Saúde

Infectologista explica como acontece contágio pelo coronavírus e quais as medidas de prevenção

A epidemia tem deixado o planeta em estado de alerta e as pessoas em busca de informações sobre como se proteger.

Orisa Gomes

O novo coronavírus, que teve início na China, onde já matou 213 pessoas, chegou a 19 países e infectou  9.720 pessoas em todo o mundo, segundo os últimos dados da Organização Mundial de Saúde. A epidemia tem deixado o planeta em estado de alerta e as pessoas em busca de informações sobre como se proteger. Para tentar esclarecer as principais questões a respeito do assunto, o Acorda Cidade ouviu a médica infectologista Normeide Pedreira. Nesta ampla entrevista ela explica, dentre outras questões, as características da doença causada pelo vírus, meios de contaminação, prevenção e quais públicos estão mais suscetíveis. Leia na íntegra.

Acorda Cidade – O que é novo coronavírus?

Normeide Pedreira – O coronavírus já é antigo, não é de agora. Ele causa doença respiratória e intestinal em animais e humanos há muito tempo. Entretanto, parece ter havido uma mutação e isso está sendo bem estudado, transformando este em um novo corona vírus. O novo refere-se ao potencial de gravidade de doença que esse vírus está manifestando, diferente do coronavírus habitual. Nós já tivemos outras epidemias por coronavírus. Tivemos síndrome respiratória aguda grave em 2002 pelo coronavírus, que começou na China também. Tivemos o do Oriente Médio em 2012, então o coronavírus não é novidade, assim como não é novidade ele causar doença e nem doença grave. O que acontece é que esse coronavírus que está agora se espalhando tão rapidamente é que tem alguma coisa diferente, ele provavelmente sofreu mutações e está sendo bastante estudado. Inclusive, os chineses conseguiram isolar muito rapidamente, mapear o vírus.

AC – O que é isolar na linguagem médica?

NP – Pegar uma secreção que pode ser um catarro ou qualquer líquido do corpo e encontrar o vírus, identificar e dizer qual é o vírus, dar o nome a aquele vírus ou aquela bactéria. Os chineses já identificaram que esse coronavírus é diferente do outro.

AC – O que é a mutação do vírus?

NP – A mutação é uma mudança na parte genética do vírus, que faz ele ficar mais fraco ou mais forte, geralmente fazendo ficar mais forte. Essas mudanças ocorrem de várias formas ou vários motivos e isso não é somente com o coronavírus. Por exemplo, o vírus influenza sofre mutações todo ano, por isso que a vacina é diferente todo ano, porque o vírus a cada ano ele vai se modificando. Felizmente, não são todos os vírus que vivem mudando tanto, porque senão seria muito difícil controlar as doenças. Para a influenza nós temos a vacina, mas para o coronavírus não temos e para outros tantos vírus que não também não.

AC – A forma de transmissão do coronavírus é a mesma da gripe comum?

NP – É bem semelhante. A forma de transmissão é pelo ar, pela respiração. Se você estiver em um ambiente onde tem um doente com coronavírus, esse doente tossir ou espirrar, ele vai espalhar o vírus pelo ar e há uma grande chance de todos que estão naquele ambiente ou pelo menos alguns adquirirem o vírus, porque cão respirar um ar que está contaminado. Outra forma é através de objetos. A pessoa que está infectada pelo vírus espirra ou tosse na mão, no braço ou em um lenço e depois, com essas mãos contaminadas, vai pegar na maçaneta da porta, no celular, na caneta, e vários objetos e esses objetos também podem transmitir se estiverem contaminados, porque quem pegar neles pode passar a mão nos olhos, no nariz ou na boca, entregando esse vírus para o corpo. Outra forma é compartilhamento de talheres, copos, garrafas e pratos. Os utensílios também devem ser isolados, devem ser separados para aquele doente.

AC – Então é por isso a preocupação mundial, porque se espalha rapidamente?

NP – Sim. Todas as doenças respiratórias se espalham muito rapidamente e nós temos um agravante, é que nos países onde os casos estão ocorrendo é inverno. No inverno, as pessoas tendem a se aglomerar mais, a ficar mais em ambientes fechados. Quanto mais fechado e mais pessoas próximas umas das outras, maior o risco de transmissão do vírus por vias respiratórias.

AC – Com o mapeamento do novo coronavírus é possível criar vacina?

