Integrante do Coletivo de Mulheres, Ideojane Conceição
Entrevista
Delegada diz que impunidade contribui para violência contra a mulher
Este ano, três assassinatos com características passionais foram registrados contra mulheres em Feira de Santana. A delegada Dorean dos Reis e a integrante do Coletivo de Mulheres, Ideojane Conceição debateram o assunto.
Acorda Cidade
A delegada titular da Delegacia de Homicídios (DH) de Feira de Santana, Dorean dos Reis Soares, e a integrante do Coletivo de Mulheres, Ideojane Conceição, participaram na manhã desta quinta-feira (16) do programa Acorda Cidade, onde debateram a violência contra a mulher, que nos últimos meses tem sido recorrente na cidade.
Este ano, três assassinatos com características passionais foram registrados contra mulheres em Feira de Santana. No dia 29 de janeiro uma adolescente, Iara Lima Alves, 17 anos, foi espancada, queimada e foi baleada. Ela foi socorrida para o hospital e morreu 18 dias após a agressão. O principal suspeito, apontado pela polícia, é o ex-companheiro da jovem, João Kleber Santos Leal, conhecido como Binho Gogó.
No dia 24 de abril, a enfermeira do Samu, Aline Malane Castelo Sampaio, 25 anos, foi assassinada a tiros. O principal suspeito, seu ex-namorado, Márcio Américo de Oliveira Santos, foi encontrado morto no dia seguinte. A suspeita é de suicídio.
O caso mais recente foi o da jovem, Danúbia Alvim da Silva Lopes, 29 anos, que foi encontrada morta em um dos quartos da casa do ex-marido, Nilson Oliveira da Silva. Ele se apresentou à polícia na manhã de quarta-feira (15), onde prestou depoimento e depois seguiu para o conjunto penal.
Acorda Cidade – Como o movimento Coletivo Mulheres está avaliando os últimos casos de violência contra a mulher nos últimos meses, em Feira de Santana?
Ideojane – O Coletivo de Mulheres, movimento que atua na cidade, tem avaliado que um dos grandes problemas que tem motivado esses crimes no nosso município pode ser a impunidade. Mesmo com a Lei Maria da Penha, os homens acham que não é o suficiente.
Delegada Dorean – Não só homicídios contra as mulheres. O código penal tem que mudar, pois está totalmente ultrapassado. Em minha opinião, quem mata tem que ser preso, independente se livrou o flagrante ou não. Ele tem que cumprir pena, tem que responder o processo em regime fechado, havendo uma progressão se houver atenuante. Essa é uma concepção minha. Hoje banalizaram a vida. Mata-se por nada e acredito que o grande problema é essa sensação de impunidade.
AC – Os crimes contra Aline e Danúbia foram semelhantes. Eles foram programados?
Delegada Dorean – Os dois inquéritos estão comigo. No caso de Aline, houve uma premeditação dele, que pediu a uma irmã que ligasse para ela e marcou um encontro. Eles estavam brigados. Era uma relação desgastada que as famílias discordavam, depois de muitos anos de brigas e ciúmes. Então tem várias conotações e ele realmente programou tudo. Depois ele fugiu e há um indício de que se suicidou. No caso de Danúbia, novamente achamos que houve uma premeditação. Eles estavam em fase de separação e de reconciliação. Familiares também não queriam o retorno do relacionamento pelo próprio desgaste da relação. Infelizmente, Danúbia veio para a casa dele e ocorreu o crime. Existem vários pontos que batem de um caso para outro.
AC- Por que o crime está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios e não pela Delegacia da Mulher?
Ideojane – Essa é uma crítica que fazemos ao sistema prisional e de justiça no Brasil. Esses casos deveriam ser tratados como feminicídio, onde as mulheres morreram, porque são mulheres e, no entanto, ele é investigado na delegacia de homicídios, então isso não fortalece os dados da violência contra a mulher.
Delegada Dorean – A questão de o homicídio ser investigado pela DH é porque ela é especializada nesse tipo de crime e nós não fazemos diferença se é homem ou mulher. Hoje a delegacia da mulher só apura a questão da Lei Maria da Penha, e isso já desafogou bastante a demanda.
AC – Porque em alguns casos de agressão há uma demora de meses entre a queixa e a audiência?
Delegada Dorean – Essa falta de estrutura da Delegacia da Mulher é um problema antigo. São poucos funcionários, poucos agentes, poucos escrivães para atender a grande demanda.
AC – No caso da morte de Danúbia, qual a pena que o suspeito pode cumprir?
Delegada Dorean – O código penal diz que a pena maior que pode ser cumprida é de 30 anos, mas existe progressão, bom comportamento, e tudo isso. Ele pode pegar seis, 10 anos, quem vai decidir é o júri popular.
AC – Foi decretada a prisão preventiva ou temporária?
Delegada Dorean – O juiz decretou a prisão preventiva, que no código penal existe um prazo de 60 dias. Durante essa prisão vai se instruir o processo. O promotor vai receber o inquérito, vai haver a denúncia e depois vai para o juiz, onde será decidido e ele vai a júri ou não. Nesse tempo, Nilson pode continuar preso, mas o advogado dele pode pedir o relaxamento da prisão preventiva e o juiz pode conceder ou não. Não concedendo, o advogado pode pedir a revogação da prisão preventiva no tribunal.
AC – Porque quando ocorre um crime não é decretada de imediato a prisão preventiva?
Delegada Dorean – Eu peço sempre a prisão temporária. Agora cabe ao promotor opinar favorável ou não e o juiz decretar.
AC – Essa tramitação não é muito demorada?
Delegada Dorean – Demora. Eu acho que nesses casos deveria ser mais rápido. Nós temos que seguir a lei. Pra gente é muito triste ver os familiares questionando porque a pessoa que matou um filho, um irmão, está solto. Mas, infelizmente, a gente não pode atropelar.
AC – Em muitos casos de agressão, a vítima não consegue sentir raiva do parceiro e acaba perdoando. Por quê?
Delegada Dorean – Ela sempre vai achando que ele vai melhorar. Que ele não vai mais agredir, porque o homem bate e depois pede perdão, pede desculpa, dá um presente e na próxima briga volta a bater. Eu acho que o homem que bate em mulher vai ser sempre reincidente, e nós mulheres é que nos enganamos devido a diversos fatores, como família, filhos, fatores econômicos.
Ideojane – As mulheres sempre perdoam, pois elas não reconhecem naquele agressor o homem pela qual ela se apaixonou. Estão quando ele pede desculpas e passa algum período realmente sendo aquele homem que ela se apaixonou, ela acredita e isso o fortalece.
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