O entregador de gás Rafael da Silva Santos, 33 anos, está passando por uma série de dificuldades desde que passou por uma situação inusitada que ocorreu em abril deste ano. Após sofrer um acidente de motocicleta, Rafael foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e levado ao Hospital Geral Clériston Andrade, onde descobriu que estava juridicamente “morto”.
Ele contou ao portal Acorda Cidade que até o momento não conseguiu resolver o problema e que quem ficou sabendo primeiro do que estava ocorrendo foi a esposa dele, Alcione das Virgens. Ela chegou ao hospital para fazer a ficha para interná-lo, e foi informada na recepção que seu marido constava como falecido.
“Quem recebeu a notícia de que eu estava morto foi minha esposa. Ela foi até a recepção para fazer a minha ficha para me internar. Com isso, a recepcionista disse: ‘rapaz, esse Rafael está morto. Você tem certeza de que ele está aqui?’ Aí, minha esposa disse: ‘está, sim, ele está na maca ali’. Aí, ela foi conferir, trouxe o documento do dito cujo que fez uma falsificação, e ela fez outra ficha para que eu pudesse ser internado”, contou.
Mas o problema não parou por aí. Após receber alta, ele tentou movimentar suas contas bancárias e se parou com um bloqueio. Ao comparecer à Receita Federal, constatou que seu CPF constava como de uma pessoa falecida.
“Após a minha alta, depois de 19 dias, eu estava movimentando uma das minhas contas, e algumas bloquearam. Foi aí que eu já suspeitei, já liguei logo. O bloqueio foi ocorrendo automaticamente porque fui dado como morto. Aí fui para a Receita Federal. Quando eu chego a Receita Federal, lá está como titular falecido. Aí foi onde começou a travar coisa por coisa que estavam no meu nome. Qualquer chip que eu tivesse, travava. E bloqueou várias contas e minha vida está parada sem poder fazer nada”.
Após ir à Receita Federal, ele foi ao cartório. Lá constava que a data da morte dele foi 27 de fevereiro de 2024, e que o óbito foi declarado por uma mulher.
“Aí eu fui ao cartório. Chego lá, eles tomaram aquele susto, porque viram a pessoa lá, né, que não está morta. E o titular era eu. Aí eu paguei 200 reais para me fornecerem uns documentos, que, na verdade, me forneciam uma certidão averbada com meu falecimento, que foi dia 27 de fevereiro. Lá me informaram que uma suposta pessoa, que ninguém sabe quem é essa mulher, foi quem lavrou o meu óbito, pare reconhecer o corpo para ser enterrado”, contou Rafael ao Acorda Cidade.
Ele informou também que no Hospital Clériston Andrade havia um documento com a foto de outro homem. Além disso, o falso documento mostra que o homem que estava de fato morto é analfabeto, enquanto o RG do Rafael entregador de gás possui a assinatura dele. Ele acredita que o erro da declaração de óbito partiu do cartório.
“Eu creio que seja um erro do cartório, porque não tem como a pessoa registrar um óbito sem consultar o livro e o número. Quando consultar o livro vai ver que eu sou alfabetizado e que a foto é diferente. Havia lá no hospital um Rafael morto, mas só que ele falsificou o meu documento. O nome dele verdadeiro ninguém sabe. Ele usava o meu nome e morreu lá no hospital. Não existe isso de qualquer um reconhecer o corpo, eu tenho pai, tem uma mãe. Todos eles estão vivos. Era para entrarem em contato com minha mãe, meu pai e não entraram em contato com nenhum dos dois”, disse o entregador ao Acorda Cidade.
Dificuldades
Está recebendo ajuda do patrão e do outro envolvido no acidente. A esposa dele deixou o emprego para cuidar dele e suas contas continuam bloqueadas, uma vez que até o momento, dia 5 de junho de 2024, ele ainda não conseguiu cancelar o registro do óbito. O advogado dele entrou com uma ação contra o cartório, o Estado e contra a mulher que atestou o óbito, para provar que o cliente está vivo, mas terá que aguardar um pouco mais.
“O advogado disse que está esperando um juiz retornar de férias e que nos próximos de 10 dias vai tentar cancelar o óbito e eu poder dar continuidade na minha vida. Está uma bola de neve, uma complicação. Tem hora que não sei nem como é que isso está acontecendo. Estou usando muletas porque fraturei a tíbia da perna esquerda, coloquei um ferro e estou pagando fisioterapia porque pelo SUS eu não consigo dar entrada. Tenho que fazer tudo no particular por causa desse problema no cartório e estou contando com a ajuda do meu patrão até resolver a situação. Tenho dois filhos e minha esposa perdeu o trabalho justamente para ficar comigo”, disse.
