Alcoice, bordel, prostíbulo, lupanar, castelo, curro, casa de tolerância, da luz vermelha ou de massagem, serralho, zona, inferninho, baixo meretrício, covil, pinga-plus, harém. Ou simplesmente brega. Em Feira de Santana, o nome é o que menos importa. Já a quantidade e variedade impressionam. Do chique ao cafona, são 56 deles. Devidamente catalogados e espalhados pela cidade onde de tudo há.
O CORREIO mapeou recantos no qual o prazer pode custar de R$ 30 a R$ 300, em um mercado totalmente absorvido pelas entranhas do mais pulsante município do interior baiano. Afrouxem os cintos e relaxem.
Negócio de família
Em 1999, o empresário Flávio Sacramento, 30, herdou um negócio bastante diferente dos bens geralmente deixados em testamento. Pelo nome desenhado em néon vermelho na fachada interna da casa de número 819, na Rua Doutor Elpídio Nova, O Mariscão aparenta ser mais um desses restaurantes especializados em frutos do mar e comida típica baiana. Mas, ao atravessar a entrada, vê-se que há outros tipos de frutas à venda. São o suprassumo, o baby beef de um empreendimento que tornou Sacramento o dono da principal “cafetania hereditária” de Feira.
A história que transformou O Mariscão em um dos mais frequentados bordéis de Feira de Santana começa em 1971. A ideia original da comerciante Darcy Sacramento Tavares era montar um restaurante para a elite da cidade. Daí o nome pouco usual para estabelecimentos do ramo. Mas a nata feirense estava interessada em prazeres bem distantes da gastronomia baseada no binômio dendê-leite de coco. “Foi quando amigos da minha mãe, a maioria políticos empresários, sugeriram que ela criasse um ‘ponto de encontro’”, conta Sacramento.
A sugestão foi concretizada e, durante quase três décadas à frente do negócio, Darcy imprimiu o que viria a ser a marca registrada da casa: ambiente requintado, qualidade no serviço e, óbvio, mulheres novas, bonitas e chegadas à ação de alcova.
Depois da morte da mãe, Flávio assumiu o comando definitivo do bordel, mas assimilou os ensinamentos da fundadora. “Mantive o mesmo padrão de antes. Não gostamos de vulgaridade. As meninas têm que se vestir de maneira sensual, mas sem apelação. Também têm que saber bater um bom papo com o cliente”, diz.
Elenco
O vaivém de carros trazendo ou levando mulheres é a única pista do tipo de serviço oferecido naquela casa de fachada em cor salmão. Fora isso, o cliente de primeira viagem confundiria o lugar com uma das residências espalhadas nos arredores do Shopping Boulervard, o maior da cidade. Logo após a entrada, a temperatura vai subindo. Na área externa, parte das 25 profissionais bem esculpidas que compõem o elenco do Mariscão engata conversas e amassos pra lá de animados com frequentadores cheios de disposição.
O clima esquenta ainda mais no salão principal, onde a coreografia do acasalamento encenada pelas garotas de programa serve como vitrine viva para contatos comerciais.
Nem Wando nem Odair José, clássicos dos antigos cabarés constam na lista da jukebox do Mariscão. “Prefiro Britney Spears e Shakira para dançar”, diz M., morena alta, de corpo esguio e curvilíneo. Aos 21, é uma das novatas da casa. Como quase todas as suas colegas, veio de fora para ganhar dinheiro no movimentado mercado do sexo de Feira. Bem-humorada, conta que gosta mesmo é de rodar “pelos bregas da vida”. Tem prazer e rentabilidade? “Lógico. Se não, cairia fora”.
A mesma desenvoltura tem S., loiraça belzebu, que veio de Petrolina (PE) para mostrar em Feira sua arte em unir o côncavo e o convexo. Para saber qual nível de testosterona pode-se atingir em uma noitada com a Regininha Poltergeist do agreste, é preciso pagar a taxa da casa – R$50 -, mais o programa. “Dos gentis e bonitos, cobro R$100”. A noite? “Não. A hora”.
Preços
Para Sacramento, é nos valores cobrados que ele consegue selecionar a clientela. “Há garotas que são universitárias, custam o que valem e não são para qualquer um. Veja aquela ali”, mostra, apontando para uma de suas “estrelas”, morena de cabelos lisos, 20 anos aparentes, rosto e corpo de fazer inveja a muita patricinha. “Viu só? Fatura até R$ 6 mil em 15 dias”, orgulha-se.
Para beber, também é preciso ter mãos abertas e cheias. A cerveja Long Neck custa R$ 6. A dose de Martini, número um na preferência das garotas, R$ 10. Para acelerar os motores em uma das três bem decoradas salas vips, R$ 50. “Mas é no bom nível que nos diferenciamos da concorrência”, garante. Sacramento se refere à casa de Alaíde, no Santo Antônio dos Prazeres, e à Chácara Do Valle, em Santa Mônica II, ambas visitadas pelo CORREIO.
