188 anos de Feira

Gastronomia feirense: comidas que fortalecem história e tradições populares de Feira de Santana

A gastronomia de Feira de Santana tem várias vertentes culturais e sociais, e está sempre em constante evolução.

Rachel Pinto

Assim como todo local, Feira de Santana tem suas peculiaridades. Tem os seus comportamentos e costumes que a fazem ser única. A gastronomia faz parte da experiência de viver nesta cidade e traz uma rica lista de sabores e comidas que têm em sua essência, o jeito feirense de ser.

Quem vive na cidade sabe que há muitas delícias que fazem parte do dia a dia de todo feirense, como a maniçoba, a carne de bode, o feijão carioquinha, o acarajé e o doce de leite com sorvete. Alguns locais que servem essas iguarias já são marcas da cidade e inclusive fazem parte do patrimônio histórico e cultural.

Foto: Arquivo Pessoal

A professora universitária, chef de cozinha e consultora gastronômica, Monia da Hora, recentemente lançou o livro ‘Memória, territorialidade e gastronomia de Feira de Santana’ e com muita experiência prática e pesquisa, ela contou ao Acorda Cidade o objetivo deste trabalho e a importância de valorizar os pontos turísticos gastronômicos da cidade.

Para ela, a gastronomia de Feira de Santana tem várias vertentes culturais e sociais, e está sempre em constante evolução, mas nesse caminho ainda precisam existir alguns tipos de modificações, principalmente na produção científica de conhecimento.

“Precisa ser construído um campo histórico, cultural, antropológico desse segmento mais a fundo, tem um contexto histórico e fundamental para a Bahia em geral e na alimentação não é diferente. É fundamental olhar um pouco para as questões históricas e trabalhar em cima disso para construir um mercado consolidado”, disse.

Ela relatou ao Acorda Cidade, que a ideia de reunir em um livro as principais referências gastronômicas da Princesa do Sertão partiu de várias inquietações profissionais e pessoais e o resultado foi se unir a um grupo de cientistas sociais para mergulhar mais a fundo na rica história da comida feirense.

“Eu vinha em um processo antes da pandemia, estava muito desgastada, tanto mental como fisicamente, da vida corrida que é a cozinha, e eu já vinha buscando outras formas de trabalhar com comida que não fossem tão doloridas. Vinha com uma inquietação querendo trabalhar a questão social e vim buscando meios de exercê-la. Tenho uma prima que é antropóloga, sempre converso muito com ela e ela me disse que eu precisava passar por algumas modificações. Aí ela me encaminhou algumas amigas que são cientistas sociais e nisso eu me encontrei. Surgiu o edital da Lei Aldir Blanc, financiado pela Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer, e aí peguei o edital no site e entreguei para elas e assim brotou a ideia do livro. Surgiu a partir desse grupo que eu me associei e é o grupo que trabalha comigo atualmente a frente desses projetos”, frisou.

Para a pesquisadora, a experiência do livro foi muito positiva porque pôde abordar a valorização cultural da alimentação em Feira de Santana. De acordo com ela, foi a oportunidade de mostrar que a cidade tem sim uma gastronomia de qualidade e que isto não está associado ao valor econômico. Para ela, a boa gastronomia não precisa ser associada a ingredientes caros ou de difícil acesso. Ela listou para o Acorda Cidade alguns locais que considera fundamentais para a vida gastronômica de Feira de Santana.

“Um dos lugares para mim que é fundamental é o Abrigo Predileto que é uma questão patrimonial, cultural e é um segmento histórico na cidade. Merece todos os reconhecimentos e é um negócio que atua no centro há mais de cem anos. Outros lugares que gosto muito é Roque do Feijão, Ana da Maniçoba e Bode do Feira VI. Tem um local que serve uma língua de boi assada na Serraria Brasil que também é maravilhosa. Na verdade, há uma infinidade de sabores e a gastronomia não está associada com preço, com luxo, mas com história, conceitos, qualidade e precisa ter esse desprendimento. Temos em Feira de Santana riquíssimas experiências no Rio Jacuípe, por exemplo. De comunidade quilombolas indígenas e há muitas coisas na cidade que podem ser exploradas e a minha esperança como professora é que os alunos acordem e se debrucem para construir a gastronomia. Eu estou aqui para guiá-los”, completou.

Abrigo Predileto

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

Assim como Monia destacou na entrevista e em seu livro, o Abrigo Predileto é sem dúvida, além de um local que tem raízes gastronômicas, é um cartão postal da cidade. Localizado no centro, na Praça da Bandeira, faz parte das lembranças e memórias de muitos feirenses.

