Rachel Pinto
Nesta sexta-feira, 11 de agosto, é comemorado o Dia do Garçom. Estes profissionais que têm a função de servir comida e bebida a pessoas em restaurantes, bares, lanchonetes e eventos e são protagonistas de muitas histórias e canções.
No Google, os principais registros da palavra garçom remetem à música do já falecido cantor Reginaldo Rossi. A canção foi lançada em 1987 e por décadas esteve nas paradas de sucesso, nos karokês da vida e também na boca do povo. Assim como Rossi, outros artistas como Milionário e Zé Rico e Maiara e Maraisa interpretaram canções sobre os garçons, cantaram sobre histórias de amor e a relação desses profissionais com as mais variadas experiências gastronômicas e de embriaguez.
Para celebrar esta data, o Acorda Cidade entrevistou garçons de diferentes gerações que atuam e são bem conhecidos em Feira de Santana. Seu Santana e os gêmeos garçons Matheus e Marcos são os personagens desta reportagem que busca homenagear cada profissional desse segmento que dedica seu tempo ao trabalho e principalmente ao atendimento ao cliente com qualidade e respeito.
Epifânio Manoel Santana, conhecido como Seu Santana, tem 70 anos e atua como garçom na cidade há 50 anos. Natural de Antas, ele veio com 19 anos morar na Princesa do Sertão e aqui trabalhou em diversos bares e restaurantes. Aposentado desde 2007, ele não parou de trabalhar e continua atuando como garçom autônomo em festas e eventos particulares.
Foto: Arquivo Pessoal
Para Seu Santana, um bom garçom precisa ser honesto, respeitar e servir bem os clientes. Ele relata que em tantos anos de trabalho, têm registradas muitas memórias e fez boas amizades.
“Eu já trabalhei em vários lugares. Muita coisa do que eu sei hoje eu aprendi com os próprios clientes. Eu vim da roça e quando cheguei à Feira com 19 anos não sabia nada, não sabia nem ler. Eu aprendi a ler conhecendo os cardápios dos restaurantes. Atualmente eu trabalho por conta própria e em alguns eventos. Ao longo dos anos fiz muitas amizades com meus clientes e pude participar de muitos momentos da vida deles. Tem cliente, por exemplo, que eu acompanhei o casamento, o nascimento dos filhos, netos e hoje já sirvo até os bisnetos nas festas. Certo dia, um cliente chegou até a mudar a data do evento porque eu não podia trabalhar para ele nesse dia. São essas coisas que fazem a gente se sentir bem e pra mim o mais importante nesse trabalho é o bom relacionamento com o cliente, o respeito e consideração”, afirma.
Com três filhos e seis netos, Seu Santana observa que a carga de horária de um garçom é longa e em virtude de trabalhar horas extras e durante os fins de semana, já deixou de participar de muitos eventos da família. De acordo com ele, a esposa e filhos sempre entenderam essa questão e o lazer ficava sempre para o meio da semana. Com muito esforço e trabalho ele conseguiu economizar e adquiriu alguns bens como a casa própria, um terreno e um carro.
“É um ramo que se trabalha muito. Para ganhar um dinheiro a mais tem que fazer sempre serviços extras. Eu já cheguei a trabalhar das 5h às 23h e dormir no emprego. Quando eu comprei a casa própria a prestação era o dobro do meu salário e eu consegui pagar porque trabalhava em três serviços e na época não tinha filhos. A gente tem que economizar e economiza tanto que até precisa passar necessidade para cumprir outros compromissos. Quando a condição melhora eu me organizo e por exemplo, produtos não perecíveis de alimentação que podem ser estocados eu já compro com antecedência. Às vezes as demandas dos serviços caem e precisamos nos preparar”, pontua.
Apesar dos garçons serem profissionais que acabam ficando muito próximos dos clientes e criando relações pessoais de carinho e amizade, Seu Santana salienta que nem sempre os garçons foram vistos pela sociedade com bons olhos. Ele se recorda que a categoria por volta dos anos 70 já sofreu muito preconceito e dava até vergonha de dizer que era garçom. A sociedade depreciava muito a profissão principalmente devido à precariedade nas condições de trabalho e ao pouco retorno financeiro.
