Na última semana de outubro, uma série de elementos ligados ao Halloween – como abóboras, fantasmas e decorações sombrias – ganha força em lojas, escolas e nas redes sociais no Brasil. Para além de uma mera festividade divertida, o sucesso do Halloween no país destaca aspectos culturais e históricos, os quais, como explica o doutor em História Comparada e professor da Estácio, Rodrigo Rainha, refletem uma complexa relação de poder e influência cultural entre nações.
Desde a Segunda Guerra Mundial, o Brasil, como muitos países, foi progressivamente influenciado por elementos da cultura norte-americana. O professor Rodrigo Rainha pontua que, com a disputa entre potências mundiais após 1945, a hegemonia cultural dos Estados Unidos acabou se enraizando globalmente, gerando uma intensa circulação de produtos e práticas.
“Datas comemorativas, como o próprio Halloween, e até formas de comemorar o Natal e aniversários, tomaram formatos distintos no Brasil em comparação ao passado”, afirma Rainha, ilustrando a assimilação cultural promovida pela influência norte-americana.
A massiva penetração desses elementos estrangeiros, para Rainha, é uma forma de “dominação cultural”, onde um modelo externo é absorvido em detrimento das tradições locais. Ele alerta que, em muitos casos, o Halloween no Brasil atua como um “apagamento” do folclore nacional. No entanto, o professor pondera que essa apropriação não deve ser vista de maneira simplista: “Se essas misturas servem para refletirmos sobre trocas culturais e pontos de encontro, ótimo. Mas, se resultarem em uma fragilização da nossa própria identidade, como disse Nelson Rodrigues, caímos no ‘complexo de vira-lata’”.
Por que não conquistamos o mesmo espaço?
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O Brasil possui um rico folclore, com personagens como a Cuca, o Saci-Pererê e o Curupira. No entanto, essas figuras encontram dificuldades em competir com personagens importados, como bruxas e zumbis. Para Rodrigo Rainha, essa realidade é fruto de um “processo histórico de negação do brasileiro”. Durante décadas, elementos culturais locais, como o samba e o cinema nacional, foram subestimados e até mesmo ridicularizados. “Ainda hoje, é comum ouvirmos que a indústria cultural nacional não presta. Esse é um reflexo de uma postura de desvalorização do que é nosso, vista com frequência nas críticas ao cinema e à música brasileira”, diz o professor.
Rainha argumenta que, embora o folclore brasileiro tenha raízes profundas e significativas, ele é muitas vezes considerado “atrasado” em comparação com elementos externos, que recebem uma aceitação quase automática. Assim, enquanto personagens como o Saci e o Curupira trazem um imaginário local, acabam eclipsados pela influência cultural dos Estados Unidos.
Outro ponto destacado por Rainha é o papel das escolas e da mídia na popularização do Halloween. A utilização de livros e cursos de inglês, onde datas como o Halloween são abordadas, despertou a curiosidade das crianças e as inseriu nesse universo desde cedo. “As crianças veem as imagens de Halloween e se interessam, e isso se soma à própria mídia, que divulga essas datas, criando um círculo que ajuda na expansão da data no Brasil”, pontua o professor.
Além disso, a comercialização do Halloween e o incentivo das grandes empresas à data colaboram para seu sucesso, fortalecendo uma representação estrangeira que raramente acontece com o folclore nacional. Rodrigo Rainha vê nisso um padrão preocupante de “substituição cultural”, onde expressões locais são trocadas ou esquecidas, passando a ser vistas como menos relevantes ou atraentes.
Reflexão crítica e revalorização do folclore
Embora não critique diretamente a comemoração do Halloween, Rainha enfatiza a necessidade de um olhar crítico: “A questão não é proibir a celebração do Halloween, mas aproveitar a ocasião para refletir sobre nossas trocas culturais e sobre como mantemos vivos nossos próprios mitos e lendas”. Ele sugere que o folclore brasileiro também poderia ser revitalizado com a mesma atenção e cuidado dedicados às festividades importadas.
Com um olhar atento, é possível reconhecer o valor dos elementos culturais locais e compreender como eles moldam nossa identidade. Rainha cita o exemplo do cantor Raul Seixas, que explorava em sua música influências do rock norte-americano e da música nordestina brasileira. Em sua visão, existe um “diálogo possível” entre culturas, mas é essencial que esse diálogo não apague nossas raízes, e sim as enriqueça.
Para Rodrigo Rainha, o segredo está em celebrar a diversidade com uma postura de resistência: “Nosso folclore é vivo e reflete quem somos. Por isso, é fundamental manter um olhar crítico e valorizar aquilo que constitui a nossa cultura. Afinal, apenas quando reconhecemos e preservamos nossas próprias histórias é que podemos realmente celebrar o encontro com o outro”.
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