Com 80 anos de idade, o bancário Osmar Ferreira se dirigiu a uma agência bancária do Bradesco, em Feira de Santana, na manhã desta quarta-feira (26), não para sacar a aposentadoria, buscar serviços ou solucionar pendências, como se espera de um cidadão nesta fase da vida.
Ao contrário, o idoso foi ao banco, localizado na Rua Conselheiro Franco, na esquina com a Rua Olímpio Vital, para levar um documento de readmissão, mediante decisão da Justiça do Trabalho, 59 anos depois de ter sido demitido, após ser preso injustamente no período da ditadura militar.
“Foi o meu primeiro emprego, quando eu tinha 17 anos. Comecei a trabalhar no dia 6 de setembro de 1960. Em 1961, fui convocado para ajudar na fundação da Associação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Feira de Santana, e isso nós conseguimos fazer. Foi feita a primeira eleição, e eu também fui eleito para fazer parte da diretoria. Em 1963, essa associação foi transformada em sindicato, a diretoria continuou e em setembro do mesmo ano foi convocada uma nova eleição para a entidade, onde eu fui eleito suplente do presidente. Aí veio, infelizmente, 64, com um golpe militar terrível, e os sindicatos foram fechando e as associações também”, relatou em entrevista ao Acorda Cidade.
Osmar Ferreira se recorda que no dia 2 de abril, a polícia invadiu a sede do Sindicato dos Bancários de Feira de Santana, na Praça Bernardino Bahia. Jogaram máquinas de escrever pela janela, documentos, mimeógrafos e, após deixarem um rastro de destruição, nomearam interventores. Dias depois, o bancário foi levado para a prisão.
“Fui preso no dia 8 de abril de 1964, por volta das 11h, dentro da agência do Banco da Bahia um dia depois de ter completado 21 anos. Fui preso por um sargento do Exército e mais dois sargentos da Polícia Militar, armados com metralhadoras. A alegação é que eu era comunista, pelo fato de ser diretor sindical e líder do movimento. Fiquei 12 dias preso. Sai da prisão no dia 20 de abril de 64. Fiquei desempregado, não achava emprego em lugar nenhum e tive que me tornar caminhoneiro, igual ao meu pai”, contou.
Com a criação da lei que instituiu a Comissão Nacional da Verdade em 2011 pela então presidenta Dilma Rousseff, para apurar violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar, o ex-bancário entrou com uma ação na Justiça pedindo reparação moral e indenização.
Segundo Osmar Ferreira, a juíza homologou um valor a ser pago pela instituição financeira de 5 milhões e 425 mil reais. No entanto, o banco recorreu, alegando que o idoso não tinha direito a receber esse dinheiro e sugeriu sua readmissão, que foi aceita pela Justiça.
“O banco entrou com uma petição alegando que eu não tinha direito e depois de ter sido notificado da homologação e da penhora do valor, ele não se manifestou em nada. Quando foi agora entrou com uma petição argumentando que eu não tinha direito a valor nenhum, e sim a readmissão. É um fato inédito no Brasil, e eu tenho que voltar, depois eles que me mandem embora novamente, porque foi uma determinação judicial. Não vou receber a indenização”, declarou Osmar ao Acorda Cidade.
Agora, novamente parte da categoria bancária, Osmar Ferreira diz que irá fazer o teste para a readmissão, mas que no auge dos seus 80 anos não sabe como será este retorno ao interior de uma agência.
“O banco não vai pagar e eu vou voltar com força total. Hoje foi entregue o documento da juíza ao banco para me readmitir. O banco agora é que vai resolver o que vai fazer comigo. Não sei se durante o exame readmissional terei condições físicas para voltar ao trabalho, aos 80 anos de idade. Não tenho esperança de receber nenhum valor.”
Apesar do desfecho do caso, o idoso espera que sua história sirva de exemplo para os trabalhadores em geral. “Eu espero que esse seja um exemplo para a classe bancária e a classe trabalhadora, que não devemos desistir nunca de lutar, deve lutar até conseguir a vitória final.”
O ex-presidente do Sindicato dos Bancários Eliezer Ferreira considerou que, embora tenha havido a readmissão, a decisão judicial trouxe mais uma conotação de cidadania, de luta pelos direitos.
“Foi um cidadão injustiçado jovem, que assim que adquiriu a maior idade, o Exército o tirou do emprego, dentro da agência e o levou preso, vindo a ser demitido com essa situação. No futuro, houve a anistia e ele entrou na Justiça em busca do emprego, que infelizmente a Justiça deu uma readmissão, diferente de reintegração. Com a readmissão, ele estará voltando ao emprego agora, e a reintegração seria ele ter o emprego da época de 64 restaurado. E ele teria todos os seus direitos a receber, que no momento não vai ter, terá apenas o emprego de volta.”
Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade.
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