Educar e formar um cidadão para viver em sociedade se constituem um grande desafio para os dias atuais. Dar amor, ensinar, proteger são, sem dúvida, ações esperadas de todo aquele que é pai, mãe ou cuidador de uma criança.
Mas, quando o assunto é corrigir e punir as crianças, as divergências afloram entre os que ainda defendem o castigo físico, a palmada, e aqueles que prezam por uma comunicação mais afetiva e não violenta como forma de ensino.
Nos últimos dias, o assunto ganhou fôlego, sobre os limites que devem ser impostos aos pais e cuidadores na hora de corrigir uma criança, após um vídeo circular nas redes sociais em que mostra um homem agredindo suas filhas pequenas em uma praia de Salvador, após umas delas ter se perdido entre os banhistas. As imagens chocaram o Brasil e levantou reflexões sobre a cultura da agressão como pedagogia.
De acordo com a neuropsicóloga, Kátia Susi Alves, de Feira de Santana, a agressão física é tudo aquilo que imprime força, dor e sofrimento, e toda forma de punição que resulte nesse aspecto gera um entendimento equivocado por parte da criança de que aquela atitude é natural, quando não é.
“A gente acaba promovendo maior vulnerabilidade para esta criança, baixa autoestima, depressão, ansiedade. Como é que você tem um ambiente que deve ser protetivo, pais que devem proteger a integridade da criança, e esses mesmos pais são agressivos, são violentos? (…) Se o lugar que é de proteção, é o local de agressão, o que você vai esperar do meio que você vive, do ambiente, da escola que você vive?”, questionou a profissional.
De acordo com ela, a violência física, a exemplo da palmada e do grito, causam impactos na formação da criança e do adolescente.
“Com certeza são impactos. Se um local que protege, acaba sendo também um local de vulnerabilidade, um local de violência, e não de proteção, o que essa criança vai esperar do meio? De repente, ela está sofrendo violência na escola, pode estar sofrendo bullying , violência sexual e na cabeça dela pode estar sendo desenvolvido como algo normal, que é natural, porque a criança acaba desenvolvendo a crença de desvalor também. Qual o valor que essa criança vai ter para os pais, que devem educar e proteger, amá-las, mas ela está sendo violentada, então olha a seriedade e o impacto que essa violência tem”, observou.
Conforme Kátia Susi, o Brasil ainda tem uma cultura muito forte de que a forma de educar é a partir da agressão, a partir dos tapas.
“Apesar de haver uma lei de proteção para a criança e o adolescente, ou seja, aqui no Brasil é crime a violência física, ainda existem muitos defensores desta violência e muitos defendem dizendo que já apanharam e hoje é são pessoas do bem, é uma pessoa boa, virou homem porque apanhou, mas o que seria de você que apanhou, que sofreu violência no ambiente onde você deveria ter proteção e educação, se você não tivesse apanhado? Então as pessoas ainda defendem a agressão e reforçam ainda mais a agressão por terem passado por isso. A agressão nunca foi uma forma de educar, e a gente precisa trabalhar mais sobre a comunicação não violenta”, defendeu a neuropsicóloga.
Ela destaca que o caso que aconteceu na praia trouxe à tona a discussão, pois quando estes casos acontecem, falar sobre isso vai ser sempre relevante.
“A gente não pode ler o que aconteceu e trazer isso como as pessoas estão trazendo e reforçando a violência nas redes sociais. Como é que a gente vai tratar um crime, tratar uma violência ou discutir sobre ela, trazendo-a à tona. Então a comunidade, lamentavelmente, sempre nesses casos acaba gerando mais violência, xingando a pessoa, recriminando, dizendo que tem que tomar a criança. Mas não sou eu que vou avaliar o papel deste pai, até porque este pai tem condições de manter as crianças sob a sua guarda. Mas o que ele fez foi sério, foi uma violência, choca a gente, só que eu não posso afirmar que é uma pessoa que não tem condições, porque todo mundo em algum momento perdeu o seu controle”, afirmou.
Diálogo
A neuropsicóloga ressaltou a importância de dialogar, pois muitos pais hoje também vieram de um ambiente de agressividade.
“Eles aprenderam que educar é a partir do tapa, é a partir da agressão. Só que eu como pai e como mãe, eu preciso me render. Se não estou preparada para educar uma criança, devo procurar ajuda. Tem vídeos na internet, tem pessoas na sua família que são exemplos de educadores de crianças e adolescentes, procure um psicólogo, um grupo de ajuda. Se você não tem condições, se você está em uma situação que você se percebe como diferente, como incapaz de lidar com as dificuldades e os desafios, que é de educar um adolescente e uma criança, então procure ajuda. Se você está numa situação de desequilíbrio emocional, até porque na nossa sociedade, muitos de nós estamos de fato adoecidos, então se você está adoecido e se você está sobre a responsabilidade de cuidar de uma criança de um adolescente é mais um grande motivo para você procurar uma ajuda, buscar um tratamento, e o meio normal que a gente deve buscar de fato é um diálogo”, sustentou.
Compensação
De acordo com a neuropsicóloga, a educação não pode, contudo, se basear em extremos, a exemplo de crianças que possuem tudo o que querem sem nenhum esforço.
“As crianças nos dias de hoje recebem muitos benefícios sem um merecimento. Quando foi que você teve uma bicicleta, foi na praia, então a criança tem que ganhar por merecimento. Os pais têm a obrigação de educar e dar amor à criança, mas hoje a gente dá as coisas muito facilitadas para a criança. No bom comportamento, dê um benefício que ela merece, mas a gente foca nossa educação no castigo ao que fez de errado. Então se fez algo bom, elogie essa criança, abrace, beije, diga que ama, diga parabéns pelo que fez, parabéns pelo seu comportamento, parabéns por ter estudado no horário combinado. A gente precisa focar muito nas coisas boas, em vez de focar nas coisas erradas”, pontuou.
Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade
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