Leonardo Lago Carneiro, um advogado de Feira de Santana de apenas 25 anos, descobriu sua dupla excepcionalidade já na fase adulta. Em entrevista ao portal Acorda Cidade, Leonardo compartilhou detalhes de sua infância, a descoberta de que está no espectro autista e suas experiências também como superdotado.
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O feirense foi reconhecido como o número 3.500 da Mensa Brasil, a maior organização internacional que mede a inteligência humana pelo QI (Quociente de Inteligência). Na Bahia só existem 111 e em Feira de Santana, ele é o único adulto com a excepcionalidade. O nome da instituição faz alusão à távola (mesa) redonda dos cavaleiros do Rei Arthur, a elite dos iguais. Ela foi criada para reunir as pessoas brilhantes e revelá-las ao mundo.
“Para ser integrante, você precisa estar entre os 2% mais inteligentes do mundo. No meu caso, o percentil é de 99,53%, nível conhecido como superdotação excepcional, algo superior a 8.060.000 de pessoas, mas isso não significa que sou melhor que elas, mas que tenho muito a aprender com cada indivíduo”, informou o advogado.
Leonardo cresceu no bairro da Santa Mônica, onde passou cerca de 20 anos da sua vida. Atualmente, ele e a família moram no SIM. Formado em direito pela Unifan, o jovem faz parte da Ordem dos Advogados da Bahia (OAB).
Leonardo teve uma infância comum, mas com as particularidades de quem era uma pessoa com habilidades especiais. Ele revelou um pouco do sentimento de ter sido uma criança autista e superdotada, sem diagnóstico até a vida adulta.
“Eu sabia que tinha uma mente totalmente diferente das outras pessoas, mas não tinha como provar isso. Infelizmente, quando o autismo e a superdotação foram descobertos, eu estava lutando pela minha vida, então minha rotina hoje é dedicada a cuidar de mim para entregar essa mente para servir às pessoas”.
O jovem contou que sofreu muito por ser diferente em todas as etapas de sua vida. Socializar era difícil desde a infância.
“Eu cresci com habilidades incomuns para minha idade, mas eu não conseguia ser aceito pelas outras crianças. Eu podia levar meus pensamentos e minha imaginação para alturas que ninguém mais conseguiria, mas era igualmente incapaz de socializar e fazer amigos”.
O autismo lhe permitia realizar feitos extraordinários para sua idade, mas, ao mesmo tempo, coisas simples, ele tinha dificuldade. Para ele, mesmo não tendo o diagnóstico na época, sua família percebia que ele era diferente e sempre cuidou da melhor forma que podiam. Ele contou uma de suas lembranças que marcou os seus cinco anos.
“Quando estava na escola, sofrendo por causa dos barulhos e da convivência forçada com muitas crianças, minha mãe foi chamada pela coordenação para ser avisada sobre as crises e os surtos que eu tinha. A coordenadora disse: parece que Léo está preso em um quarto escuro e não consegue encontrar a saída”.
Sua mãe lhe levou na psicopedagoga, mas segundo ele, depois de muitas sessões o diagnóstico não veio e ele ficou como ‘mal-educado’, que precisa de mais limites. Toda essa peleja pelo autoconhecimento durou muitos anos na vida de Leonardo.
“A escola foi um lugar para pagar penitência por pecados que não cometi. Me lembro dos diretores dizendo que ‘o bullying era bom para construir o caráter do cidadão’, e não me protegiam nas inúmeras vezes em que pedia socorro e ainda me puniam todas as vezes que eu decidia me defender”.
Aos 25 anos, ele foi diagnosticado com autismo e, ao realizar os testes, teve a surpresa de também ser uma pessoa superdotada, fato raro, também chamado de Dupla Excepcionalidade.
“Quando realizamos o exame neuropsicológico, toda nossa capacidade mental é descoberta, revelando tanto as deficiências quanto as habilidades. Por isso, descobri a superdotação no mesmo momento em que descobri o autismo, mas não posso mentir, não esperava por nada disso. Fui pego de surpresa”.
O jovem conta que, apesar de a adolescência ter sido complicada, o ensino superior foi uma das melhores fases de sua vida, onde se sentiu seguro. Escolheu o direito por paixão e por sempre gostar muito de ler, chegando a se tornar o melhor da turma da Unifan.