“Dos anos 90 pra cá a situação melhorou muito. Mas, já houve muito preconceito. Eu lembro que quando eu era bem jovem eu tive uma namorada que gostava muito de mim e o namoro acabou porque a família dela foi toda contra. Disse que eu não servia pra entrar para a família porque eu era garçom. Já aconteceu também de cliente maltratar muito a gente. Mas, eu penso assim, se o cliente ele é rude, ele descarrega em nós os problemas dele, temos que ter tranquilidade para contornar qualquer situação. É o garçom que faz o cliente e vice versa. Já aconteceu eu passar por algum problema e ir trabalhar e o cliente ser tão receptivo comigo, que depois eu nem lembrava mais de nada”, acrescenta.
‘Garçom me ajude’
Durante a carreira, Seu Santana explica que sempre foi amigo dos seus clientes e até já livrou alguns de situações constrangedoras, inclusive términos de casamento. A atenção é uma das importantes características de um garçom assim como visualizar e perceber todas as pessoas que estão e que chegam ao bar ou restaurante.
“Eu já livrei muito homem e mulher de terminar casamento. Um dia um senhor estava com uma namorada em um bar que eu trabalhei e eu vi que a esposa dele estava chegando. Prontamente eu fui ligeiro e avisei para ele. O homem foi se esconder no banheiro e a mulher que já estava retada o procurava. Eu disse que ele não estava ali e ela até se acalmou, sentou e tomou uma cervejinha. Depois que ela foi embora, bem uma hora depois eu fui ao banheiro chamá-lo, ele me agradeceu e até hoje quando ele me encontra relembra essa situação. Também já aconteceu de uma mulher casada chegar ao bar com um namorado e o marido chegar em seguida sem saber que ela estava. Eu fiz a mesma coisa. Avisei pra ela ir pro banheiro e depois arrumei um jeito dela sair sem o marido ver. Eu já protegi o casamento de muita gente”, conta Seu Santana.
Foto: Arquivo Pessoal | Seu Santana com o neto que também é garçom
Ele também opina que mesmo um garçom presenciando muitos momentos íntimos e pessoais dos clientes, ele não tem direito nenhum de se meter. “São coisas que a gente vê e ouve e morrem ali”, acrescenta.
Saudosismo de eventos tradicionais da cidade.
Seu Santana vê com muita tristeza alguns eventos tradicionais que deixaram de acontecer na cidade. Para ele, bailes de debutantes, o Caju de Ouro e a Noite do Havaí eram festas grandiosas que demandavam muitos garçons e envolviam toda a sociedade feirense. Ele fala com saudade desse tempo e completa que atualmente por causa da crise, muitas pessoas têm evitado ou reduzido a proporção das festas.
“Caiu muito. Esse ano mesmo de janeiro a junho foi péssimo. Agora que está melhorando um pouco. As festas são menores e os garçons também precisam se adaptar a essa realidade”, relata.
Horas Vagas
O exemplo da profissão de garçom de Seu Santana foi estendido ao filho mais velho e também a um neto. Os três muitas vezes trabalham juntos e para ele é uma alegria. Nos momentos de folga, que são poucos, a distração é ler, estudar a bíblia e cuidar de pés de bananas que têm plantados em um terreno de sua propriedade. O ritmo de trabalho em virtude da idade e da condição física tem ficado bem menor e o futuro segundo ele, é levar a vida com mais calmaria ao redor da família e com o carinho dos netos.
O experiente garçom faz questão de ressaltar e lembrar no Dia do Garçom, que embora existam dificuldades relacionadas à profissão, vale a pena ser honesto, trabalhar com ânimo e cativar os clientes.
“Valorizem a profissão, façam o seu trabalho com amor e alegria”, finaliza.
Os garçons gêmeos “estourados”
Matheus e Marcos Pereira dos Santos são irmãos gêmeos idênticos e poderiam formar até uma dupla sertaneja se o caso fosse a combinação dos nomes e também o carisma e a simpatia que eles têm.
Atuando em vários restaurantes e bares da cidade, são muito conhecidos pelo jeito irreverente de ser, pelo bom atendimento e atenção que dão aos clientes. Durante cerca de dois anos, trabalharam juntos em um bar da cidade e eram atração à parte da casa. Serviam muito bem, cantavam, dançavam e interagiam com os clientes. O bar chegou ficar muito famoso e conhecido como o “Bar dos Gêmeos”. Eles contribuíam para que o happy hour, a noite o encontro entre amigos ficassem mais agradáveis e vez outra eram figuras fundamentais nas selfies e nos vídeos feitos pelos clientes.
