Sobrevivência

Treino na selva obriga aeromoça a respirar fumaça e matar galinha

Aula de sobrevivência é obrigatória para comissário; modelo chora ao ter de degolar galinha e aluna come barra de cereal escondido

Acorda Cidade

São quatro e meia da manhã de sábado e 217 jovens partem em seis ônibus de São Paulo para Juquitiba, a 70 quilômetros da capital, com apenas água, sal e açúcar na mochila. Eles têm um sonho em comum: ser comissários de bordo. Para isso, terão que enfrentar um dia inteiro de uma aula prática de sobrevivência na selva organizada pelo Centro Educacional de Aviação do Brasil (Ceab). Eles terão que matar e limpar galinhas, fazer armadilhas de caça, respirar fumaça e apagar chamas de quatro metros de altura.
O treinamento parece um “déjà vu” do filme “Tropa de Elite”. A tatuagem de caveira no braço identifica que um policial do Comando de Operações Especiais (Coe), a versão paulista do Bope, é quem ensina a fazer fogo na selva e as noções de primeiros socorros. “Não vim aqui para fazer amigos. Então me chamem de instrutor Cardoso”, se apresenta. Os professores preferiram não informar seus nomes completos.

Barra de cereal escondida

Os alunos são divididos em grupos e recebem um boné com um número, que substitui durante todo o dia o seu nome. “214, você foi anotada. Sabe por que, né?”, diz o instrutor Everaldo. A estudante burlou a regra do jejum e comeu escondido uma barra de cereal. Foi denunciada por uma colega e seu grupo perdeu pontos. “Eu estava com fome e resolvi comer. É melhor do que ser a X9 (dedo-duro)”, disse. A punição aos alunos desobedientes é uma prova de recuperação, que pode reprová-los do teste.

O rigor dos instrutores e de ex-alunos que fazem “bicos” como monitores do curso acabou com o clima de excursão do treinamento. A primeira contagem de pessoas, quando cada participante diz o seu número, do 1 ao 217, foi seguida de um grito de “uhu” e muitos aplausos. “O que é isso? Estamos fazendo um treinamento para adultos. Um de vocês pode estar no voo de um filho meu”, disse o dono da escola e ex-comissário da Varig, Salmeron Cardoso.
Deysielle dos Santos, de 19 anos, fez cena quando foi escolhida para carregar uma galinha durante o dia. A estudante rapidamente segurou o animal quando soube que o grupo perderia nota se ela recusasse a tarefa. “Nunca tinha visto uma galinha de verdade. Só na televisão”, diz.

A tarefa dada à Deysielle foi fácil perto da que foi ordenada à modelo Pâmela Carvalho. Aos prantos, ela precisou degolar uma galinha. “Não acho certo matar um animal assim, de graça”, disse a aluna, visivelmente abalada. Pâmela, ao menos, foi poupada de beber o sangue, missão cumprida por outros três estudantes.

Fogo e água

Se a morte do animal foi o que mais chocou a modelo, os exercícios na água foram os que mais perturbaram os estudantes. Os alunos atravessaram de uma margem para a outra puxando uma corda e fizeram bóias com calça jeans. Algumas pessoas não sabiam nadar e entraram em estado de choque, mas, ao saber que teriam que refazer o curso para concluir o curso de comissário, enfrentaram o medo e concluíram as atividades.

Outro momento dramático foi quando os alunos tiveram que entrar em uma sala escura cheia de fumaça. Só poderiam sair se respondessem corretamente três perguntas sobre o setor aéreo. “É fumaça demais. Você não consegue respirar”, diz a vendedora Quelza Mattos, de 28 anos.

O treinamento na selva é obrigatório pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e deve preparar os comissários e pilotos sobre como proceder em caso de acidentes aéreos. Durante o curso, alguns alunos chegaram a comentar que as lições para nada serviriam, pois, em geral, todos os passageiros e tripulantes morrem.

Foi o que aconteceu nos mais recentes acidentes aéreos do Brasil – a colisão do Airbus da TAM no aeroporto de Congonhas, a queda do Boeing da Gol no meio da Floresta Amazônica e do Airbus da AirFrance na costa brasileira.

Mas há exceções. No Brasil, um problema de orientação fez com que um avião da Varig ficasse sem combustível e caísse na Floresta Amazônica, no Mato Grasso, em 1989. Os 41 sobreviventes tiveram que aguardar o resgate por três dias na selva.

Primeiro degrau

O Ceab é conhecido no mercado de aviação pela sua metodologia militar. O dono da empresa, Salmeron Cardoso, ex-comissário da Varig, foi apelidado de Hitler por ex-alunos. “No setor aéreo, as hierarquias são muito fortes. Queremos preparar o aluno para isso”, diz.

Foi justamente para passar noções de disciplina que a escola incluiu um novo exercício no programa. Na atividade batizada de “porquinho”, os jovens foram obrigados a rastejar na lama.

“Achei o curso ótimo. Se o avião cair numa selva, teremos que fazer tudo isso e muito mais”, diz a aluna Tatiane Sardinha. Mas nem todos encararam desta forma. “Eu paguei para estar aqui e me empurraram na lama”, reclamou outra estudante.

O treinamento só acabou às 20h. Ao final, estavam sujos, molhados, exaustos e com fome. Para se tornarem comissários, eles ainda terão que fazer uma prova na Anac e procurar emprego. No final, só metade vestirá o uniforme de comissário. As informações são do IG

Foto: Marina Gazzoni/ iG 

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