Entrevista

Número de doações de órgãos ainda é muito baixo em Feira, informa cirurgião

No Dia Nacional da Doação de Órgãos e Tecidos, médico explicou como funciona a captação na cidade.

Laiane Cruz

Nesta quinta-feira (27), é comemorado o dia D da campanha Nacional da Doação de Órgãos e Tecidos, que ocorre durante todo o mês de setembro. Para marcar a data, diversas ações estão sendo realizadas hoje no Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA), a fim de conscientizar e sensibilizar a população acerca da doação.

De acordo com o cirurgião cardiovascular André Guimarães, durante todo o mês, a Organização à Procura de Órgãos (OPO), da qual ele é coordenador e funciona dentro do HGCA, tem feito informes, entrevistas e visitas a organizações. Em entrevista ao Acorda Cidade, o médico explicou como a organização atua em Feira de Santana e revelou dados sobre a doação na cidade.

Acorda Cidade – Como funciona a Organização à Procura de Órgãos em Feira de Santana?

André Guimarães – Ela orienta o diagnóstico de morte encefálica e todo o trâmite desde o seu diagnóstico até a possibilidade de captação de órgãos para transplante. A OPO gere as chamadas Cihdotts, que são as comissões intra-hospitalares de doação de órgãos e tecidos, e todo hospital acima de 60 leitos deve ter um Cihdott e eles são comandados pela OPO, que tem a sede em Feira de Santana, no Hospital Geral Clériston Andrade.

Acorda Cidade – Como é o protocolo para a doação?

André Guimarães – A morte encefálica tem um protocolo, e o Brasil o tem um dos protocolos mais robustos a nível mundial. Quando o paciente tem qualquer trauma cerebral que leve a um dano, uma morte cerebral, esse paciente é avaliado por dois médicos diferentes, e aconselha-se que um deles seja um neurologista. Isso tudo é corroborado com diversos exames laboratoriais e de imagem. Após análise de tudo isso, é feito o diagnóstico de morte encefálica, e uma vez dado esse diagnóstico, é constatado o óbito do paciente.

Acorda Cidade – A OPO atende só ao Clériston Andrade ou também outros hospitais?

André Guimarães – A OPO atende o Clériston e orienta a todos os outros hospitais. Por exemplo, dentro do Hospital da Criança tem um Cihdott, que faz esse protocolo e manda pra que a gente possa verificar para ver se está tudo conforme o protocolo, pra que não haja no seguimento desse sistema.

Acorda Cidade – Quais são os órgãos que podem ser doados?

André Guimarães – Diversos órgãos, como córneas, pulmão, coração, fígado, rim, pâncreas, intestino. São os órgãos que podem ser captados e doados.

Acorda Cidade – Quantas doações são feitas por ano em nossa cidade?

André Guimarães – Infelizmente, não só em Feira de Santana, mas em todo o Brasil temos números ruins. Nós temos hoje, só no estado da Bahia, quase 1.700 pessoas na fila de transplante. Dessas, a grande maioria é de pacientes que estão à espera de córneas e rim. Em Feira de Santana, no primeiro semestre desse ano foram seis doações, e no segundo semestre estamos caminhando para quatro doações. Nesse período, já fechamos mais de 30 protocolos de morte encefálica. Foram mais de 30 diagnósticos e apenas seis captações. Tivemos uma alta taxa de negativa familiar, e esse é um dos nossos principais problemas. O aceite para a doação é um familiar de primeiro grau e, por diversos motivos, esse não do familiar ainda é alto. Hoje é o Dia Nacional da Doação e Captação para sensibilizar as pessoas sobre a importância da doação, porque não é fácil estar do outro lado da mesa aguardando um órgão em filas intermináveis.

Acorda Cidade – Por que o número de doações é tão baixo?

André Guimarães – São vários fatores, desde situações religiosas, pois algumas pessoas esperam que mesmo após o diagnóstico possa acontecer um milagre ou algo desse tipo, e a falta de informação. É muito difícil para um familiar que perdeu um ente dar um sim.

Acorda Cidade – O que é necessário para ser um doador de órgãos?

André Guimarães – Uma vez dado o diagnóstico de morte encefálica, temos que olhar a idade, pois pacientes com idade avançada têm contraindicação e aqueles com processos infecciosos, além de outras doenças. Afastando-se essas causas de contraindicação médica, todos os outros pacientes podem fazer doação.

Acorda Cidade – O que é a morte encefálica? Só é possível doar após esse tipo de morte?

André Guimarães – O nosso corpo é composto de diversos órgãos, dentre eles o cérebro. E toda vez que existe uma morte do cérebro, isso não é mais compatível com a vida, e os outros órgãos em pouco tempo começarão a entrar em disfunção. Mas, até esse momento, eles ainda funcionam através de aparelhos e medicações. Normalmente, após 72 horas, eles começam a entrar em disfunção porque o cérebro deixa de emitir diversos fatores para que eles possam trabalhar de maneira adequada e acontece a falência dos outros órgãos.

Acorda Cidade – Quando a doação acontece, qual o passo-a-passo para o paciente que precisa receber o órgão?

André Guimarães – Após a comunicação da família sobre o óbito, uma equipe composta por pessoas da OPO, do Serviço Social, que conversam com a família e explicam a possibilidade quando não existe a contraindicação. Havendo o aceite, alguns documentos são assinados para que isso possa acontecer. Durante o trâmite de morte encefálica, a gente faz alguns estudos genéticos para saber que pessoas são compatíveis com aquele indivíduo. Existe uma fila rigorosa a nível estadual e nacional, e esses órgãos são distribuídos, cada um com as suas especificidades. Uma vez retirado, cada órgão tem um tempo, ou seja, entre a sua retirada e o seu implante em outro paciente. Por exemplo, o coração tem até quatro horas para ser implantado; o rim pode ficar um tempo maior de até 12 horas.

Acorda Cidade – Feira de Santana faz o procedimento de retirada dos órgãos?

André Guimarães – Qualquer hospital pode fazer a captação de órgãos. Existe uma equipe específica, chamada de equipe captadora. O estado manda a equipe treinada para retirar os órgãos de maneira adequada, acondicioná-los e enviar para os pacientes que são compatíveis, obedecendo a esse tempo de isquemia dos órgãos.

Acorda Cidade – Feira de Santana está bem no transplante de rins?

André Guimarães – Está. É um orgulho pra nossa cidade o serviço de transplante renal em Feira de Santana. No primeiro semestre de 2018, o Hospital Dom Pedro foi o hospital que mais transplantou rim no estado da Bahia, ficando à frente de grandes serviços em Salvador. Sem contar que esse serviço lá tem números maiores por fazer transplantes pediátricos e aqui em Feira fazemos só de adulto.

Acorda Cidade – A Santa Casa vai credenciar para transplante de córnea?

André Guimarães – Estamos na fase de análise, e acredito que até o final do ano a gente consiga o credenciamento pra transplante de córnea e coração.

Acorda Cidade – Existe muita rejeição em casos de transplante de órgãos?

André Guimarães – Cada órgão tem sua especificidade com relação à rejeição, mas as medicações que são usadas para fazer a imunossupressão diminuíram muito a questão da rejeição em casos de transplante, então houve uma boa melhoria.

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