Foto: Arquivo Pessoal
Nascidos e criados em Feira de Santana, eles têm 25 anos, atualmente trabalham em lugares distintos e são alvo de grande torcida dos clientes para que voltem logo a atuar juntos no mesmo local de trabalho. A sintonia da dupla é inesquecível para quem já os viu em ação, cantando, dançando, servindo bandeja e distribuindo alegria.
Os garçons ‘showmens’, apesar de pouco tempo de profissão, têm também boas histórias para contar e são exemplo do amor e carinho fraterno.
Matheus que é evangélico diz que nunca teve problema em trabalhar na noite e sempre soube separar bem o trabalho da religião. Ele confessa que a animação no ambiente de trabalho era tanta que ele até não resistia e a pedido dos clientes acabava caindo no ‘reggae’.
Foto: Arquivo Pessoal
“Quando tocava ‘Tô perdido de amor’, de Edson Gomes, eu não me aguentava. A gente era um produto da casa e dessa forma buscamos sempre quebrar essa barreira com os clientes. Tem clientes que viraram nossos amigos, convidam a gente para aniversário, casamento, e quando nos encontramos é uma festa. É bom ser lembrado pelo bem que você faz. Eu acredito que um garçom tem que conhecer bem os produtos da casa, conhecer o cardápio e trabalhar com a alegria. Quando um garçom é parabenizado, toda a casa é parabenizada, é aplaudida. Porque a gente não trabalha só, trabalhamos em equipe e sempre eu procurei dividir tudo aquilo de bom que eu recebo”, pontua.
Mais extrovertido que Matheus, Marcos é do tipo que quando está trabalhando, tem que correr contra o tempo para atender as mesas e dar atenção aos clientes. As pessoas fazem questão de chamá-lo à mesa e puxar uma conversa ou uma resenha. Ele ressalta que o amor à profissão, o equilíbrio e paciência são fundamentais no ofício de garçom. Os muitos aprendizados que teve junto com o irmão ele credita a um ex-chefe, que promovia momentos de integração em equipe, palestras e reuniões, com o objetivo de potencializar e qualificar o trabalho de garçom.
“O relacionamento com o público é fundamental assim como a boa apresentação do garçom. Mas às vezes acontece da gente fazer o melhor e o cliente nem dar bola. Pode estar com algum problema, ou pensando em outras coisas. Quer ver uma coisa que é mesmo que me matar é eu chegar, dar boa noite ao cliente, falar ‘Olá, tudo bem?, deseja alguma coisa’. Aí ele nem pra minha cara olha e diz rápido: ‘Qual a senha do wifi?’ Mas, temos que entender, porque tudo isso faz parte do nosso trabalho”, comenta.
A parceria dos irmãos garçons faz sucesso também na vida. Eles fazem academia juntos, moram juntos e um é a sustentação do outro. O amor de irmão é muito bem apresentado nas palavras de Matheus.
Rachel Pinto/Acorda Cidade
“Para mim Marcos é mais do que um irmão. Eu nunca tive medo de perder ninguém. Nem pai, nem mãe, nem amigo, nem namorada. Mas, com ele é diferente. Eu falo, poxa se eu perder ele é mesmo que eu ficar sem as pernas. Não vou ficar feliz. Ele me dá uma força a mais para viver, uma força a mais para trabalhar e eu sempre estou pensando nele. Marcos gosta de curtir, é do mundo e vai pra tudo quanto é festa. É aniversário de boneca, gato, cachorro, periquito, papagaio, é caruru de Cosme e Damião, é tudo. Ele não perde nada e eu fico em casa orando, torcendo pra ele ficar bem e peço pra Deus protegê-lo”.
Emocionado com as palavras do irmão e com os olhos cheio de lágrimas Marcos responde:
“Ele é mais do que um irmão. Com a gente não há brigas e somos muito unidos e não é só pelo fato de sermos gêmeos. Ele é meu irmão, meu amigo, meu confidente. Minha confiança é toda nele e ele me completa. Se acontecer algo com ele me atinge também”, acrescenta.
No bar todo mundo é igual
Esse sentimento de irmandade e respeito ao próximo Matheus e Marcos levam para o ambiente de trabalho e além de cativar os clientes, cativam os colegas. Com eles não tem essa de niguém ser melhor que ninguém e encerrando com as palavras de Reginaldo Rossi, para a dupla literalmente, “No bar todo mundo é igual”.