Em comum, apenas o cardápio feminino variado e a certeza de que, diferente de muitos estabelecimentos de Salvador, não vão aderir à moda do night club e suas strippers. Preferem representar a versão modernizada dos autênticos bregas.
Beco da Energia resiste ao tempo e à decadência
Há quem torça o nariz para o lugar. Mas existe também quem o considere um bem tombado pelo patrimônio do sexo pago de Feira de Santana. Gosto à parte, o Beco da Energia se mantém há mais de 60 anos como o cadinho de salvação para clientes sem grana suficiente para os bordéis de primeira linha da cidade.
Encravado no centro de Feira, entre as ruas Marechal Deodoro e Conselheiro Franco, o lugar é uma versão ainda de pé da Ladeira da Montanha de Salvador, apesar do perfume de decadência exalado das sete casas que compõem o mix da libertinagem no Beco da Energia. As casas não têm nome específico. Levam a marca das donas.
Na de Clélia – ou da “Créa”, como dizem alguns -, o CORREIO encontrou P., 32 anos, metade deles no trabalho de corpo a corpo com a clientela, cada vez mais escassa. Suas curvas já se foram, alimentadas pelos litros de cerveja e noites perdidas que embalam o serviço. “Mas muita gente ainda vai aqui, papai”, gargalha, enquanto corre as mãos pelo dorso abaulado.
A filha de Clélia,Tatiane Sacramento, 41 anos, herdou da mãe o talento para ser dona de brega. Mas foi além: virou a principal ativista pelos direitos das prostitutas de Feira. Ao entrar em sua casa, dois homens de meia-idade, chapéus pretos na cabeça, conversam com garotas e bebericam cerveja. Na sala, a parede repleta de fotos mostra Tati grudada a dezenas de celebridades, de Dan Stulbach a Henry Castelli, de Jacaré a Tony Ramos.
Enquanto os casais acertam o preço – ouve-se R$30, misturado ao Odair José que pipoca da radiola -, Tati mostra as diferenças entre o beco e os lupanares de Santo Antônio dos Prazeres, bairro de nome apropriado para o tipo de negócio. “Aqui, as meninas são livres. Não são obrigadas a morar e a ficar empenhadas por causa de roupa e comida. Ou empurradas para beber. Sem falar que ainda temos a magia dos antigos bregas”.
Há, nas “garotas da Energia”, a curiosidade sobre como anda o mercado das “primas- ricas”. “A cerveja em Alaíde é quanto? Aqui é só R$ 4. Elas são mesmo bonitas?”, pergunta C., 26. Já é noite e cai o movimento no Beco.“Depois, vou para a Praça da Matriz, ver se rola serviço”, diz L., 29, sobre outro ponto de prostituição do centro. Sob os olhares de desaprovação do conservador bispo dom Itamar Vian. Mas, quem sabe, com a bênção de Nossa Senhora Santana.
Tati, a defensora da categoria
Se alguém levanta a mão contra uma prostituta de Feira, ela corre atrás. Se a garota está mantida à força em alguma casa, vai ter que encará-la. Foi no combate aos abusos da cafetinagem que Tati virou porta-bandeira da classe. Fundadora e presidente da Associação das Profissionais do Sexo de Feira de Santana (Aprofs) – entidade com 700 filiadas -, ela sabe onde está cada um dos 56 prostíbulos da cidade.
Mesmo com a cara feia dos donos, entra nos bordéis para falar sobre direitos e prevenção contra Aids. Tem apoio de advogados e políticos e movimentos sociais. E fala com a propriedade de quem entrou no ramo aos 15. “Foi por curiosidade, apenas isso”. Sente vergonha em ser fotografada? “Meu bem, tem maior sujeira do que circular nesse Beco?”
As meninas do La Toya
“O programa é R$ 65, com o quarto”, avisa o balconista do La Toya, inferninho que funciona há sete anos na Praça da Matriz. Na frente, aparenta ser mais um boteco do centro de Feira. Nos fundos, o couro come, o bicho pega, a gata mia, como diz a pernambucana T., 36, uma das 20 “meninas” que fazem ponto no lugar de dia, e na pista da Matriz, à noite.
“Já passei por tudo aqui. Apanhei de um cara que saiu no Linha direta (antigo policialesco da Globo), mas também ‘casei’ nesse brega”. Para ela, o La Toya é “o lugar”. Uma vez, conta, fez 20 programas em um só dia. “Ficou uma fila na porta do quarto. Embolou. Entrava de dois em dois. Mas dei conta, revela.
(Notícia publicada na edição impressa do dia 21/08/2009 do Jornal CORREIO)