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Agência Brasil – O número de crianças brasileiras de 5 a 13 anos de idade que sofreram acidentes graves enquanto desempenhavam alguma atividade que pode ser classificada como trabalho infantil aumentou em 30% entre 2019 e 2020.
Dados atualizados do Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil, divulgados hoje (17), apontam que as ocorrências registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, saltaram de 83, em 2019, para 108 notificações em 2020.
O resultado do ano passado é o pior registrado desde 2007, superando as 104 notificações de 2011.
O mais preocupante, na avaliação de especialistas, é que o resultado não representa a real dimensão do problema, já que a subnotificação é um dos aspectos inerentes ao trabalho infantil, destacou o subsecretário de Pesquisa e Desenvolvimento da Secretaria de Pesquisa e Análise de Informações do Ministério Público do Trabalho (MPT), o procurador Luis Fabiano de Assis.
“A necessidade de políticas públicas baseadas em evidências é clara. Nosso [do Observatório] objetivo é maximizar a possibilidade de uma decisão de política pública de alocação de recursos, priorização, enfrentamento, combate, prisões, atuação do Estado e da sociedade civil, e de todas estas ações serem efetivas”, disse Assis ao justificar a importância dos dados reunidos pelo projeto conjunto do MPT e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Mais de 30% das denúncias de trabalho infantil que chegam ao conhecimento das autoridades públicas por meio do Disque Direitos Humanos (Disque 100) dizem respeito ao trabalho infantil doméstico. Cerca de 15% tratam do aliciamento de crianças e adolescentes pelo narcotráfico.
Já a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos indica que, entre 2012 e 2018, houve uma média de 6.459 protocolos de denúncias anuais de exploração do trabalho infantil. Em 2019, este número caiu para 4.246. Em 2020, mais uma queda e o registro de 2.371 denúncias.
"É necessária uma avaliação mais profunda. Talvez, tenhamos aqui uma tendência à subnotificação, como está acontecendo em relação aos casos de violência em geral contra crianças e adolescentes, considerando o distanciamento que esta criança teve da escola devido à pandemia", afirmou o secretário dos Direitos da Criança e Adolescentes, Maurício Cunha.
Jovens
Entre adolescentes de 14 a 17 anos com vínculo empregatício, foram registradas, em 2020, 556 notificações de acidentes de trabalho em geral (e não apenas graves), de acordo com o Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil,. Menos da metade das 1.202 ocorrências de 2019.
Para Assis, contudo, a redução não é resultado de medidas para assegurar a integridade dos aprendizes.
“Com o fechamento de empresas [devido à pandemia], houve uma redução do número de postos de trabalho. Talvez o número destas notificações tenha diminuído devido à redução [dos postos de trabalho em] que os adolescentes se expõem [aos riscos]”, disse o subsecretário, afirmando que, no geral, os resultados compilados pelo observatório em 2020 são piores que os de 2019.
“Não podemos esperar que quase nenhum dos dados tenha melhorado [em 2020] durante a pandemia, com exceção, talvez, dos de acidentes de trabalho [gerais] no setor formal”.
As informações compiladas pelo observatório também revelam que, entre 2012 e 2020, ao menos 46 adolescentes regularmente contratados morreram em consequência de acidentes de trabalho. Três destes óbitos ocorreram em 2020. Um, em 2019. O pior resultado do período, no entanto, ocorreu em 2012, quando 12 adolescentes perderam a vida trabalhando.
Um em cada cinco dos 18,8 mil acidentes envolvendo jovens de 14 a 17 anos com vínculo empregatício entre 2012 e 2020 foi causado por veículos de transporte (21% do total). Em seguida, vem a operação de máquinas e equipamentos (18%), tombos (13%), mobiliário e acessórios (10%), agente químico (9%), ferramentas manuais (8%), quedas de altura (7%), motocicleta (6%), entre outras causas.
Entre as atividades econômicas que mais causaram acidentes entre adolescentes figuravam o comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios – hipermercados e supermercados (21%), restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas (9%) e serviços de assistência social sem alojamento (4%).
As informações podem ser consultados na plataforma SmartLab.
Prejuízos
Durante o seminário digital que o MPT realizou esta manhã para apresentar os resultados, o secretário Nacional dos Direitos da Criança e Adolescentes, Maurício Cunha, afirmou que o ingresso precoce no mercado de trabalho de forma indevida, sem acompanhamento, oferece consequências que vão além dos riscos à integridade física.
“Além de reproduzir o ciclo de pobreza familiar, o trabalho infantil prejudica a aprendizagem, quando não a tira [a criança ou o adolescente] da escola e a torna vulnerável, em diversos aspectos, incluindo saúde, exposição à violência, assédio sexual, esforços físicos intensos, acidentes, entre outros. Quanto mais precoce a entrada no mercado de trabalho, menor é a renda obtida ao longo da vida adulta”, comentou o representante do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, afirmando que o trabalho infantil perpetua “os altos níveis de desigualdade social”.
No mesmo sentido, a secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa de Oliveira, falou sobre o desafio de o Estado brasileiro oferecer às famílias condições de manter as crianças estudando e em segurança integral “em meio a um cenário nada otimista”.
“Além do desafio de incluir as crianças que já não estavam [matriculadas] nas escolas, temos agora que [resgatar] aquelas que se afastaram em consequência da exclusão digital e das dificuldades familiares. Esta será uma estratégia importante para enfrentarmos o trabalho infantil”, destacou Isa, enfatizando que a pobreza é uma causa estrutural do trabalho infantil que só pode ser enfrentada com políticas de proteção social à população.
“Temos que estabelecer um patamar de compreensão e de consenso de que o trabalho infantil e seu aumento não acontecem por acaso. Isso resulta de decisões políticas, de omissões, que levam e motivam o agravamento desta violação aos direitos humanos e fundamentais de crianças e adolescentes. É necessário exigir a efetiva implementação de políticas públicas [de assistência]”, disse a secretária.