Retorno
Ana Deyse, citada por Rafael, buscou a reportagem do Acorda Cidade para prestar esclarecimentos sobre o reconhecimento do corpo que fez. No RG do rapaz não há assinatura.
Deyse explicou que é coordenadora da residência inclusiva da Associação Cristã Nacional, que fica localizada no Conjunto Feira IV, em Feira de Santana, onde presta assistência a jovens em vulnerabilidade social, lugar este, de onde conhecia o Rafael que teve o corpo reconhecido por ela.
“Lá nós temos meninos em sua maioria oriundos do tempo que era orfanato residindo na residência inclusiva, acometido de deficiência intelectual e um deles foi o nosso Rafael. Rafael tinha uma deficiência intelectual grave e esteve doente, recebeu tratamento no Clériston Andrade, onde eu, Ana Deyse, como coordenadora, acompanhei esse tratamento. Nosso Rafael, não tinha vínculo familiar ativo. Então, com o RG dele, a gente deu entrada, no processo de tratamento dele, ele veio a óbito e eu como coordenadora reconheci o corpo. Então, nosso Rafael está enterrado hoje no cemitério Piedade e esse documento que a gente apresentou é o documento de Rafael”, explicou.
Segundo Ana Deyse, desde 2020, Rafael da Silva Santos, também de 33 anos, não recebia o benefício a que tinha direito por conta de incompatibilidades no documento. Havia duplicidade de identificação com outra pessoa. A coordenação tentou regularizar algumas vezes, mas não obtiveram sucesso. Em entrevista, ela pontuou a necessidade de ratificar que não fez nada ilegal.
Ana Deyse também questionou que não foi procurada pelo entregador de gás para esclarecer os fatos com a instituição. Todos os dados dela e da coordenação estavam registrados no Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA).
“Eu estive com Rafael no hospital, a gente tirou foto lá dentro e é tudo muito complicado. Eu me sinto de certa forma lesada (pela fala dele), ‘essa tal de Ana Deyse que ninguém conhece’. Quem tem que me conhecer é a minha família, meus colegas de trabalho, minha chefe, eu desconheço esse Rafael, nós não queremos prejudicar ninguém, mas queremos que entendam que o meu Rafael, que o médico atestou o óbito e eu reconheci o corpo, existe e é o mínimo que ele tinha direito”, declarou.
O advogado de Ana Deyse, também falou ao Acorda Cidade sobre o caso. De acordo com Bruno Peleteiro, ela tinha aptidão legal para reconhecer o corpo e constatar o óbito, porque era responsável por Rafael enquanto interno da Associação.
“Vale acrescentar que Rafael era uma pessoa institucionalizada que estando abrigada na instituição desde o seu nascimento, quando foi abandonado pelos seus pais no hospital. Inclusive, na época a senhora Telma Silva Carneiro, que é presidente da instituição, ela requereu a destituição do poder familiar. Então o ato praticado por Ana Deyse está revestido de legalidade”, declarou Bruno.
Ainda segundo o advogado, Ana Deyse está abalada com a vinculação de seu nome por Rafael, o entregador que questiona o uso de sua identificação.
“Em relação às demais informações sobre as certidões de nascimento, estas serão prestadas em juízo. Por outro lado, é importante ressaltar que enquanto advogado, eu posso assegurar que o descarrilamento das informações, antes mesmo da apuração e da veracidade dessas informações e de seu envolvimento em qualquer prática irregular, podem lhe trazer prejuízo. Ela se sente extremamente abalada com a vinculação do seu nome, sendo uma pessoa honesta, trabalhadora, cumpridora de suas obrigações e como qualquer outra cidadã tem o direito de observar, antes de qualquer vinculação, a necessidade da apuração da verdade, de respeitar esse direito dela”, afirmou.
O advogado também reforçou as informações de que as ações de Ana Deyse estão totalmente dentro da legalidade.
“É importante também informar que Rafael possuía todas as documentações, certidão de nascimento, a identidade, todos foram expedidos por órgãos competentes. Sendo então, documentos de modo que reafirmo que o ato praticado pela Ana Deyse, a declaração de óbito está revestido de legalidade. Se há um erro sobre essa existência de duplicidade de identidade de nomes, certamente foi praticado pelo cartório e não pela senhora Deyse. O equívoco veio de lá. E será melhor ficar decidido no processo judicial, como já falei anteriormente, todas as provas foram juntadas lá e vamos aguardar a solução final”, acrescentou o advogado.
Com informações da jornalista Iasmim Santos e do repórter Ed Santos do Acorda Cidade
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