“Eu ainda tenho aquele lugar como minha casa e eu passei por tudo para dedicar minha capacidade para a educação e eu posso mostrar do que sou capaz para fazer a diferença. Posso mostrar por que nos chamavam “pequenos professores”.
Outro momento que marcou a descoberta da dupla excepcionalidade foi quando estava realizando uma prova do concurso público, no Rio de Janeiro, e teve crises. Esse foi o momento em que ele buscou ajuda para reconhecer as situações que ele passava. Ele contou como recebeu emocionalmente a notícia.
“Eu me sentia feliz em saber porque, a vida inteira, eu enfrentei as coisas que ninguém mais enfrentava e me sentia como um estrangeiro em minha terra natal. Por outro lado, me senti desesperado, porque eu finalmente tinha a prova do que eu era capaz, mas justamente no momento em que lutava pela minha vida. Eu não podia aceitar que tinha encontrado aquilo que procurava, mas tudo podia ser perdido e não poderia ajudar as pessoas. Foi nesse momento em que decidi lutar”.
Após os diagnósticos, Leonardo encontrou mais uma dose de ânimo para lutar por sua vida, mas também para ajudar outras pessoas com a sua dupla excepcionalidade.
“A inteligência ensina sobre a insignificância e saber o nosso lugar, então eu nunca me sinto superior a ninguém. O que as pessoas precisam entender é que cada uma é dona de si, mas pessoas como eu não são donas de coisa alguma, mas são apenas portadoras de algo que pertence a todas as pessoas, tendo a obrigação de levar esperança. Essa é a minha razão de viver e descobrir a superdotação foi o impulso que eu precisava para não desistir”, disse o jovem ao Acorda Cidade.
Apesar da super inteligência acima da média das pessoas comuns, Leonardo explica que enfrenta muitas dificuldades por conta da superdotação. Ele explicou de uma forma bastante interessante como ele enxerga a situação.
“É comum as pessoas pensarem que esse tipo de situação é algo bom ou admirável, mas a realidade é que ser portador de uma mente como essa é ser como uma corda de violão esticada até o limite. Posso dizer que é resistir para viver, porque quando a natureza dá com uma mão, ela tira com a outra. Se me deu uma mente incrível que pode ajudar as pessoas, também me cobra muito caro em sofrimento para sustentar essa capacidade. É viver como um triângulo tentando passar em um espaço quadrado, podendo fazer muito, mas nunca tendo a oportunidade para isso, porque as pessoas comuns têm medo do desconhecido. O desafio é sobreviver”, declarou.
O jovem ainda explica que para as duas condições exigem acompanhamento psiquiátrico, análise comportamental, acompanhamento nutricional, atividade física, cuidados com o descanso, práticas fundamentais para se encontrar qualidade de vida para pessoas adultas superdotadas e/ou autistas. Continuar investigando e investindo no desenvolvimento também é fundamental para viver bem e trabalhar em prol da sociedade.
“As crianças com deficiências como o autismo precisam de acompanhamento de neuropediatra, mas os adultos são cuidados pelos psiquiatras, pois se as pessoas comuns vivem algo próximo de 76 anos, os autistas vivem inacreditáveis 36 anos, ou seja, 40 anos a menos. Isso acontece porque todos os autistas têm uma “condição de saúde associada”, que pode ser desde condições físicas quanto mentais. Por isso, estou sempre acompanhado pela médica psiquiatra para cuidar das minhas condições, que também são para a vida inteira”.
“As pessoas sempre chamaram os Autistas de anjos, porque eles veem a esse mundo para nos presentear com uma bela lição de vida e depois vão embora, ainda jovens, por isso, devemos aproveitar sua presença, pois não estarão aqui por muito tempo”, completou Leonardo falando sobre o tempo de vida.
O autismo fez Leonardo enxergar o mundo “fora da caixa”, o que, segundo ele, também lhe trouxe maturidade para viver dia após dia.
“No final, o autismo me ajuda na rotina para tomar as melhores decisões, além de uma disciplina inacreditável para poder cuidar de mim e das outras pessoas, mas a superdotação me torna capaz de realizar tudo o que minha mente me diz que é possível”.
