Diante do aumento do número de denúncias envolvendo assédio moral eleitoral no país, as emissoras de rádio e televisão, em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), iniciaram na última terça-feira (25) a veiculação de mensagem de esclarecimento sobre a importância de combater e denunciar esse tipo de crime.
Na Bahia, O Ministério Público do Estado da Bahia e o Ministério Público do Trabalho na Bahia emitiram uma nota pública condenando a prática abusiva, de dar ou prometer vantagens em troca de voto, ameaçar ou coagir para influenciar os eleitores, crimes previstos nos artigos 299 e 301 do Código Eleitoral.
De acordo com a promotora do MPT em Feira de Santana, Juliana Corbal, o número de denúncias aumentou desde o 1º turno das eleições 2022. Na avaliação dela, a população está mais consciente e não consegue mais tolerar esse tipo de abuso por parte das empresas, órgãos públicos e até mesmo sindicatos.
Em entrevista ao Acorda Cidade, na manhã desta quinta-feira (27), ela esclareceu, de forma didática, as formas nas quais se configuram o assédio eleitoral. E citou como exemplo o inquérito civil instaurado contra a prefeitura do município, após denúncias de servidores sobre supostas práticas de assédio dentro do órgão público.
Confira a entrevista na íntegra:
Acorda Cidade – Em que consiste o assédio eleitoral?
Juliana Corbal – Estamos nos aproximando das eleições e é muito importante que as pessoas se conscientizem do que é o abuso, e não aceitem. O assédio moral eleitoral é uma prática abusiva e criminosa, e no âmbito das relações trabalhistas, configura uma violação à própria dignidade do trabalhador. Se ele for submetido a qualquer constrangimento com a finalidade de obter engajamento em uma campanha específica ou ato político específico, isso já configura assédio moral e eleitoral, e isso não pode ser aceito, tanto por terceirizados, empregados diretos, estagiários, candidatos a empregos, enfim, todas as pessoas que possam estar em determinado ambiente. É muito importante falar sobre isso, porque as denúncias têm aumentado em todo o Brasil, não apenas em Feira de Santana, e não só envolvendo empresas privadas, mas também órgãos públicos.
Acorda Cidade – O que é preciso para denunciar essa prática?
Juliana Corbal – As denúncias podem ser apresentadas de forma anônima e também caso a pessoa queria se identificar. Isso é facultativo. Elas podem ser apresentadas, por exemplo, no portal do Ministério Público do Trabalho (MPT), na internet através do site mp.br/pgt/ouvidoria. E as pessoas podem apresentar todas as informações que tiverem. O ideal, em uma situação dessa, é que apresente a maior quantidade de detalhes, como fotos, prints de conversas, tudo que puder para nos auxiliar, mas todas as informações que são prestadas ao Ministério Público do Trabalho, elas vão ser avaliadas e vão fazer parte de inquérito civil para que a gente possa verificar a veracidade ou falsidade das informações.
Acorda Cidade – Quais são as penalidades para os acusados de praticar o assédio eleitoral?
Juliana Corbal – Existem as penalidades no âmbito criminal, porque existe dentro do Código Eleitoral todos os tipos que são enquadrados como crimes eleitorais, então essa atuação é feita pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), que inclusive cabe reclusão em determinadas situações, mas do ponto de vista da atuação do Ministério Público do Trabalho, o que nós temos feito é buscar identificar a veracidade destas denúncias, para que uma vez identificadas, a gente busque imediatamente a cessação destas situações de assédio, a retratação imediata, e a gente tem atuado na conscientização, porque o simples fato de ser veiculada uma situação sobre essa, ainda que ela seja falsa, prejudica, porque as pessoas ficam em dúvida. E ao final, uma das coisas que pode ser buscada pelo órgão é a reparação civil pelas pessoas que estejam comprovadamente envolvidas em situações de assédio moral eleitoral. Elas podem pagar, sim, indenizações para a sociedade, em razão desta prática abusiva.
Acorda Cidade – Há alguns dias, um empresário do agronegócio da região centro-oeste da Bahia teve que firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público e se retratar por meio de um áudio, após pedir a funcionárias que colocassem o celular dentro do sutiã para fotografar o voto. Ele teve que pedir desculpas e vai pagar uma multa de R$ 150 mil.
Juliana Corbal – Esses casos estão aparecendo desde o 1º turno, de uma forma mais evidente agora, e acredito também que conscientização da população, as denúncias estão surgindo mais. Já houve desde o 1º turno assinaturas de TACs com diversos sujeitos, não apenas empresários, mas também sindicatos, que se excederam em suas atividades e que terminaram por constranger trabalhadores, no sentido de um posicionamento eleitoral. No caso mencionado, foi efetivamente assinado um TAC nos últimos dias e foi pactuado o pagamento desta indenização, em razão de ter sido configurada a lesão à sociedade. Então todos que sentirem qualquer tipo de constrangimento a uma obrigação, pressão, influência, orientação, no sentido de se posicionar, a uma manifestação política específica, se houver qualquer discriminação ou perseguição, ameaça de perda de emprego, mudança de setor, questionando qual seu voto, pedindo que participe de reunião, passeata, uso de uma camisa, e se a pessoa não se sentir à vontade com isso e não for sua orientação política efetivamente, o eleitor não pode ser constrangido ou obrigado a nada. Precisamos lembrar que os crimes eleitorais podem ser configurados independente se os patrões conseguiram atingir seu objetivo final, que seria o voto, ainda que o trabalhador não vote naquele candidato.
