Laiane Cruz
Será realizada na noite desta terça-feira (15), às 18h, no auditório da Universidade Estadual de Feira de Santana, uma palestra sobre Mobilidade Urbana. O evento, promovido pelo curso de Engenharia da universidade, contará com a presença da arquiteta e urbanista Maria de Fátima Silva, que irá apresentar um Parecer Técnico assinado por ela e mais quatro especialistas na área de transporte. Os interessados em receber certificado poderão realizar a inscrição ao custo de R$ 10. Já as pessoas da comunidade que desejarem apenas participar da discussão terá acesso gratuito.
Em entrevista no Acorda Cidade, a profissional esclareceu melhor sobre os pontos que serão discutidos durante a palestra, a respeito do BRT apresentado pelo poder público municipal.
Acorda Cidade – Qual a motivação da senhora e dos outros especialistas em elaborar o parecer técnico?
Maria de Fátima – Eu sou especialista na área de transporte urbano. Nós recebemos todo o material do projeto, fizemos uma análise e visitamos a cidade para constatar fisicamente todos os problemas que nós vimos nos relatórios. Realmente o projeto tem uma série de falhas técnicas.
Acorda Cidade – Quais foram os erros encontrados no projeto do BRT?
Maria de Fátima – Em primeiro lugar, o BRT é um projeto integrado e que visa dar um transporte de massa. Quando se fala em BRT, se fala em corredores de grandes extensões, o BRT de Feira de Santana foi projetado um com 2,5 km e outro com 4,5 km. Ele só tem sentido se você fizer numa extensão grande. Goiânia tem 27 km, Lima (Peru) tem 37 km, Recife 18 km, ou seja, só tem sentido se você conseguir dar distância, pois ele tem que ser um patamar antes de um metrô.
Quando o município não tem condição de implantar um metrô, ele implanta um BRT para que no futuro possa ser implantado um metrô ou para que aquela demanda seja transportada em um limite de 50 mil passageiros por hora sentido. No caso de Feira de Santana, a demanda do corredor é muito aquém disso. No caso da João Durval e da Getúlio Vargas a população vem de bem mais longe, então você traz integrando a população de distâncias longas, que vai descer no terminal para ser inserida no BRT, que vai rodar 15 a 20 minutos. Se você colocasse um ônibus sem nenhum tratamento, ele faria esse percurso em 17 minutos, então não justifica essa obra por causa de 2 ou 3 minutos, porque a distância é muito pequena. Normalmente quando você tem um BRT, você precisa ter ao lado dele um tráfego muito intenso.
Quando existe um congestionamento de fato, como o BRT tem uma pista exclusiva e tem uma prioridade faz com que de alguma forma os usuários também que não são de transporte público passem a usá-lo. Mas quando não tem engarrafamento como é o caso daqui jamais a pessoa do transporte privado vai trocá-lo por um sistema de transporte público. E toda essa obra da Getúlio Vargas é para apenas seis ônibus.
Também há uma forma ruim do desenho em si, não só do ponto de vista funcional, ele tem muitas falhas. Por exemplo, eles projetaram estações fechadas e para isso eles fizeram uma única estação, como o canteiro é largo, ela fica no centro da via, e eles colocaram pistas dentro do próprio canteiro para o ônibus acessar pelos dois lados da estação. Isso acarreta na retirada de árvores para passar a pista de ônibus, cujo volume de veículos é pequeno.
A população de Feira de Santana se desloca de norte a sul. No entanto, o nosso corredor principal, que é a Getúlio Vargas, se desloca de leste a oeste, começando numa área menos adensada e com menos demanda de viagem. Na João Durval tem uma diretriz que pode ser interessante, mas não teve continuidade, só chega até a Getúlio Vargas. Então é um micro corredor do BRT que tem ali. Não existe corredor de BRT de meia via, é a primeira vez que eu vejo um projeto desse tipo.
Acorda Cidade – A senhora esteve aqui em Feira de Santana durante três dias. Como a senhora pôde avaliar o transporte nesse período?
Maria de Fátima – Antes de vir a Feira de Santana, eu recebi todos os documentos, analisei todos os projetos, a pesquisa de origem e destino que foi feita, o projeto de paisagismo, funcional, operacional, físicos. Os recebi com um mês de antecedência. Vim a Feira de Santana porque gosto de ver o que eu estou analisando em campo o que eu tinha visto nos papéis.
Fui aos terminais de manhã cedo, andei nos ônibus nos trechos, fui no pico da manhã e da tarde, quando eu voltei ainda levei mais cinco ou seis dias para terminar o meu relatório, porque fechei o meu raciocínio. E em nenhum momento existiu uma contestação desses itens. Todas as minhas conclusões estão sobre o projeto.
Acorda Cidade – Qual seria a proposta ideal para o BRT?
Maria de Fátima – O BRT é um corredor exclusivo com prioridade para o transporte, que em teoria pode-se usar ônibus com maior capacidade ou até comuns. Quanto maior a demanda, mas você precisa aumentar a quantidade de ônibus e melhorar a infraestrutura. No caso de Feira de Santana, com menos de dois mil passageiros por hora/sentido, o mais acertado seria um corredor porta esquerda, e não precisaria ser um ônibus articulado, porque não tem volume.
Então seria um ônibus padrão, porta esquerda, do lado esquerdo, com as plataformas usando a calçada, ao invés de usar dentro do canteiro. Isso permitiria manter a prioridade do sistema de transporte, ter uma maior frequência e já deixaria tudo preparado para um futuro que tivesse muita demanda transferir para uma estação fechada com a que eles estão colocando. Seria um projeto mais limpo, utilizaria bem o viário e ao mesmo tempo não causaria nenhum transtorno do ponto de vista ambiental e paisagístico da Avenida Getúlio.
Acorda Cidade – Então na avaliação da senhora o BRT não resolveria o nosso problema?
Maria de Fátima – Na realidade, não vai resolver o problema porque aonde ele vai ser inserido não é a maior demanda da cidade, que está na continuação da BR, na João Durval, em alguns trechos da perimetral, mas jamais na Getúlio Vargas. Para que você pudesse melhorar o transporte teria que fazer um sistema integrado e priorizar mais vias, que não foram priorizadas neste momento.
Acorda Cidade – E quanto às trincheiras?
Maria de Fátima – Eu acredito que elas façam parte de outro projeto e que se juntaram no mesmo pacote físico. O projeto PAC, que é parte do projeto de mobilidade urbana do país, diria que você primeiro tem que priorizar transporte público, ciclista, pedestre, o oposto do projeto que está aqui.