Apontando as dificuldades enfrentadas, ele falou sobre os padrões impostos na sociedade que não cabem às pessoas como ele. Ele também apontou maneiras para que pessoas superdotadas e autistas sejam apoiadas.
“Ainda temos muito a caminhar, pois sequer a educação básica funciona direito, mas um bom início é o governo municipal, estadual e mesmo federal criar projetos de inclusão e suporte para identificar crianças com deficiência e superdotadas, inclusive bolsas de estudo integrais para as excepcionais em inteligência, colocando as mais pobres nas melhores escolas, porque as públicas não têm qualquer preparo para isso. Se as famílias souberem das condições dos filhos, elas cuidarão muito bem deles”.
Ele também deixou uma mensagem aos pais que têm filhos com características de superdotação.
“Devem encaminhar para a neuropsicóloga, porque apenas um profissional qualificado pode identificar corretamente qual a condição da criança. Da minha parte, se fosse identificado desde pequeno, gostaria de ter o chamado Programa de Educação Individualizado (PEI), para que eu pudesse ser ensinado e me permitissem estudar da minha forma, pois as crianças superdotadas são autodidatas e capazes de consumir uma imensidão de informações que as outras não conseguiram. Forçar a ter uma educação igual a todas as outras crianças é querer jogar fora uma criança-prodígio e não existe melhor forma de manter um povo ignorante e controlado do que cortando a altura dos mais talentosos, deixando-os na mesma altura dos demais. Precisamos de educação especial. Cuidem bem dos seus pequenos”, frisou.
O jovem é uma das pessoas que se uniu à mãe de Rael, criança superdotada de apenas dois anos. Vanilde Reis em parceria com a neuropsicóloga, Marivânia Mota, pretende criar em Feira de Santana uma associação para pessoas superdotadas. A expectativa é mapear essas pessoas e levar mais cuidado, aceitação e informação para todos.
“Eu tenho expectativa de que tudo isso se realizará e que, se for para salvar pessoas e evitar que passem tantos anos perdidas como eu fiquei, podem contar comigo, porque “precisamos investir nos jovens de grande inteligência, já que eles andam por aí, antes prejudicados que beneficiados pelos dons que possuem”, disse Leonardo citando Carlos Drummond de Andrade.
Para além da inteligência e das peculiaridades de Leonardo, existe um jovem que ama muito ler, escrever e que não abre mão de estar sempre perto dos livros como tantos outros jovens. Nas horas vagas ele gosta de tocar violão, instrumento que aprendeu ainda na infância e também, de ver o pôr do sol com seu fiel skate. Ele joga videogames antigos e possui muitos fones de ouvido, que segundo ele, são típicos de pessoas autistas.
Atualmente ele está aprendendo mais sobre história. Buscar mais conhecimento é outro prazer que ele não deixa de lado. Para o futuro, ele pretende usar sua inteligência para ajudar pessoas, seja através da advocacia ou de tantas outras formas que sua mente brilhante pode pensar.
Metódico, antes de finalizar a entrevista, ele deixou uma mensagem de esperança.
“Não vou descrever como foi crescer dessa forma, porque é muito doloroso lembrar, mas aprendi que as pessoas autistas, deficientes, pessoas queer (LGBT), pessoas divergentes das regras sociais e minorias são como crianças cheias de cores que nasceram em um mundo cinza. As pessoas não gostam de nós, porque somos diferentes, então nos intimidam, humilham, agridem física, mental e emocionalmente, maltratam e machucam até as nossas cores sumirem.
Depois que perdemos nossas cores, temos que lutar para que a luz da vida não se apague dentro de nós, algo que chamamos de sobrevivência, além das lutas e conflitos que enfrentamos por nunca nos encaixarmos, apesar de sermos apenas crianças. A minha luz quase se apagou, mas eu sobrevivi e ainda estou aqui para realizar meus sonhos e contar uma história de sofrimento, persistência e acima de tudo, esperança: a minha história.
Eu sei que, um dia, em algum lugar, eu vou reencontrar as minhas cores. Meu nome é Leonardo Lago Carneiro e eu também sou filho da Princesa do Sertão! Essa é a minha palavra de esperança”, finalizou.
Quem quiser entrar em contato com Leonardo, basta enviar uma mensagem para o endereço de email: [email protected]
Matéria produzida com informações da jornalista Jaqueline Ferreira do Acorda Cidade
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