NP – Sim, já é um bom caminho para se chegar a uma vacina. O que ocorre é que para se conseguir vacinas e vacinas adequadas para proteger a população, é um processo bastante demorado. Quando ocorrem epidemias ou endemias de doenças que se tem uma vacina muito promissora, às vezes se consegue até acelerar um pouco esse processo, mas, de qualquer forma, é um processo demorado. Para se ter uma ideia, uma vacina para chegar para o púbico leva em torno de 10 anos de pesquisa. Numa situação como essa, é possível que leve menos tempo. Uma das dificuldades que se tem é mapear o genoma do organismo, conhecer aquele vírus, aquela bactéria e isso é uma coisa que a gente já tem. Então, vai agora ter que descobrir qual é a parte do vírus que é mais importante para fazer a vacina e vai ter que ver como vai conseguir fazer essa vacina para induzir proteção. A vacina vai sendo testada em números diferentes de pessoas, de acordo com a etapa de produção. É um processo complexo, caro e demorado. Produzir uma vacina não é da noite pro dia, mas quanto mais cedo se começa, mais cedo se termina.

AC – Quais são os principais sintomas? Tem um equipamento que identifica se a pessoa tem o coronavírus ou não, não é?

NP – Aquele aparelho é um termômetro de infravermelho para identificar se o indivíduo está com febre, porque se tiver febre é uma suspeita que ele possa estar com alguma doença, inclusive com o coronavírus.

AC – É valida a preocupação em realizar o carnaval, pela proliferação desse vírus?

NP – Nós não temos casos confirmados no Brasil. Não parece haver, no momento, uma preocupação em ter que suspender o Carnaval. As medidas da vigilância epidemiologia e da vigilância sanitária que estão sendo tomadas para tentar evitar que o vírus entre e chegue ao Brasil, tentar evitar que pessoas doentes se misturem com a população, são medidas importantes. Então, para o momento, não parece haver uma indicação, uma necessidade de suspender o carnaval. Lembrar que cada pessoa deve se proteger e pensar na sua proteção individual, não pensar somente na proteção coletiva, porque se cada um fizer a sua parte, também estaremos nos protegendo e protegendo os outros. Evitar contato com doentes, ter uma boa higiene, lavar as mãos com frequência após tocar objetos, ter sempre um álcool em gel na bolsa. Lavar as mãos bem lavadas, com duração de pelo menos 20 segundos, assim como o álcool em gel. Só lavar com água não é suficiente, é necessário que lave com sabão. Se fizermos isso e evitarmos passar a mão em boca, olhos ou nariz, já estamos em meio caminho andado para prevenção, sem esquecer de não compartilhar objetos que podem se contaminar com saliva como pratos, garrafas e talheres.

AC – Como podemos detectar essa doença? Existe algum enxame?

NP – Para detectar a doença são pelos sintomas clínicos, que são sintomas semelhantes aos da gripe mesmo. Tosse, dor de garganta, febre, dores no corpo. Algumas pessoas que tem coronavírus podem ter diarréia, porque o vírus pode levar a alterações intestinais, mas de modo geral é doença respiratória. Esse novo coronavírus o diferencial dele é que rapidamente evolui para insuficiência respiratória. É uma falta de ar importante que vai piorando. O diferencial dele é a gravidade e o risco de complicação e morte. A pessoa começa com sinais de gripe, pode evoluir para pneumonia e para insuficiência respiratória e chegar à morte. Mas é todo doente que vai morrer? Não. Têm pessoas com infecções pelo coronavírus que podem não ter sintomas ou ter sintomas leves. O novo coronavírus não é ainda tão conhecido a ponto de detalhar muita coisa, é um vírus que está se apresentando e esse conhecimento pode demorar um pouco mais. Clinicamente, é isso. A detecção a nível de laboratório é um material de nasofaringe, um catarro mesmo lá atrás de colhe no nariz com um equipamento estilo cotonete gigante que se passa pelo nariz e colhe uma secreção bem lá dentro. Essa secreção passa por um exame para ver se o vírus está ali. Esse não é um exame disponível para a população geral. Alguns países já têm, outros não e que vai chegar em todos os lugares, se essa epidemia continuar.

AC – Os produtos que vêm da China podem estar contaminados por serem manuseados?

NP – Esses produtos, na sua maioria, vêm de navio. Levam um mês, dois meses ou até mais para chegarem ao Brasil. Não é um tempo suficiente para a sobrevivência do vírus nesses materiais pelo conhecimento que se tem. Esse novo coronavírus é preciso que se descubra e informe ainda a sobrevivência em objetos. Por quanto tempo, em que condições de ambiente, porque cada microrganismo vai sobreviver a uma determinada temperatura, condições ideais para ele. Esses produtos demoram tanto tempo pra chegar que não se espera que estejam contaminado.

AC – É necessário que mude a alimentação para fortalecer o sistema imunológico?

