Especial - Aniversário de Feira

Cordelista Jurivaldo Alves faz parte da história da cultura popular de Feira de Santana

Feirense de coração, foi na Princesa do Sertão que Jurivaldo Alves afirmou sua maior vocação.

Foto: Patrícia Oliveira
Foto: Patrícia Oliveira

“É um sonho que diz que, quem vem à Feira de Santana pela primeira vez, não volta mais”. Essas palavras são repetidas pelo escritor Jurivaldo Alves da Silva, que em uma de suas andanças, passou por Feira de Santana a caminho de uma romaria e aqui ficou o coração. Aos 17 anos, ele veio da cidade Baixa Grande, para a Princesa do Sertão completar os estudos e daqui, nunca mais saiu. Em comemoração aos 190 anos de Feira, vamos relembrar a importância desse intérprete da cultura popular feirense, que ganhou o mundo com os versos da literatura de cordel.

“Em 1962, no início do ano, eu passei por Feira em cima de caminhão de pau de arara para ir para uma romaria em Cadeias e me encantei. Uma tia me disse que iria arranjar um trabalho, ela me indicou e eu arranjei um trabalho em uma pensão no fim do ano. Pela minha felicidade, nessa pensão estava hospedado o saudoso Antônio Alves da Silva que eu já conhecia ele das feiras livres em Baixa Grande, Ipirá, das feiras de cordel e nós fazemos amizade”, contou o cordelista ao Acorda Cidade.

Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

Essa amizade entre os Alves, viria a lhe transformar em folheteiro anos depois. Ainda na década de 60, veio para a cidade estudar, mas por conta da dificuldade, só conseguiu trabalhar. Apesar disso, Jurivaldo sempre esteve perto da poesia. Desde sua cidade natal já era conhecido pelas ‘histórias de troncozo’, ou contos falaciosos que as pessoas lhe convidavam para prosear nas fazendas da região.

“Na época com uns 12 a 13 anos, eu já comprava cordéis e como eu era analfabeto, assassino da gramática, eu pagava aqueles balconistas que trabalhavam no comércio, eu comprava três cordéis, eles liam os três e desses eu dava um”, disse.

Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

Em Feira, começou trabalhando carregando mala, foi agricultor, mecânico, motorista, comerciante, artista, mas foi via um cordel de Antônio Alves, esquecido pelo cordelista, mas que Jurivaldo guardou na memória, que anos depois reescreveu e passou a vender. Esse cordel é ‘Os Perigos de Fernando e Joventina’, considerado por ele um dos mais importantes, pois é uma história de Feira que também é sua.

“Esse cordel sobre Feira de Santana é muito importante, porque Feira surgiu através do vaqueiro, do tropeiro e do boiadeiro, então esse cordel conta uma briga que teve na rua do meio (Sales Barbosa), e terminou o cabra matando um monte de pistoleiro. Fugiu, chegando em casa o pai deu um bucado de dinheiro para ele livrar o flagrante, ele foi para Pernambuco, comprou uma boiada e trouxe a filha do fazendeiro”, explicou.

Veja um dos versos da história

Tudo na vida se acaba,
mas o amor permanece
Agora quero contar para todos os baianos
A história de um vaqueiro,
filho de um velho tirano que brigou
e alcançou história no sertão pernambucano.

O seu nome era Fernando,
moço muito respeitado
no estado da Bahia
negociava com o gado.
No dia que não brigava,
não dormiu sossegado.

Na época que chegou, ainda pouco letrado, ele brinca que se guiava pela torre da Igreja Senhor dos Passos para voltar para a Pensão Jacobina, onde morava, na Conselheiro Franco.

Entre tantas histórias, Jurivaldo contém uma memória de elefante bem intacta e rica. Seu acervo possui mais de 6 mil livretos, que expressam a cultura popular nordestina. Tanto autorais, como de outros cordelistas, como Rodolfo Coelho Cavalcante, Bule Bule, Franklin Machado. A obra “A Donzela Teodora”, de Leandro Gomes de Barros, o primeiro escritor brasileiro de cordel, conta que não vende por nada.

“Feira de Santana é muito rica sobre cordelistas, temos uns cabras bons, Genivaldo Cruz, Zadir Marques Porto, então nós temos muitos cordéis sobre Feira, contando a história viva”, pontuou.

Cordelistas, intérpretes da cultura nordestina

Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

Folheteiro raiz, Jurivaldo percorreu muitas feiras do Brasil, mas foi debaixo do Oitizeiro, na Praça da Bandeira, que realizou os encontros com cordelistas e ganhou o reconhecimento dos feirenses pelo trabalho árduo de vendedor de histórias. Há anos ele conquistou seu ‘Espaço Literário’ de frente para sua memória, que fica no Mercado de Arte Popular, ontem também tem um palco homenageado em seu nome.

Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

A sua literatura é carregada de saberes populares, históricos e científicos que ele transforma com muita naturalidade em prosa e versos, como podemos ver nos folhetos ‘A volta do bicho do Toma’, ‘A briga de Xixota com Xoxita, e o cordel ‘Feira de Santana’. De conversa agradável, muito ativo, conversador e animado, é muito fácil sentar para ouvir suas histórias e sair dali com muitas ideias na cabeça.

Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

Desde 2018, a Literatura de Cordel foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, justamente pela sua relevância como manifestação cultural popular nordestina. Em todo o país, o cordel é usado para incentivar a leitura e a valorização dos saberes autenticamente brasileiros.

A exemplo, Jurivaldo contou que o ‘Cordel do Meio Ambiente’, escrito por ele, chegou aos ouvidos da ministra Marina Silva, que expressou a vontade de conhecer o trabalho do artista.

Patrícia de Ju, como é carinhosamente chamada, é um dos legados de seu Jurivaldo. Há mais de 19 anos, a cordelista Patrícia Oliveira, desistiu do magistério e segue os ofícios do pai. Juntos, eles já possuem mais de 60 cordéis autorais.

Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

“Eu me formei em 95, mas em 2004 meu pai começou a reativar sobre os cordéis e ele me pediu para fazer uma pesquisa sobre lampião e disso eu consegui desenvolver um cordel e de lá para cá não parei mais. Sou cordelista. Parceria total aqui. Hoje já temos mais de 60 inscritos, temos cordel no sul da França, que foi uma pesquisadora que esteve aqui e comprou uma coleção e levou para lá. Está espalhado por todo o mundo”, contou Patrícia em entrevista ao Acorda Cidade.

Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

Na pandemia, em 2020, Jurivaldo contou que começou a sentir algumas dores abdominais e a passar por problemas de saúde. Mesmo assim, ele não parou. Escreveu um cordel sobre a covid-19, que hoje, uma editora em São Paulo quer comprar os direitos autorais para usar como referência para trabalho didático.

Há algum tempo, ele descobriu um tumor entre o reto e o intestino. No início deste mês, ele começou o tratamento de radioterapia que deve durar aproximadamente cinco semanas. O cordelista enfrenta uma batalha que com fé, ele vai tirar de letra, pois ainda tem muitas gerações para inspirar. Quem o vê no Mercado de Arte, enxerga muita disposição, que ele mesmo conta que dá até trabalho para repousar.

“Pelos filhos, minha mulher e os médicos não era para eu estar aqui não, mas a saudade não tem jeito”, declarou.

Folheteiro Itinerante

Desde agosto, o Museu Casa do Sertão da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) apresenta a Mostra ‘A Casa do Cordel do homem-memória Jurivaldo Alves’ em parceria com o Museu Itinerante do Cordel. Diversas obras que explicam a história dele estão expostas até dezembro deste ano.

Foto: Divulgação

Além disso, em virtude do seu acervo cultural nordestino e por levar nele o nome de Feira, foi aprovado na Câmara Municipal a Comenda Maria Quitéria, o título de cidadão feirense para o cordelista. A honraria foi proposta pelo vereador Correia Zezito (Patriota).

Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

Idealizador da Praça dos Cordéis, do Festival Literário e Cultural de Feira de Santana (Flifs), este ano ele teme não poder participar, mas reforça que sua presença sempre será confirmada através de sua filha e de sua literatura nordestina. Nesta edição ele estará lançando, em parceria com Patrícia, o cordel ‘Maria Milza – A Santa Mãezinha Milagreira do Sertão, vol. ll, que conta diversos relatos sobre os milagres que a religiosa de Itaberaba realizou por volta de 1973.

“Essa senhora realizou mais de mil milagres. Muita gente não conhece porque ela não era famosa, não escrevia e nem dava entrevista. Vou citar mais de 30 milagres que ela fez com pessoas que estão vivas e me contaram os testemunhos. Então, o cordel é isso aí, está na religião, política, comércio, indústria, no gracejo, o tema é livre. Quem foi o primeiro jornal do Brasil, o primeiro boletim, foi o cordel”, contou.

Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

Os cordéis de Jurivaldo estão disponíveis em seu boxe no Mercado de Arte e custam a partir de R$ 3,00.

Com informações e produção da repórter Jaqueline Ferreira do Acorda Cidade

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