importa. Eu tive uma infância feliz porque o que se conhecia de felicidade na minha época era isso. Trabalhar, viver das condições que meus pais e os seus colegas faziam cantar roda e acompanhar batalhão, ir às novenas sambar, dançar forró, rezar nas trezenas de Santo Antônio, em setembro bati nas novenas de Cosme e Damião, no mês de agosto a louvação a São Roque, dezembro a Santa Luzia, era essas coisas e dessa forma eu tive uma infância feliz”, contou. 

Segundo o artista, ele se inspirou e teve referências nos sambadores regionais, aos cantadores de tirana, os vaqueiros “homens heróis” que ele conheceu no passado, marcas representativas do nordeste.

Muitos foram os desafios em seu caminho, percalços este, que Bule-Bule reconhece para a maioria dos artistas menos favorecidos ou que está fora da linha mercadológica da indústria. Para ele, ainda falta muito incentivo na cultura popular brasileira.   

Foto: Ighor Simões

“Se tivesse feito, não precisava cobrar. Eu acho que tem que preparar um estado para que o elemento que produz essa cultura popular não tenha desgaste no pão para fazer um cordel e ficar com fome, porque você tira um monte de dinheiro e paga de uma vez para a gráfica fazer e vai arriscar vender de um, em um, mas não tem a feira, não tem a motivação na feira e quando tem a feira, não tem a motivação. Você precisa de um espaço motivado para você encontrar clientela motivada também pela cultura. Mas isso não é feito de uma noite para o dia, nem com tapinha no ombro. Isso é feito com sacrifício, com estudo, com política pública para você rever o que está faltando, com pessoas comprometidas com a cultura popular, comprometida com o ser, porque estamos perdendo, por exemplo, artistas populares”. 

Aos 77 anos, Bule-Bule contou que seus cordéis de antes e de agora são baseados na sua experiência de vida, nos saberes trocados pelo mundo afora e das lições que já levou em seus caminhos.

“Eu tiro dessas lições de vida o enredo para pontear e bordar, colorir o meu cordel. O meu dia a dia para colorir a cantoria que eu faço é porque quanto mais você tem vida, mas você acumula material de sabedoria. Então hoje para coisas da ciência, eu não tenho, mas para botar no lugar da ciência, eu tenho um monte de coisa. Entendeu? Então dessa forma, você tem muito que não está nos livros para você inventar, fazer comparação e colocar nos livros”. 

Nesta 17ª edição, o artista esteve lançando na Flifs o livro chamado Cordéis Antológicos de Bule-Bule. Ele também traz ancestralidade, fé e religião africana com o livro Orixás em Cordel, adquirido pela Universidade Estadual da Bahia (Uneb), para fazer parte dos certames de 2025 a 2030. 

Apesar do reconhecimento, ele apontou preocupação com tantos outros cordelistas, escritores que possuem um excelente trabalho, mas não são valorizados. “Precisamos de fomento e é isso aí, a cidade de Feira agitada, subindo e descendo mesmo embaixo de chuva, fazendo com que as coisas funcionem”. 

Foto: Ney Silva/Acorda Cidade

Além de propagar a cultura nordestina dentro do próprio país, Bule-Bule se tornou um símbolo importante representando a brasilidade pelo mundo. Na Alemanha passou uma temporada de três meses divulgando seu trabalho e disse ao Acorda Cidade, o quanto os estrangeiros conheciam a cultura brasileira, rica, diversa e plural. 

“Eu não tive dificuldade alguma nos países que visitei, mas dessa forma a gente vai sair daqui com uma perspectiva, chegando lá é maior ainda o que você encontra de real. Graças a Deus, eu não tive nenhum problema, foi uma honra e felicidade. Agora, não me acho maior do que ninguém porque tive essa oportunidade de ficar lá fora muito tempo. Eu tenho, prazer de visitar os cantos do Brasil que eu não tive oportunidade para chegar lá, alguém dizer olha: ‘aquele parece com Bule-Bule’, não, é ele, eu tenho certeza. De lá, por mais que eu invoque a plateia, eu não tenho isso. Eu tenho isso aqui. Meu povo que me conhece, me respeita e sabe quem sou. Cantar lá fora é bom, mas cantar aqui dentro, ser respeitado é melhor”, declarou o Mestre. 

Bule-Bule segue sua caminhada deixando um legado imensurável para tantas gerações que ainda vão poder aprender com os seus saberes empíricos. Ele é educação, cultura e arte para tantos brasileiros que conhecem e aqueles que ainda precisam conhecer o seu repertório repleto de história, conhecimento e devoção pelo que ele faz, muito bem feito.

Foto: Ighor Simões

“Se houver empenho do gestor, o meu legado já dá para alimentar essa plateia por muitos anos. Basta ir fatiando e eu não quero morrer agora, quero ainda produzir muito mais e com a mesma qualidade ou até melhor, portanto, daí pra frente eu quero que quando eu partir o legado seja bem maior do que até agora e o povo saiba aproveitar. Espero que apareça gestores mais inteligentes e mais interessados e saiba que o chão, a terra é alimentada por quem pisa nela e quem está pisando tem a obrigação de fazer bem feito para que outras gerações entendam que isso é viável e tem que se dar uma dinâmica para andar mais”.  

Para falar sobre o seu legado, ele lembrou sua passagem por outro festival literário onde encontrou, desde crianças do ensino infantil até ao ensino médio, discutindo sobre suas obras e sua trajetória. Como diz um sábio provérbio africano, “Exú matou um pássaro ontem, com uma pedra que jogou hoje”. Viva Mestre Bule-Bule!

Para acompanhar a entrevista completa e ouvir o repente feito especialmente para o Acorda Cidade, ouça o áudio abaixo:

Com informações da jornalista Iasmim Santos do Acorda Cidade

Leia também: 17ª Feira do Livro: histórias, homenagens e educação marcam penúltimo dia da Flifs 2024 

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