Acorda Cidade – O dinheiro da multa por danos morais coletivos vai para aonde?
Juliana Corbal – Esse dinheiro não fica com o MPT, é revertido em prol da sociedade. A cada situação são identificados entes sem fins lucrativos da região ou órgãos públicos que se envolvam com situações em prol da sociedade, que necessitem desse valor. É feito um mapeamento e os valores são revertidos para a comunidade. No caso específico do TAC no valor de R$ 150 mil a destinação do dinheiro foi para o Fundo do Trabalho Decente, que é um fundo criado por uma lei estadual, em que o MP também participa dos editais para acompanhar as pessoas que se colocam à disposição para fazerem os projetos. E a cada caso concreto, a depender da região, em Feira de Santana, por exemplo, é muito comum o MP destinar a entidades ou órgãos públicos locais.
Acorda Cidade – Essa prática de assédio, compra de voto, os coronéis sempre faziam. É uma prática antiga. O que mudou, que agora estão tendo mais denúncias?
Juliana Corbal – Eu acredito que as pessoas, no geral, estão tolerando menos os abusos, estão tendo consciência de que são ilegais, de que existe um limite. Existe um limite do exercício do poder diretivo, que o chefe tem nas atividades, no exercício dos próprios direitos individuais do trabalhador. No geral, as pessoas estão se conscientizando mais, não estão aceitando mais como antes e buscando os canais para comunicar e pedir ajuda. Além disso, as redes sociais estão possibilitando uma divulgação muito imediata dessas informações, e um abuso que é sofrido por um trabalhador acaba ganhando uma proporção muito grande. Então eu acho que esta é uma tendência geral. Lógico que, para isso, o MPT vai continuar atento e vigilante, as denúncias estão sendo apuradas, mas temos que dar a oportunidade dos denunciados se manifestarem com as provas que tiverem ao seu alcance, e possamos atuar da forma mais imparcial possível, não estamos aqui para focar em uma candidatura ou em outra, não tomamos parte. Seguimos a determinação constitucional de cumprir a lei e não vamos tolerar abusos de um lado e de outro.
Acorda Cidade – Em Feira de Santana, há muitas denúncias de assédio?
Juliana Corbal – Especificamente, em Feira de Santana recebemos, sim, como já foi veiculado, denúncias envolvendo a prefeitura. O município já está prestando informações, temos um inquérito civil em cursos para que eles possam informar e apresentar a sua versão dos fatos, sobre as situações que foram informadas. As investigações estão em curso e é importante que as pessoas saibam é que qualquer menção dessa possibilidade de assédio já cria um contexto de insegurança entre as pessoas. Se alguém souber de uma notícia dessa, desconfiem e denunciem. Se há informação de que um prefeito ou empresário esteja determinando que o empregado vote em determinado candidato, isso não pode ser tolerado pelas pessoas. Precisa ser denunciado, e a pessoa não deve se sentir ameaçada. O seu voto é secreto, vai ser feito de forma direta na urna, sem celular para gravar nada, e as pessoas não têm que identificar em quem você votou. Não forneça seu título de eleitor a ninguém, você não tem essa obrigação, inclusive porque isso é crime eleitoral, e não deixem que ninguém impeça que você vá à eleição, isso também pode ser configurado como crime.
Acorda Cidade – Qual o prazo de inquérito de assédio eleitoral?
Juliana Corbal – O prazo para finalização de um inquérito civil é regulamentar de 1 ano, então o que a prefeitura está fazendo é cumprindo os prazos que eu tenho fornecido, através do inquérito e estão apresentando todas as informações. Todos os prazos têm sido fornecidos de modo bem estreitos, para que antes mesmo da eleição possamos tirar as dúvidas e os esclarecimentos, para buscar inclusive que se for o caso, que a prefeitura adote medidas no sentido de corrigir essa conduta. Mas depois, não é porque passou a eleição, que essas questões se perdem, porque existe o que a gente chama de reparação, e por mais que os envolvidos no inquérito venham a se retratar ou não adote uma medida imediata, existe uma atuação do MP para que reparem qualquer dano.
Juliana Corbal – Este vídeo chegou ao conhecimento do Ministério Público do Trabalho, e nós já iniciamos uma apuração. É muito importante que todos saibam que nenhuma prática, seja de um lado ou outro, seja por sindicalistas, empresários, prefeituras, qualquer fato desta natureza podem ser tolerados. Precisamos entender o contexto, se ali são trabalhadores que fazem a gravação, por isso o MPT chega para identificar em que circunstâncias essa atuação se deu e se houve abuso.
Ainda de acordo com a promotora, todas as providências serão adotadas.
“Esse vídeo especificamente foi objeto de autuação e já foi distribuído dentro da Procuradoria do Trabalho do município de Feira de Santana e vamos adotar as providências com a rapidez que o caso exige, para evitar qualquer abuso, e no final de semana vamos realizar em todo o órgão no Brasil inteiro vamos realizar um plantão de forma presencial e qualquer trabalhador que tiver dificuldades e constrangimentos, que queira impedir seu direito de voto no domingo, deve ser denunciado. Além dos canais da internet, dos telefones, podem também no final de semana comparecer à procuradoria do trabalho de Feira de Santana para que possam efetuar sua denúncia, que pode ser feito de forma sigilosa anônima ou identificada. Haverá das 8h às 17h um plantão presencial no sábado e no domingo. A sede fica na Rua Francisco Martins da Silva, nº 204, no bairro Ponto Central, próximo ao Hotel Acalanto”, concluiu.
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