Daniela Cardoso
Seca no Nordeste brasileiro não é novidade, mas no sudeste, sim. A escassez de chuva nesta região tem colocado o país em estado de alerta. Para nos ajudar a entender melhor o que está acontecendo, o Acorda Cidade convidou para a Sala do Povo os gerentes regional e local da Embasa, Raimundo Neto e Neydson Eloy, respectivamente, e o consultor elétrico, Plínio Pereira. Eles falaram como está a situação do estado da Bahia em relação ao abastecimento de água e energia. Confira a entrevista na íntegra.
Como pode ser avaliada a crise da água?
Raimundo Neto – Esse é um momento de muita reflexão para o Brasil, pois o fenômeno da seca é constante no nordeste. A novidade desse ano é que está acontecendo com uma região, que, costumeiramente, não tem esse problema. É um problema de recursos hídricos, mas que tem que ser enfrentado a partir do planejamento de obras estruturantes e de investimentos do poder público. A gente nota que isso não tem acontecido no Estado de São Paulo, diferente do que notamos na Bahia, onde a gente tem esse ano uma condição até melhor do que no passado em relação aos mananciais. Mas a seca no estado da Bahia já afetou de forma muito intensa, principalmente nos anos de 2012, 2013 e 2014, quando tivemos a maior seca dos últimos 14 anos. A Embasa procurou enfrentar, pois a gente não pode eliminar um fenômeno que é climático. A Embasa fez várias ações durante esse período de seca e hoje estamos em condições mais seguras.
O abastecimento humano da água é apenas uma pequena parte de todo o uso. Se a gente fizer um valor arredondado de quanto se consume de água para diferentes fins, temos aproximadamente 70% da água disponibilizada para agricultura, 20% para a indústria e aproximadamente 10% para o abastecimento humano. Todos sofrem com a seca. A gente observa que embora os comitês de bacias existam, eles não têm sido eficazes nessa discussão dos usos da água, da preocupação, das situações de crise e planos de contingências. Aqui no estado da Bahia, no ano de 2012 tivemos mananciais que chegaram a beira do colapso, mas desde uma intervenção feita pela Embasa, a população é atendida pela Barra de Pedras Altas, no município de Capim Grosso, que está com aproximadamente 80% da sua capacidade.
Como estão nossas reservas de água?
Neydson Eloy – A situação na Bahia, por causa do planejamento, dos investimentos e de uma situação climática mais favorável do que São Paulo, é bastante tranquila. Das 19 principais barragens do estado, 16 delas estão com a capacidade acima de 70%, como é caso da barragem da Pedra do cavalo. O único município, dos 364 que a gente opera, que está com racionamento de água é Caitité. Mesmo assim, nesse município, os mananciais ainda têm capacidade para abastecer por cerca de um ano sem chuvas. A situação é crítica, mas por causa dos investimentos, conseguimos tranquilizar.
E a situação da energia na Bahia, qual é?
Plínio Pereira – A transmissão da eletricidade tem a mesma ideia técnica da transmissão de água. Só que a água para iniciar a captação, depende principalmente da energia elétrica, porque os motores da captação dependem da energia e por isso a possibilidade de ter um problema no sistema hidráulico, que também é um sistema que gera energia elétrica. Esse impacto que vai causar pode trazer problemas, inclusive para o fornecimento de água, que depende primordialmente de energia elétrica. Na Bahia nós temos a barragem de pedra, que já está com o funcionamento um tanto comprometido, tem a Usina de Funil, a Usina de Itapebi, Pedra do Cavalo, que até poucos dias estava sem gerar um megawatts se quer, pois o reservatório, apesar de atender a demanda para pessoas, não corresponde a necessidade para geração de energia, que precisa de um volume maior.
Então podemos ter problema com a energia também?
Plínio pereira – Sem dúvida. A própria Embasa no fornecimento de água está tendo problemas nos horários de pico. Nesse horário se demanda a maior carga de energia e todos sofrem. As pessoas sofrem, pois ocorre a variação da tensão, falta de energia e prejudica todo mundo. O Brasil passa por um momento difícil na área de energia, inclusive a organização nacional de energia já prevê a possibilidade não somente de racionalização, como também de racionamento. Racionalização é dimensionar o que vai ser utilizado durante o mês. Racionar é ficar um período sem o serviço, como vai ocorrer em São Paulo.
