Emprego

Lacunas no currículo ainda são vistas de forma negativa, indica levantamento; saiba como se reinventar

Um levantamento recente com 400 gestores revela que 61% dos entrevistados ainda enxergam as lacunas no currículo de forma negativa.

Foto: Divulgação
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No decorrer da vida profissional, as lacunas no currículo têm sido vistas como um sinal de alerta. Elas dizem respeito a períodos em que uma pessoa ficou sem trabalhar formalmente, seja por motivos pessoais, acadêmicos ou profissionais. Esse estigma, frequentemente associado a uma quebra na continuidade da carreira, pode ter consequências significativas para a empregabilidade e o progresso profissional de um indivíduo.

Um levantamento recente da Harvard Business Review com 400 gestores revela que 61% dos entrevistados ainda enxergam as lacunas no currículo de forma negativa. Esta percepção, enraizada em ideias tradicionais de comprometimento e confiabilidade, merece ser reavaliada à luz das complexas realidades do mercado de trabalho contemporâneo.

A penalidade para mulheres

Um dos aspectos mais preocupantes revelados pelo estudo é o impacto desproporcional que as lacunas no currículo têm sobre as mulheres. Muitas vezes, essas pausas são motivadas por responsabilidades familiares, como a criação de filhos ou o cuidado de parentes. No entanto, ao retornarem ao mercado de trabalho, essas mulheres enfrentam uma penalidade salarial de até 9% em comparação com suas colegas que não interromperam suas carreiras.

Essa disparidade salarial não é apenas uma questão de igualdade de gênero, mas também um reflexo das expectativas culturais e sociais que continuam a colocar o peso das responsabilidades familiares predominantemente sobre as mulheres.

O impacto dessa penalidade se estende além da remuneração. A retomada de carreira para essas mulheres muitas vezes vem acompanhada de desafios adicionais, como a necessidade de se atualizar com novas tecnologias ou práticas do mercado e a dificuldade de reintegrar-se a um ambiente profissional que pode ter mudado significativamente durante sua ausência. Essa realidade exige das empresas uma postura mais inclusiva e uma revisão de suas políticas de contratação, a fim de valorizar a experiência e as competências adquiridas em outras esferas da vida.

A desvantagem dos jovens profissionais

Os dados também indicam que os jovens profissionais, que estão em estágios iniciais de suas carreiras, são particularmente vulneráveis aos efeitos negativos das lacunas em seus currículos. Esses profissionais, que ainda estão construindo suas trajetórias e adquirindo experiência, podem ser vistos com maior desconfiança por empregadores quando apresentam períodos de inatividade. A falta de uma história robusta de realizações e de provas concretas de competência torna mais difícil para eles convencerem os recrutadores de seu potencial.

Essa realidade contrasta com a experiência dos executivos seniores, que conseguem mitigar o impacto das lacunas devido à profundidade e à extensão de suas carreiras. Profissionais em posições de liderança, como diretores e CEOs, têm à disposição um histórico vasto de resultados que lhes permite justificar pausas na carreira sem grandes prejuízos. No entanto, essa diferenciação sublinha uma questão fundamental: a dificuldade que os jovens profissionais enfrentam para construir uma narrativa convincente de suas capacidades e aspirações.

Pequenas e médias empresas: uma perspectiva diferente

Um aspecto interessante do estudo da Harvard Business Review é a observação de que as pequenas e médias empresas (PMEs) tendem a ser menos rígidas na avaliação das lacunas no currículo. Isso pode ser explicado, em parte, pela necessidade dessas empresas de serem mais flexíveis e adaptáveis em sua busca por talentos. Sem o mesmo acesso ao mercado de trabalho que as grandes corporações, as PMEs muitas vezes precisam adotar uma abordagem mais pragmática na contratação, valorizando a experiência prática e a adaptabilidade dos candidatos, em vez de seguir estritamente normas convencionais de continuidade na carreira.

Essa postura mais aberta pode representar uma oportunidade significativa para profissionais que buscam reinserção no mercado de trabalho após uma pausa. Ao adotarem uma visão mais ampla das habilidades e experiências dos candidatos, as PMEs podem oferecer o ambiente ideal para que esses profissionais voltem a demonstrar seu valor e potencial.

Nova abordagem para as lacunas no currículo

Diante dessas realidades, é essencial que empregadores e profissionais reavaliem como as lacunas no currículo são vistas e abordadas. A visão tradicional, que encara essas pausas como uma falha ou um sinal de falta de comprometimento, precisa dar lugar a uma perspectiva mais inclusiva e compreensiva. Atualmente, a mudança é constante e as trajetórias de carreira se tornam cada vez mais não lineares, cenário crucial para reconhecer que as lacunas no currículo podem representar oportunidades de crescimento, aprendizado e resiliência.

As empresas, por sua vez, devem considerar a implementação de políticas que valorizem a diversidade de experiências e que promovam a reintegração de profissionais que, por diversos motivos, precisaram pausar suas carreiras. Isso pode incluir programas de requalificação, apoio a profissionais retornando ao mercado e uma maior flexibilidade na avaliação de currículos.

Por fim, é importante que a sociedade como um todo entenda que o valor de um profissional não se mede apenas pela continuidade de sua trajetória, mas pela qualidade das experiências vividas e pelas competências adquiridas. Para aqueles que estão lidando com uma lacuna no currículo, algumas estratégias podem ser úteis para superar essa situação.

É recomendável destacar habilidades e qualidades desenvolvidas durante o período de pausa, como resiliência, adaptabilidade e capacidade de aprender rapidamente. Também pode ser interessante ser sincero sobre o motivo da lacuna, explicando de forma breve as circunstâncias e mostrando que foi um período de crescimento.

Valorizar experiências alternativas, como trabalhos voluntários, projetos freelance ou cursos de qualificação, pode ajudar a demonstrar que o candidato se manteve engajado e em desenvolvimento, mesmo fora de um emprego formal. Caso a pausa tenha resultado em uma mudança de carreira, isso pode ser apresentado como uma decisão estratégica, alinhada às novas habilidades e ao que se pretende oferecer em um novo papel.

Ao adotar uma abordagem mais humanizada e menos punitiva, estaremos contribuindo para um mercado de trabalho mais justo, inclusivo e preparado para enfrentar os desafios do futuro.

Virgilio Marques dos Santos

Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria
Foto: Isaque Martins

Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, gestor de carreiras, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.

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