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Em tempos de pandemia do novo Coronavírus, que induziu o isolamento social por conta do seu alto contágio, professores e gestores da rede estadual vêm criando, voluntariamente, desde quando as aulas tiveram que ser suspensas, em março, alternativas pedagógicas para incentivar os estudantes à leitura, visando mantê-los ativos no seu processo de aprendizagem. Por meio das redes sociais (Instagram e Facebook) e do Google Classroom, os educadores dialogam sobre leituras essenciais e dão dicas de livros, incluindo os exigidos nas provas do Exame do Ensino Médio (Enem).
Com a impossibilidade de realizar, este ano, a tradicional Festa Literária do Colégio Estadual Rotary, gestores e professores da unidade escolar, situada no bairro de Itapuã, em Salvador, optaram pela produção do e-book “Poesias em tempos de pandemia”. “A ideia do e-book surge como uma oportunidade para refletirmos sobre este momento histórico tão difícil em todo o mundo, com questões sociais que, abruptamente, emergiram em nossa sociedade, e abrirmos um espaço para os estudantes exporem suas emoções através da arte poética”, ressaltou o diretor Erweuter Volkart. No final de março, recorda o gestor, foi criada a ação virtual “Espalhe poesia e não pandemia”, por meio da qual os estudantes recebiam dicas de leituras e produziam textos a partir desses focos de inspiração.
Dentre as dicas de leitura destacam-se “A revolução dos bichos”, de George Orwell, escrito durante a II Guerra Mundial, que retrata um movimento de revolta dos animais de uma fazenda contra seus donos e ao próprio sistema no qual estão inseridos. “A obra é uma crítica ferrenha aos governos extremistas e às formas de dominação e poder que atingiram a sociedade daquela época, mas que ainda continuam muito atuais”, comparou Erweuter. O educador cita, também, “Mulheres que correm com lobos”, de Clarissa Pinkolas Estés, “que convida o leitor a refletir, de maneira suave e bastante lúdica, sobre como os arquétipos femininos, formados a partir de lendas e da imposição de uma sociedade patriarcal, ocupam lugares de relevância no nosso cotidiano, ainda que não demos conta disso”.
A professora Denise Dias de Carvalho Sousa, de Língua Portuguesa e Redação do Centro Territorial de Educação Profissional (CETEP) em Gestão e Negócios Professora Felicidade de Jesus Magalhães, localizado no município de Jacobina, conta que, atualmente, está trabalhando a XVII Gincana de Leitura com os estudantes dos cursos técnicos de Administração e de Informática, a partir da leitura de obras literárias. “Já passamos pela primeira tarefa, intitulada Youtuber Literário, com a produção de um vídeo para divulgar os livros lidos no Youtube, compartilhando, assim, os saberes e os sabores das obras. Temos outras tarefas, como a Fanfiction, que corresponde à criação de produções textuais colaborativas, no espaço digital Spirit Fanfics, e a Literaturando,que tem o objetivo de desenvolver competências de leitura e escrita exigidas no âmbito da Língua Portuguesa, da literatura e da redação no Enem e vestibulares, a partir do Google Formulário”.
A educadora oferece dicas de leituras para dar suporte às tarefas da gincana. Para quem pretende realizar o vestibular da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), por exemplo, ela sugere as leituras de “Além de estar”, de Helena Parente Cunha; “A morte e a morte de Quincas Berro d'Água” e “Tenda dos Milagres”, ambas de Jorge Amado; “Essa terra”, de Antônio Torres; “O desterro dos mortos”, de Aleilton Fonseca; e “O Largo da Palma”, de Adonias Filho”. “Essas leituras servirão, também, para o Enem e, sendo assim, acrescento “Memórias póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro”, de Machado de Assis; “Estrela da vida inteira”, de Manuel Bandeira, e “Alguma poesia” e “Poesia completa”, de Carlos Drummond. E para o momento atual, de situações adversas criadas por questões políticas, recomendo a leitura de alguns clássicos,tais como “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago; “1984”, de George Orwell; e “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury”, enumerou.
O professor de Língua Portuguesa, Literatura e Sociologia, Marcos Bispo, do Colégio Estadual Félix Mendonça, em Itabuna, também tem procurado manter o incentivo à leitura entre os estudantes e, como primeira sugestão, ele indica o clássico “Os sertões”, de Euclides da Cunha. “Porque esta obra define a identidade do povo brasileiro. Traz o contraste do Brasil oficial e o Brasil real, como dizia Machado de Assis. O Brasil oficial que vem cheio de preconceitos e desconhecimentos para Canudos, no norte da Bahia, e lá encontra o Brasil real de Antonio Conselheiro, do povo sertanejo que, como bem disse Euclides, antes de tudo é um forte. Ali, século XIX, a gente já percebe claramente o contraste dos dois Brasis”, justifica.
Outra dica do professor Marcos é o romance “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto. “Ele foi um escritor negro, incompreendido, algumas vezes internado em sanatórios e que só foi descoberto como gênio após a sua morte. Através do protagonista, ele revela alguém que luta para firmar uma identidade brasileira diferente da que estava sendo imposta pela colonização europeia. Luta, inclusive, para permanecer a língua indígena como língua materna do povo que nasceu aqui. Policarpo mostra como o Brasil foi injusto com seus povos nativos”. Uma terceira dica, sugere, é “Macunaína”, de Mário de Andrade. “O autor traz toda a ironia dos modernistas da Semana de Arte Moderna e a figura do anti-herói que consegue se desvencilhar do padrão europeu e consegue sobreviver graças à sua criatividade e brasilidade”, avalia.