Na madrugada do último domingo (4), um momento de descontração entre amigos e pessoas conhecidas se transformou rapidamente em um pesadelo, em uma casa de shows localizada na Avenida João Durval, em Feira de Santana.
Após um debate acalorado sobre filosofia e cultura, o assunto de política tomou o espaço na mesa e terminou com a estilista especializada em moda afro, Flávia Sacramento, de 41 anos, sendo agredida por um policial militar, que fazia parte da roda de amigos.
Ainda buscando entender o que aconteceu, a estilista relatou, em entrevista ao Acorda Cidade, que o agressor era seu amigo há mais de 25 anos, mas que sempre apresentou um perfil violento e andava sempre armado.
“Quando terminou o show, fomos para a área do bar, onde ficam as bebidas. E enquanto estávamos conversando, falando sobre filosofia, sempre quando eu falava alguma coisa, ele rebatia, minha voz não tinha que ser ouvida, quem tinha autoridade para falar era ele por ser um policial, e ele enfatizava isso o tempo todo. Sempre foi desse jeito. Para as pessoas entenderem, eu conheço essa pessoa há mais de 25 anos, inclusive ele seria o padrinho da minha filha. E a gente conversando, falando de filosofia, cultura, como ele sabe da minha posição política, começou a falar de política”, contou.
De acordo com Flávia Sacramento, como a conversa começou a tomar um caminho diferente e estranho, outro amigo que estava na mesa tentou interromper a discussão e mudar os rumos da conversa, porém não teve sucesso.
“Outra pessoa que estava comigo e me auxiliou, inclusive, até a delegacia, começou a falar para a gente parar, pois ‘para que falar de política?’. E ele querendo insistir no assunto de política, foi se exaltando mais ainda, começou a me ofender. Enquanto ele falava de política, para mim tudo bem, mas como ele viu que eu não dei importância e comecei a debochar dizendo que ‘ele estava todo certo’, ele começou a me ofender. Quem me conhece sabe que sou da paz e não tenho histórico de violência. Então eu disse a ele que o que faltava nele era estudo, ele então me deu um soco no olho direito e partiu meu supercílio”, relatou em entrevista ao Acorda Cidade.
A estilista informou que mesmo atordoada com o soco, conseguiu se levantar. Foi quando o policial lhe deu uma rasteira e chutes.
“Quando ele viu que eu levantei, ele me deu uma rasteira e ainda me deu um chute. Ele só não me machucou mais, porque o pessoal tomou a frente. Ele estava armado e ninguém o agrediu, justamente, porque puxou a arma. Eu achava que ele era amigo e estávamos conversando, então se vê que ele está totalmente despreparado para o cargo que está exercendo. Fui na Deam, prestei a queixa, peguei a requisição para o exame de corpo e delito, e serei ouvida por uma delegada”, afirmou.
A estilista, que faz parte da coordenação do Moviafro, uma associação de defesa do movimento negro e que promove ações culturais e afirmativas em Feira de Santana, acrescentou que foi procurada por outras entidades como a Casa Marielle Franco, que disponibilizou um grupo de advogadas para defende-la e lutar por Justiça.
“Estamos aí em busca de Justiça. Também fui procurada pela Polícia Militar, para me apoiar e falar que a corporação não concorda com esse tipo de atitude, principalmente vinda de pessoas que estão ali para dar segurança. Com essa agressão, vou até o fim, para o que existir de Justiça, para que ele pare de fazer isso, não só com mulheres, mas homens também, porque tem vídeos dele praticando isso com outras pessoas”, afirmou.
Devido ao soco que recebeu no olho e os chutes na costela, Flávia Sacramento lamentou não ter condições de trabalhar neste momento, como também o fato de que há muita intolerância política atualmente no país.
“Para costurar preciso dos dois olhos, mas estou sentindo dores, principalmente nas costelas, nos braços, que tem escoriação. É complicado sair para se divertir, estar entre amigos, e de uma hora para outra, por questão de política… Hoje no mundo que a gente vive temos que procurar saber com quem vamos falar de política, porque as pessoas vivem muito acaloradas. Estão entre nós essas pessoas, e a gente não espera e acha que isso nunca vai acontecer com a gente, mas aconteceu comigo, sou a prova a viva”, desabafou.
A 67ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM) emitiu uma nota informando que irá apurar a conduta do policial, que permanecerá afastado das funções durante a investigação. Leia a nota completa:
“Sobre as acusações de possíveis agressões da parte de um militar lotado na 67ª CIPM, contra a Srª Flavia Sacramento, que teriam ocorrido num evento festivo em um estabelecimento comercial na cidade de Feira de Santana na noite de domingo 04/06/2023, o comando da 67ª CIPM irá proceder com a apuração da conduta do policial durante a situação, ouvindo as partes envolvidas e suas testemunhas.
O militar durante o período de apuração deste fato, que será uma ação prioritária, se encontrará afastado das atividades operacionais da Unidade.
Em tempo, prepostos da Operação Maria da Penha do CPRL, mesmo a situação não sendo tipificada como violência doméstica, manteve contato com a vítima para prestar o devido apoio e acolhimento.”
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seccional Feira de Santana também se posicionou sobre a ação praticada pelo policial:
“A OAB Subseção Feira de Santana, por intermédio das Comissões de Direitos Humanos, da Comissão em defesa dos direitos das Mulheres e das Advogadas e da Comissão de Igualdade Racial, vem, por meio dessa nota, demonstrar total repúdio ao episódio ocorrido no último domingo, 04/06, no qual a estilista Flávia Sacramento foi agredida pelo PM Fabrício Borges.
Segundo relato da vítima em suas redes sociais, a estilista foi agredida em um espaço de festas da cidade de Feira de Santana, após exprimir sua opinião política. Além de violência física, foram proferidas injúrias raciais.
Imediatamente, a vítima buscou auxílio da DEAM – Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher para registro de ocorrência e solicitação de abertura de procedimento investigatório da conduta.
As mulheres, principalmente as mulheres negras, são as principais vítimas de violências na sociedade. Os dados de pesquisa do Datafolha encomendados elo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que 45% das mulheres negras afirmam que já sofreram alguma violência ou agressão ao longo da vida.
Essas mulheres, através da estrutura patriarcal, sofrem diariamente com tentativas de serem silenciadas, o que é evidenciado e agravado face ao racismo estrutural vivido no Brasil.
A violência contra as mulheres é inaceitável e deve ser veementemente combatida na nossa sociedade com ações enérgicas por parte das instituições e indivíduos, bem como deve haver um constante processo de formação e informação como ferramenta de combate a tal prática repulsiva.
Frente à veiculação dessa situação, a OAB, através das comissões supracitadas, encaminhará oficio à Policia Militar para que apure as condutas do agente, e tome as providências cabíveis e necessárias para apuração da conduta. Para além das medidas punitivas é importante que a corporação se comprometa com a formação dos seus integrantes no tocante ao combate à violência contra as mulheres e o combate ao racismo. As comissões se colocam à disposição para realizar tal formação em parceria com a Polícia Militar.
A OAB não compactua com a violência contra as mulheres, e sobretudo com os atos abruptamente violentos sofridos pela Flávia. Compromete-se, ainda, a dar todo suporte e acolhimento adequado que lhe é direito.”
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade
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