Encantar, trazer o riso, emocionar. Estas são algumas das funções de um palhaço. Eles fazem parte da história há centenas de anos e, ainda hoje, são celebrados por crianças e adultos, sobretudo no dia escolhido para homenageá-los, 10 de dezembro.
A missão de alegrar também faz parte da rotina de Rafael Radamés, jovem de 27 anos que, com roupas extravagantes, malabares e um sorriso estampado, há 12 anos se dedica à arte circense, seja sobre pernas de pau, monociclo ou corda-bamba. Hoje, com o trabalho mais voltado a eventos e ensino, ele dá a vida ao palhaço Rodapé, uma figura de personalidade forte que não desperdiça uma chance de se mostrar ao mundo.
O primeiro picadeiro
Mas, o encontro com a palhaçaria se deu muito antes da formação de um estilo próprio. Foi a partir de um convite feito por um colega de escola ainda na adolescência, quando fazia parte do projeto Ponto de Cultura Mais Circo.
“Quando eu tinha 15 anos de idade, fui estudar em um colégio e um amigo meu me falou sobre um projeto social em que ele participava, chamado Ponto de Cultura Mais Circo, que funcionava no Amélio Amorim. Ele falou comigo que iria ter inscrições para novas vagas. Então eu fui, assisti a uma apresentação deles, gostei muito, e resolvi fazer aula. Nas aulas eu fui tomando gosto e vendo que isso era algo que me fazia me sentir muito bem, me desenvolver como pessoa. Me ensinava muito mais que uma prática, mas mexia tanto no caráter, na persistência e tudo mais, então passei a tomar gosto pelo teatro e pelo circo. Nesse projeto ensinava-se teatro, circo e música. A música também é algo muito forte em mim”, explicou.
Em sua trajetória, também mentorada pelo saudoso artista Jean Marques, o feirense relata os benefícios que as experiências no circo, teatro e, sobretudo, a rua, proporcionam.
“Desenvolve a perda da timidez, por mais que você continue tímido, como eu sou tímido até hoje. Mas eu consigo vencer a timidez, escapar dela não só quando estou de palhaço. É importante para você pensar diferente, o palhaço tem uma lógica, um raciocínio próprio. Para desenvolver essa lógica é extremamente difícil. Foco, corpo e expressões, mas o mais difícil é o trabalho do pensamento”, considerou.
“Não pode faltar o ridículo”
Em entrevista ao Acorda Cidade, Radamés revela a qualidade indispensável para abrilhantar a vida através do sorriso.
“Não pode faltar o ridículo, eu acho que o principal do palhaço é o ser ridículo. E não é que deva ser uma pessoa ridícula, mas deve ser uma pessoa que não tem medo de ser. Ridículo significa ‘motivo de riso’, o ridículo no palhaço é aquele que as pessoas vão rir de você. As pessoas não riem com o palhaço, elas riem do palhaço. Ele tem um comportamento engraçado em si só e isso faz as pessoas rirem. As pessoas riem mais do comportamento do que da piada, essa é uma grande diferença do palhaço para o piadista. O palhaço é a piada, ele vive a piada no seu corpo. E você ser ridículo é se propor a isso, por exemplo, eu, Rafael, não quero ser ridículo, mas meu palhaço tem que ser ridículo, então eu não posso ter medo”, diz.
A vergonha fica de fora
“Eu tenho que entender que, quando estou no estado de palhaço, as pessoas vão rir de mim e eu não posso me preocupar com isso, com passar vergonha. O palhaço está todo o tempo passando vergonha, a diferença é que não sente vergonha disso, ou até sente mas o jeito de ele sentir vergonha é ainda mais engraçado”, compartilhou.
Mais que um nariz vermelho
Para além de um figurino, maquiagem ou máscara, como é conhecido o famoso nariz de palhaço, Rafael salienta que a palhaçaria é uma atividade de muita dedicação, estudo e esforço para entrar no chamado ‘estado de palhaço’, cada um em sua personalidade própria. Ele comenta que muitas figuras e obras conhecidas nem sempre são identificadas como palhaços, apesar de o serem, por exemplo, Os Trapalhões e Charlie Chaplin.
“O trabalho do palhaço é um trabalho lindo. É totalmente diferente do que no popular se imagina, palhaço não é só para criança. O palhaço é bobo, mas a arte do palhaço não é uma arte boba, não é uma arte fácil. Não significa que, se você colocar uma fantasia de palhaço, você está usando um figurino de palhaço. Cada palhaço tem o seu figurino, tem a sua maquiagem ou não, eu, por exemplo, não utilizo maquiagem, eu trabalho sem o nariz de palhaço (máscara) ”, concluiu.
Desafios
Mas, nem tudo são gargalhadas, mesmo para alguém como ele. Para levar alegria, o jovem contou ao Acorda Cidade que enfrenta muitos desafios, como lidar com pessoas alcoolizadas em eventos, carência de espaços adequados e falta de apoio governamental, por exemplo. Há dificuldade para utilização de espaços públicos, como os teatros, devido à burocracia, além do custeio dos materiais e aulas.
“É muito complicado usar os espaços que são nossos, então muitas vezes temos que recorrer às praças”.
Ele também explicou que, mesmo debaixo de sol e chuva, a praça permite o exercício da adaptação no que se torna um verdadeiro ensaio aberto para um palhaço. E, ademais, existe no município de Feira de Santana iniciativas para a formação e aprimoramento dos artistas dentre os quais ele destaca o workshops oferecidos pelo SESC (Serviço Social do Comércio).
Uma vida leve
Por fim, o mentor do palhaço Rodapé, dá dicas para o público de um espetáculo, seja ele embaixo dos semáforos, em teatros ou sob a lona de um circo.
“Para você que assiste a uma apresentação de palhaço, é mais que o momento para você rir, é um momento leve. Eu acredito que ele traz essa leveza, porque ele vive a vida com leveza. Se você assiste, você aprende a não levar tanto peso para o dia a dia. Isso é muito importante para os dias de hoje, a vida tem se tornado pesada, as pessoas sempre estão ansiosas, e o palhaço simplesmente é. Ele não finge, ele é quem é, não tem vergonha de ser, de esquecer. O palhaço esquece o tempo todo, se atrapalha o tempo todo e isso para ele é normal, enquanto a gente o tempo todo está preocupado com o nosso status, com a forma com que as pessoas estão nos vendo”, finalizou.
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