A Independência do Brasil é frequentemente lembrada pelo icônico “Grito do Ipiranga” em 7 de setembro de 1822, mas a história desse processo é muito mais complexa e rica do que a maioria dos relatos escolares sugere.
A Independência da Bahia, celebrada em 2 de julho de 1823, e os conflitos que se estenderam por meses após o famoso grito de Dom Pedro I, são exemplos de como a consolidação da soberania brasileira envolveu diversos interesses.
Para saber detalhes desse processo, desmistificando alguns mitos e analisando o verdadeiro impacto desses eventos na formação da nação brasileira, o Acorda Cidade conversou com a professora e historiadora Milena Assis.
De acordo com ela, a independência do Brasil foi uma negociação entre os membros da corte portuguesa e a elite agrária do Brasil, e não contou com a participação popular. Ela destaca a importância da Bahia nesse processo.
“Eu costumo dizer que foi um negócio de pai para filho, só que dentro desse contexto, a gente não pode dizer que a população teve participação. Um exemplo é a Bahia que em junho de 1822, já apresentava focos de revoltas em relação ao projeto de independência. Tanto que a independência da Bahia vai acontecer em 1823, quando o Brasil já era considerado independente. Porém, esse projeto de independência ainda não era aceito por Portugal. Então, a Bahia foi muito importante para concretizar o processo de independência do Brasil”.
A professora explica ainda por que houve um descompasso temporal entre a independência do Brasil, que ocorreu em 1822, e a da Bahia, quase um ano depois, em 1823.
Segundo ela, quando ocorreu a independência do Brasil, o foco estava na região Sudeste. Porém a Bahia era um polo muito importante para a economia e alguns portugueses que viviam no estado, não aceitavam esse processo de independência do Brasil.
“Não aceitando essa independência, eles passam a resistir, inclusive, chegando ao ponto de nomear como chefe das armas, um português chamado Madeira de Melo. Quando ocorre essa nomeação, é que começa a disputa entre os comerciantes portugueses e os donos de engenho, que eram colonos daqui da Bahia. Com isso, começam esses focos de revolta que vão sair de Salvador em direção às vilas, a exemplo da Vila de Cachoeira”, conta Milena.
Ela lembra que no dia 25 de junho, quando o imperador do Brasil é aclamado em Cachoeira, a cidade passa a ser considerada a primeira capital da Bahia, enquanto nação, já que Salvador estava tomada pelos portugueses, que só deixaram a Bahia de 1º para 2 de julho, que é quando a Bahia se torna, de fato, independente e o Brasil consolida o processo de independência.
Além da Bahia, a professora ainda cita o movimento negro como outro ponto de resistência para a independência do Brasil, já que os negros não faziam parte do projeto. Com isso, alguns movimentos negros lutaram, criando focos de resistência para que eles fossem incluídos nesse projeto de independência.
“Uma das coisas que a elite quis foi garantir a manutenção da escravidão, pois a escravidão era a base que sustentava a economia aqui do Brasil”.
Grito do Ipiranga
A professora destaca que o grito do Ipiranga, em 7 de setembro, foi algo construído para que houvesse uma história bonita para contar às pessoas. De acordo com ela, não houve uma batalha e não houve um grito.
“Na realidade Dom Pedro negociou com o pai, porque para eles, era importante que o Brasil continuasse, de certa forma, em mãos portuguesas. O Grito do Ipiranga vai se concretizar enquanto símbolo da independência do Brasil depois que ocorre a abdicação de Dom Pedro I. Quando ele abdica do trono, eles resgatam o 7 de setembro para a construção de um símbolo de nacionalidade. Até então o que era colocado como importante no processo de independência era o momento da coroação e da aclamação de Dom Pedro. Porém, quando ele abre mão do trono do Brasil, os colonos, com medo de ocorrer um retrocesso, puxam o Grito do Ipiranga do 7 de setembro como algo importante e simbólico para a concretização do projeto de independência do Brasil”.
E o que aconteceu após o 7 de setembro de 1822?
Após o marco do 7 de setembro, a professora Milena Assis explica que Dom Pedro assumiu o governo de forma centralizadora, onde outorgou uma Constituição sem a participação dos políticos, o que acaba gerando um quarto poder.
“Quando ocorre o projeto de independência, ocorre o pensamento liberal do iluminismo de liberdade, igualdade, fraternidade, e traz a questão dos três poderes que são o Executivo, o Legislativo e Judiciário. Para poder garantir o seu poder absoluto, Dom Pedro cria um quarto poder chamado de Moderador, que supera os outros poderes”, explicou.
Comparação da Independência do Brasil com outras colônias
Comparando com outras colônias que também lutaram por independência, como por exemplo a América Espanhola, a professora destaca que fora do Brasil houve muita luta, inclusive com derramamento de sangue. Enquanto no Brasil, não teve esse projeto de guerras.
“O grande diferencial é esse. A independência do Brasil foi negociada, foi acordada, enquanto as independências da América Espanhola foram lutadas. Inclusive, a gente toma como referência a independência do Haiti, que foi liderada por negros, e que também foi responsável por influenciar movimentos aqui no Brasil, como a Revolta dos Malês”.
A historiadora ainda fala sobre o verdadeiro legado da independência do Brasil para a nação, que na opinião dela, é a Independência da Bahia, já que foi a partir dessa independência que foi concretizado, de fato, a Independência do Brasil. Além disso, ela cita a participação das mulheres, a exemplo da feirense Maria Quitéria, de Maria Felipa e também de Joana de Angélica.
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade
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