NP – Em relação a melhorar a alimentação, isso não é algo que deve ser feito só por conta do coronavírus. Mudar estilo de vida tem sido comprovado que salva a vida de todo mundo em relação a ter uma alimentação saudável e a praticar exercício, isso sempre para evitar a grande maioria das doenças. Quem não mudou estilo de vida, muda não por conta do coronavírus e não desiste de manter um estilo de vida saudável porque a epidemia acabou. A gente tem que manter estilo de vida saudável a vida toda. Ter uma boa alimentação, hidratação, diminuir nível de estresse, ter uma carga horária de sono adequada, tudo isso aumenta a defesa do individuo sem duvida.

AC – A mascara protege de fato de uma contaminação?

NP – A mascara protege sim, mas tem que se saber usar. Não pode usar a mascara, depois colocar no bolso, na bolsa e mais tarde usar novamente. É uma mascara descartável. A mascara cirúrgica, que é a mascara comum, ela protege e tem uma outra que é usada pela equipe de saúde em pacientes com maior risco de contaminação ou em situações até para outras pessoas que têm o risco mais alto. A população em geral nas ruas é a mascara cirúrgica mesmo.

AC – Pessoas com asma têm maior propensão a pegar o vírus?

NP – De modo geral, os doentes crônicos têm um risco maior de complicações de doenças infecciosas, virais e bacterianas. A asma é uma doença respiratória e crônica que tem leve, moderada e grave. A asma que mais apresenta risco de complicações é a grave e a moderada, a leve complica menos. Esses doentes de asma têm um risco de complicar que é maior de que outras pessoas sem asma. Doentes crônicos de modo geral, doentes de coração, diabéticos e outros, eles têm um risco maior de complicar as doenças, inclusive o coronavírus. Os idosos também. A mortalidade dos idosos por vírus é superior a mortalidade dos adultos.

AC – O coronavírus está associado à ingestão de animais por chineses como cobras, morcegos?

NP – Esse vírus está presente em alguns animais. Infecta animais, infecta humanos e essa epidemia atual acredita-se ter começado em um mercado que comercializa animais vivos, vários tipos de animais para consumo humano. O cozimento desses animais é algo que pode evitar a doença, mas é um novo vírus e é preciso que se saiba um pouco mais, qual a temperatura que inativa esse vírus para ver se o cozimento pode destruir o vírus ou não. Mas acredita-se que tenha vindo desse mercado de animais vivos para comercialização de alimento humano.

AC – A ingestão de chá de erva-doce pode evitar o contágio com o vírus?

NP – Na verdade, há muitas plantas que já têm evidencias cientificas de que tratam algumas doenças. Entretanto, não há essa ligação entre o chá de erva-doce e a prevenção de doenças infecciosas e, até se houvesse, não seria o chá. Existe uma diferença entre fitomedicamento e aquele medicamento de planta que você faz em casa. O fitomedicamento tem uma quantidade da planta que já foi testada e que já foi aprovada para tratar uma doença. Aquele xarope caseirovocê não tem essa dosagem de substância capaz de tratar nem de prevenir doenças.

AC – O tratamento está definido?

NP – Não há um tratamento específico contra o vírus. Por exemplo, para o vírus influenza tem um remédio, tem tratamento especifico. Para esse vírus não há. São medidas gerais para melhorar o estado geral do paciente. São medidas que a gente chama de suporte, manter o paciente hidratado, oxigenado e cada paciente, de acordo com gravidade, vai precisar de medidas diferentes, mas o suporte de oxigênio é o mais importante para esse paciente que desenvolver a falta de respiração.

AC – O fato de os exames não serem disponíveis para todos, inclusive no Brasil, e a falta de estrutura hospitalar devem nos preocupar?

NP – Em relação ao exame, nós não temos para a população geral, mas certamente os casos suspeitos e que estão sob investigação têm acesso ao exame. O Ministério da Saúde toma essas providências. Se eu tiver com sinais de resfriado ou gripe e eu quiser fazer o exame, não está disponível comercialmente. Chegou no hospital e está suspeito, o paciente tem que deslocar para uma unidade que tenha recurso para investigar e as autoridades nacionais vão tomar conta do caso. Em relação a estrutura hospitalar, temos excelentes hospitais, mas eles estão concentrados nas cidades maiores, e excelentes profissionais que precisam ser capacitados para enfrentar essas epidemias e os hospitais também precisam ser aparelhados para isso. Se o paciente precisa de suporte ventilatório, de oxigênio oferecido por máquina, tem que ter essas máquinas, mas nem todos têm, apenas os de complexidade maior.

AC – Qual é o publico alvo que está sendo mais atingido?

NP – Crianças não fazem parte do maior número atualmente, crianças e adolescentes não têm adoecido como adultos. Os adultos é que estão sendo o publico. Os que estão mais acometidos são adultos e idosos. Lembrar que idoso tem um risco muito maior de complicações.

Colaborou a estagiária Maylla Nunes
 

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