Embasa – A gente já tem sentido o efeito de algumas interrupções de energia elétrica no sistema da unidade regional. Um dos nossos principais sistemas, que é o integrado de Santo Estevão, tem parado no momento de pico de consumo, entre as 18h e as 21h. Com as interrupções de energia, a concessionária não consegue fornecer água. Com muitas pessoas usando a energia, o fornecimento é interrompido algumas vezes, pois não existe a capacidade de manter o sistema operando. Com isso o sistema da Embasa entra e sai. Para resolver, a gente teve que entrar com um gerador para manter o abastecimento 24hs. Existe uma correlação direta, sem água não gera energia e sem energia a gente não consegue operar nossos sistemas de água. Embora os mananciais estejam em uma situação segura para o abastecimento humano, a gente sofre os efeitos.
Fabricas terão que fazer investimentos para garantir as necessidades de água no Sudeste do país. Aqui em Feira de Santana isso pode acontecer também?
Neydson Eloy – A gente sempre chama atenção das indústrias locais para a questão da reservação. Muitas, além da reservação para utilização em sumo daquele processo industrial, ela deve ter a reservação de incêndio. Boa parte delas não tem essa capacidade de armazenamento, então qualquer problema operacional pode gerar dificuldades. Por isso é importante sempre ter pelo menos a reservação suficiente para um dia de consumo. Outro aspecto interessante que algumas das empresas daqui de Feira já fazem, é a captação da água de chuva. Essa água é aproveitada para usos menos nobres, como regar o jardim. Isso, com certeza contribui para a questão do impacto ambiental e ajuda todo mundo.
Porque as energias eólica e solar não são mais utilizadas?
Plínio Pereira – No Brasil temos várias fontes alternativas de geração de energia. Eólica é uma delas. Só que nós temos muitas usinas já montadas e em montagem e não temos linhas de transmissão.
Embasa – Hoje se pode investir em placas solares nas residências para a geração de energia solar. São caras, pois as placas são importadas. A gente não tem produção aqui no país que supra a necessidade desse mercado, que é bastante promissor. Hoje é possível ter o retorno financeiro, a depender do projeto, em torno de 5 a 7 anos. A Bahia é o estado que possui mais insolação. A região de Senhor do Bonfim, no Brasil, é uma das melhores para captação de energia solar, mas é preciso ter um investimento nessa área.
É possível fazer a dessalinização da água salgada para que ela seja mais uma alternativa?
Embasa – A Embasa opera um sistema de dessalinizador. Temos dois sistemas perto de Jacobina. É um sistema que tem um custo de operacionalização muito alto e a Embasa tem operado quando não tem outra fonte de abastecimento. Alguns países do mundo já utilizam esse método por não existir outra fonte. Mas existe um problema, a água entra salobra, sai menos salobra e também o rejeito, que é uma água mais carregada de sal. O que é que vai fazer com esse rejeito? Temos que decidir, pois não podemos jogar no meio ambiente, já que causaria a desertificação do solo. Precisamos da solução.
Qual a solução para acabar com o vazamento de água e consequentemente com o desperdício? E o que as pessoas podem fazer para economizar água?
Embasa – Quando falamos em perdas, existe um percentual de água que foi consumido. A gente chama de perda aparente, que não foi computada pelas concessionárias por defeitos nos medidores ou por irregularidades comerciais, mas essa água chegou a sua finalidade, que é abastecer determinada parte da população. Já o desperdício, é aquela água que vai para o ralo e não é utilizada. Cerca de 20% a 25% da água produzida aqui em Feira de Santana é perdida no sistema através desses problemas. Para resolver, nós fazemos a substituição de algumas tubulações, melhoramos o cadastro comercial e diminuímos a pressão em alguns pontos. Este ano estamos com um programa dos ministérios da cidade, onde técnicos vão vir para trabalhar na cooperação técnica e consultoria, o que vai nos dar um ganho de conhecimento muito bom. Isso tudo vai melhorar esses níveis de perdas. A questão do consumo das pessoas, elas devem vistoriar as instalações internas, fechar a torneira enquanto escova os dentes, enquanto se ensaboam no banho. Isso é uma questão de consciência de cada um.
Como está a disponibilidade de água no Brasil?
Raimundo Neto – Ainda temos no nosso país muita disponibilidade hídrica, mas a água no Brasil é muito mal distribuída. Cerca de 8% a 10 % da água doce disponível no mundo está no Brasil, mas cerca de 80% dela está na região amazônica. A gente tem que ter cuidado. O estado da Bahia é grande, é abundante, tem rios grandes, mas vai chegar o momento que vai precisar, quem sabe, pegar água do Rio Tocantins. Não podemos ficar na acomodação.
Tem como resolver o problema de São Paulo ?
Plínio Pereira – Já existe problemas na área de energia em São Paulo, pois na hora do pico tem faltado energia em várias cidades do estado. Isso deve continuar e até aumentar, pois no momento do pico o consumo é altíssimo e se não criar uma cultura de racionalização nas pessoas, dificilmente vão acabar os problemas.