A resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), vigente desde 26 de maio de 2023, determina o fechamento gradual dos manicômios judiciários no Brasil, suspendendo a entrada de novos pacientes a partir de agosto deste ano, exigindo o fechamento de todos os estabelecimentos até maio de 2024.
A política antimanicomial foi instituída pela lei 10.216 em 2001, e propõe a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. A especialista em Direito Previdenciário, Sindy Mayanna Mascarenhas de Carvalho, conversou com o Acorda Cidade sobre o objetivo da medida que atinge pessoas com problemas de saúde mental e diversos hospitais do país.
“O objetivo principal é vetar as instituições com características asilares, por isso a determinação do fechamento gradual dos hospitais de custódia e o uso do tratamento ambulatorial em serviços comunitários e na rede de atenção psicossocial do SUS”, disse.
A especialista também explicou como as políticas antimanicomial surgiram no Brasil.
“A fonte inspiradora dessas ideias foi um psiquiatra chamado Franco Basaglia. Ele revolucionou a década de 60 em uma cidade da Itália com abordagens de reinserção do paciente psiquiátrico na comunidade. Com o retorno à vida social, em vez de isolamento, choques elétricos que eram praticados na época. Então, com essa nova forma de tratamento, que alcançou saldos positivos, a Organização Mundial da Saúde a partir de 1973 passou a recomendar essa nova forma de tratamento que é mais humanitário e como essas discussões chegaram ao Brasil, os profissionais começaram a denunciar na época a degradação humana que acontecia nesses hospitais psiquiátricos”, explicou a advogada ao Acorda Cidade.
A partir dessas denúncias, surgiu o Movimento Antimanicomial. Segundo a especialista, em 1999, o deputado Paulo Delgado submeteu o projeto de lei 3.657 e a emenda era justamente a extinção progressiva dos manicômios e a sua substituição por outros recursos assistenciais, como a regulamentação de internação psiquiátrica.
“Essa lei veio para redirecionar o modelo assistencial e não proibiu internações hospitalares, então essa lei de 2001 apenas deixou claro que a internação seria indicada como um recurso extra-hospitalar, se esse não se mostrasse suficiente e ela previu internações. A involuntária e a compulsória, que é aquela determinada pela justiça”, reforçou.
De acordo com o último relatório de dezembro de 2022 realizado pela Secretaria Nacional de Políticas Penais, foi apontado um número de 832.295 pessoas presas no país, destas 1.869 estão internadas em medida de segurança nos 27 hospitais de custódia que existem no país.
Sindy Mayanna explicou que com a nova resolução, uma junta médica será formada com membros do Ministério da Saúde do CNJ com a missão de avaliar todos os presos e reavaliar os processos.
“A fim de reavaliar a possibilidade da extinção da medida que está em curso ou a progressão para o tratamento ambulatorial em meio aberto ou a transferência para estabelecimentos de saúde adequados, então eles que vão fazer essa filtragem e decidir”, pontuou.
Um desses locais que poderão tratar esses presos são os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Sindy trouxe algumas problemáticas relacionadas a estrutura desses órgãos.
“Tanto física, quanto de profissionais vai precisar de estrutura para absorver mais essas pessoas para continuidade dos tratamentos, por isso o Ministério da Saúde está prevendo o investimento de 21 milhões ao ano para atendimento dessas pessoas que sofrem com transtorno mental e necessidade de acompanhamento, que vão ficar em centros de residências terapêuticas para continuidade do tratamento”, afirmou.
Neste caso, a Rede de Atenção Psicossocial composta pelos Caps, pelos Serviços residenciais terapêuticos, os centros de convivência e cultura, unidades de acolhimento e os leitos de atenção integral serão responsáveis por abraçar esses pacientes.
“Essa resolução determina que a medida de internação só será implementada em medidas excepcionais se for prescrita pela equipe médica, então ela não será mais em nenhuma instituição com característica de asilo, vai ser no caso no leito de saúde em algum hospital”, explicou.
A oportunidade de qualificar a Rede de Atenção Psicossocial e ampliar o financiamento das Políticas Públicas na saúde mental para redirecionar as estratégias de institucionalização são alguns pontos favoráveis apresentados pelo Conselho Federal de Psicologia, mas a especialista aponta alguns problemas que ainda existem em torno do fechamento dos manicômios.
“Para acabar com o local que trata as pessoas, seria necessário acabar com as doenças e isso não vai acontecer. A política de saúde mental atual ela já não consegue atender a população brasileira, então seria adequado tratar as pessoas que cometeram crimes no mesmo local em que se tratam outras pessoas com ansiedade, depressão, eu entendo que a resolução se mostra precipitada”, disse.
Além disso, Sindy destacou durante a entrevista ao Acorda Cidade que o Conselho Federal de Medicina se posicionou contra o fechamento dos hospitais de custodiados, assim como a Associação Brasileira de Psiquiatria, a Associação Médica Brasileira, a Federação Nacional dos Médicos e a Federação Médica Brasileira.
“Não é fechando os locais especializados, que recebe pacientes com transtornos mentais e os colocando em outros estabelecimentos com enfermos das mais diversas características que seriam atitudes salutares. Além de colocar a segurança e a saúde dos pacientes, esse modelo estende o prejuízo para os familiares, a população em geral que vai ficar à deriva da assistência e do tratamento de transtornos mentais adequados para quem precisa. Por isso, existem hoje reações políticas, como dois projetos de decretos legislativos, tanto no senado quanto na câmara, na tentativa de suspender eficácia dessa resolução do CNJ”, esclareceu.
Com informações do repórter Paulo José do Acorda Cidade
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