O atual dono do estabelecimento, Aelcio Macedo de Brandão, de 51 anos, contou um pouco sobre a história desse local e as delícias que continuam sendo tradição de quem passa pelo centro da cidade e não abre mão de dar uma paradinha no Predileto.

“O abrigo surgiu em 1926 com a família Argolo. Seu Nelson que construiu e aqui era ponto de apoio, constituía a Feira e era ponto de transporte. Depois se tornou uma lanchonete e graças a Deus a gente hoje está tocando o barco aí e mantenho a tradição com muita responsabilidade porque nós temos pessoas que vêm de outros estados, que já moraram em Feira de Santana, e quando vem aqui passam para tomar o sorvete com doce de leite. Elas sempre falam que continua a mesma coisa e é uma responsabilidade muito grande nossa e temos que trabalhar com carinho para fazer os produtos e manter a qualidade”, contou Aelcio ao Acorda Cidade.

O sorvete com doce de leite que foi destacado por Aelcio, assim como o caldo de cana e o requeijão que também são servidos no local, vêm carregados de lembranças para muitos feirenses. O costume de saborear estas delícias, inclusive, é passado de geração em geração e ficam nas lembranças das pessoas.

Aelcio conta que muitos clientes relatam que já frequentavam o Predileto em companhia dos pais e hoje já levam seus filhos para também terem registradas essas recordações. O Predileto vai além de um local que vende lanches, mas um lugar que tem vários significados, que mexem com o sentimento e o imaginário das pessoas. Simboliza além das comidas, mas o afeto e também saudades que as pessoas têm de uma época, um momento ou de alguém.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

O cantor e compositor feirense Carlos Pitta, eternizou o Predileto em uma canção sua que fala do requeijão e do caldo de cana que ele não abre mão quando vem à cidade, segundo Aelcio.

“Ele fez uma música que retrata isso e quando vem à Feira não deixa de passar aqui. Outro frequentador assíduo é o secretário de comunicação Edson Borges. Inclusive ele foi o encorajador do projeto de tombamento do Predileto quando esteve à frente da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer. Muitas pessoas vêm também aqui aos sábados à tarde, param o carro e tomam seu sorvete com doce de leite”, comentou.

O sorvete com doce de leite custa R$9 e, de acordo com Aelcio, as peças de salgados custam em média R$4. Quase sempre há promoções de adicionar um suco para o cliente e, para ele, é importante acima de tudo manter a qualidade dos produtos, principalmente por tudo que o Predileto representa para a cidade.

“A coxinha e o pastel mesmo, pegamos com o mesmo fornecedor desde a fundação do Predileto. Isso tudo faz com que a gente tenha a importância para Feira de Santana”, comentou.

O famoso acarajé do Xixas

Todo feirense que preza pela culinária tradicional da cidade com certeza já comeu o acarajé de Dona Izabel, que fica localizado em frente ao Xixas Bar, na Rua Castro Alves, no bairro Serraria Brasil, o famoso ‘Acarajé do Xixas’. A cidade tem uma série de tabuleiros de acarajé também de muita qualidade, mas o do Xixas, assim como as comidas vendidas no Predileto, além do sabor, vem embutidas de memórias felizes.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

Dona Izabel de Jesus Silva, de 75 anos, é a responsável pela receita desta iguaria da culinária baiana e vende o acarajé e o abará há 38 anos no mesmo local.

Com poucas palavras, ela resume que o trabalho feito com muito esforço e dignidade a ajudou a criar os 13 filhos. Mexe a massa do acarajé, com muita alegria e para ela, ser reconhecida como a pessoa que faz um dos melhores acarajés da cidade é motivo de comemorar.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

O acarajé e o abará custam R$12 e de acordo com Dona Izabel, nessas quase quatro décadas de trabalho, ninguém nunca reclamou da qualidade e nem passou mal após comer seu produto. O trabalho seguirá até o dia que tiver forças e ela continua em seu ofício no mesmo local e horário. Apesar da companhia de suas filhas que a ajudam e cresceram vivenciando a venda de acarajé no tacho, onde os bolinhos são fritados, a ordem da matriarca é soberana e quem comanda a atividade é ela. O cheiro do bolinho fritando no dendê quente já pode ser sentido a partir das 18h30 e fica na lembrança dos clientes como um dos melhores perfumes da bonita Princesa do Sertão.

Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade.
 

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