Feira de Santana

Empreendedora de Feira de Santana ressignifica sua história e cria doces inovadores utilizando licuri

A ideia de trabalhar fazendo doces nasceu a partir das vivências que teve desde a infância, mas também foi resultado de muito estudo e curiosidade

Laiane Cruz

‘'Eu sou eu, e licuri é coco pequeno'’. Quem já ouviu essa expressão da boca de algum baiano sabe que ela é usada para dizer que em meio a alguma situação ‘você se garante’, já o licuri, nem tanto. E assim esse coquinho adocicado, fruto de uma palmeira (Syagrus coronata), foi visto ao longo dos anos, como algo sem tanto valor.

Proveniente da caatinga, o licuri ou ouricuri, como também é conhecido, é comumente vendido nas feiras livres, seja em litro ou em forma de colar, e mesmo a um preço tão pequeno, é a garantia de sustento de muitas famílias.

Para a empreendora Roselice da Silva, de Feira de Santana, o licuri só traz boas lembranças da sua infância. Na casa dos seus pais, no bairro Caseb, tinha um pé de licuri, e foi lá onde ela criou suas maiores memórias afetivas. Com sua mãe, no fogão à lenha, aprendeu a fazer doces, e o licuri fazia parte de muitas de suas receitas.

Também foi assim que anos depois o licuri passou a ser um dos grandes protagonistas das maiores criações de Roselice e deu nome à sua empresa, a ‘Flor de Licuri’, que produz e comercializa doces caseiros e autorais, dentre outras delícias, feitos a partir de produtos da região.
 


 

“Comíamos licuri de todas as formas. Tirava o cacho verde, minha mãe cozinhava, mas também tirávamos seco, maduro. Deixava secar, depois quebrava e comia ele seco. Às vezes, fazia paçoquinha, então inventávamos moda nesse processo de comer licuri e tínhamos também aquela referência da tradição dos rosários de licuri, que sempre tinha nas feiras. Sempre fui uma feirante, gostava de andar nas feiras, de experimentar as coisas que vendiam lá e o licuri era uma delas”, informou em entrevista ao Acorda Cidade.

Segundo Roselice, a ideia de trabalhar fazendo doces nasceu a partir das vivências que teve desde a infância, mas também foi resultado de muito estudo e curiosidade em conhecer novas formas de produção. Ela contou que ao longo dos anos tem se dedicado intensamente e de forma mais profissional na produção dos doces, e em todo este período buscou agregar informações e referências da cultura local em suas receitas.

“Eu faço vários doces, mas uma das minhas especialidades é o brigadeiro, que é o meu doce predileto. Então é uma coisa que sempre fiz com mais intensidade, com mais frequência, por conta dessa minha predileção por esse doce, e logo eu também fui inventando, criando outras formas de fazer brigadeiro. Historicamente, na nossa família, quando meus filhos faziam aniversário era sempre eu que produzia todos os doces, porque normalmente não conseguia imaginar atribuir essa responsabilidade para outra pessoa, já que eu tinha esse prazer”, relatou.

E foi em meio a todo esse processo de busca e aprendizados que Roselice resgatou do seu baú de memórias o licuri e fez do fruto o ingrediente principal de alguns dos seus doces.

“Há uns quatro ou cinco anos comecei a despertar, houve esse reencontro. Morei um tempo fora daqui de Feira de Santana e tive esse reencontro com o licuri, que se deu a partir da Coops, uma cooperativa da região da Bacia do Jacuípe que é formada por pessoas que coletam e trabalham com o licuri. É uma cultura ativista, tem as quebradeiras do licuri, que é um trabalho bastante árduo, não é uma coisa fácil. Para você conseguir um quilo, você tem que quebrar muitos coquinhos e nessas regiões também, que têm muito licuri, usualmente tem a tradição de consumo.”

Roselice começou então a pensar em como poderia produzir doces e outras receitas utilizando o licuri.

“Comecei a experimentar, comprava o licuri, fazia algumas coisas, umas deram certo outras não, mas quem cozinha passa por isso, que é esse processo de criação, de experimentação, então nem sempre dão certo. E nesse ensejo eu tenho criado, porque o processo criativo é de eterno aprendizado, de eterna criação, transformação daquilo que aprendemos e estamos aprendendo. Aí criei brigadeiros, tortinhas, alguns pratos salgados, pães, e uma série de outras coisas.”
 


Venda dos produtos

No ano passado depois de várias experiências, a partir de uma parceria com a Coops, que é a cooperativa que fornece o licuri para Roseli, a empreendedora fez panetone com licuri no período natalino e esse ano inovou ainda mais produzindo um ovo de páscoa de licuri.

A venda desses produtos é feita a partir da divulgação no Instagram e o boca a boca, que ajuda no processo de comercialização e a partir de parcerias.

“Tenho uma parceria com a Coops, e agora estamos fazendo uma parceria com a startup Escoaf, que é uma central de distribuição de produtos da agricultura familiar. Também fiz uma parceria com a Cooperbac, que é uma cooperativa de Barra do Choça, da região de Vitória da Conquista, que forneceu café para produzirmos trufas, e fizemos ovo de páscoa também com capuccino de café, ficou maravilhoso, teve uma boa receptividade. Os canais de venda são esses. Em tempos de pandemia, usamos muito as redes sociais e esse canal boca a boca. Então as pessoas entram em contato pelo instagram, pelo whatsapp, fazem encomendas e vêm aqui na minha casa, no meu local de produção para pegar, ou se for o caso, mando por alguma pessoa”, informou ao Acorda Cidade.

Poder nutricional

Como estudiosa do assunto, a doceira destacou ainda o poder nutricional do licuri. Segundo ela, o fruto é rico em nutrientes e já existem estudos ligados à sua farmacologia, para identificar seus benefícios para a saúde.

“Acho isso muito legal, por ser um processo também de valorização, e a academia veio no sentido de referendar esses conhecimentos que já existem, mas que são muitas vezes negados.”


Cultura extrativista


 

Para Roselice da Silva, algo que também foi muito importante em sua formação e descoberta do potencial do licuri, é a ligação que o fruto tem com a cultura e trabalho feminino de extração, e a forma como as cooperativas têm buscado valorizar e ressignificar essa participação da mulher.

“As mulheres, em sua maioria, são as que coletam e que quebram, é uma atividade predominantemente feminina. Historicamente essas mulheres foram sempre muito maltratadas, no sentido de que para elas tinha todo um trabalho para fazer essa coleta e na hora de receber, vendiam o licuri, até alguns anos atrás, por um preço irrisório. Nesse sentido, a cooperativa Coops foi criada, a partir da observação do trabalho que essas mulheres tinham. Mais de 70% da cooperativa é formada por mulheres e com isso esse trabalho ganhou uma outra qualidade, um outro valor. Pelas mulheres que são quebradeiras de licuri, estou contribuindo de uma certa forma, simbolicamente e também economicamente para ajudar o fortalecimento desse ciclo produtivo, além de propagar o sabor e a qualidade que têm os produtos produzidos com o licuri.”

Acompanhe o trabalho de Roselice pelo Instagram: @flor_de_licuri

Com informações da repórter Maylla Nunes do Acorda Cidade.
 

Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais recentes
mais antigos Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários