Brasil

Justiça de Cabo Verde anula sentença de velejadores brasileiros

Data de soltura ainda não pode ser prevista, dizem advogados

Acorda Cidade

Agência Brasil – A Justiça de Cabo Verde anulou a decisão que condenava três velejadores brasileiros a 10 anos de prisão por tráfico internacional de drogas. Daniel Felipe da Silva Guerra, Rodrigo Lima Dantas e Daniel Ribeiro Dantas estão detidos há 16 meses, na Cadeia Central de São Vicente, no país africano. A decisão foi tomada na última terça-feira (15).

Os três velejadores foram detidos em agosto de 2017, enquanto faziam uma travessia pelo Oceano Atlântico. Eles saíram do Brasil com destino ao Arquipélago dos Açores, em Portugal, mas tiveram a viagem interrompida ao fazer uma parada na cidade de Mindelo, após as autoridades cabo-verdianas encontrarem mais de uma tonelada de cocaína escondida no veleiro. Os brasileiros e o capitão francês Olivier Thomas, que também estava a bordo da embarcação, alegam ter sido incriminados injustamente.

O advogado Paulo Oliveira, que representa Daniel Guerra e Rodrigo Dantas pelo escritório Eliana Octaviano, afirma que a decisão não garante que os três possam deixar a unidade prisional de imediato. "A desembargadora não fez reforma nisso, não analisou a questão da prisão [preventiva]. Não posso ser categórico e dizer que eles vão ser soltos, porque o processo tem muitas violações", disse, por telefone.

Segundo o advogado, Daniel Guerra e Olivier Thomas deveriam ser soltos amanhã (22), quando o prazo máximo da prisão preventiva, de 14 meses, será atingido. Os dois foram julgados em 26 de agosto de 2017, três dias após serem detidos e quatro dias depois de a embarcação atracar na marina. Já Rodrigo Dantas e Daniel Dantas foram presos em dezembro do mesmo ano.

Quanto ao trâmite que ocorrerá a partir da anulação da primeira sentença, ele esclareceu que o processo volta às mãos do juiz de 1º grau, que analisará as provas que não puderam ser apresentadas pelos acusados. "A defesa pediu a oitiva [de testemunhas], já que, na lei de Cabo Verde, no código processual, testemunha é [considerada] prova. O juiz [Antero Tavares] indeferiu e prosseguiu, disse só que não ia ouvir. A defesa fez uma reclamação, que foi para o tribunal e respondeu no dia 28 de novembro. A primeira coisa que saiu anulada foi um despacho, que é toda decisão tomada no âmbito do processo. A desembargadora anulou o despacho, disse que se devia ouvir as testemunhas. Aí, passamos por julgamento do recurso no tribunal de 2º grau. Ocorreu no dia 15 e a resposta veio no dia 18, porque lá é tudo físico, nada é online. Nisso, ela anulou o julgamento, por completo. Disse que o julgamento não respeitou o direito de defesa, não analisou outras provas", explicou.

Na avaliação do advogado, entre os aspectos de maior gravidade está o cárcere dos quatro acusados. "Eles não estão presos cumprindo pena. Continuam aguardando [nova sentença], presos. É ainda mais lesivo aos direitos humanos deles", observou.

Oliveira acrescentou que a defesa, feita por ele em conjunto com advogados de Cabo Verde, buscou aproveitar um inquérito elaborado pela Polícia Federal (PF), mas que a confiabilidade e autenticidade do documento foi questionada pela Justiça do país africano, que o descartou. "Ele [o inquérito] ainda não está fechado, está aberto. O delegado [que assina o relatório da corporação] colocou que os meninos eram inocentes, que não havia envolvimento. Existe processo penal em curso, mas o inquérito ainda está aberto."

"É interessante ressaltar que não espero que alguém acredite na inocência dos meus clientes, porque isso é algo subjetivo. O ponto é que conseguimos provar, de forma objetiva, que o processo correu em desacordo com a lei. Essa negação da oitiva é apenas um desses vários pontos de violação", finalizou Oliveira.

Visitas à unidade
O produtor de vídeos Alex Coelho Lima, tio de Rodrigo, disse à Agência Brasil que as famílias dos três brasileiros se mudaram para a ilha para acompanhar de perto o caso. "Estão se revezando, todos indo visitar, dar notícias. Eles estão arrasados. Criaram muita expectativa, porque, quando o presidente [Michel Temer] esteve lá [em julho de 2017], acharam que aquilo ia se resolver e os frustrou."

Alex Lima ressaltou que muitas pessoas, inclusive o professor que ministrou aulas de náutica para os três brasileiros, dispuseram-se a testemunhar a favor do grupo. "Essas pessoas, velejadores que conviveram com eles no curso, foram para lá [servir] de testemunha, mas não conseguiram ser ouvidas."

Para ele, o mais importante é que o inquérito da PF seja considerado, porque detalha a trajetória da embarcação e contribui para a investigação, que, na sua avaliação, não levou em conta a responsabilidade dos donos do barco. "A peça fundamental é o inquérito, que recompõe toda a história do barco, desde 2016, quando chega ao Brasil, com três ingleses, entre Bahia e Espírito Santo, e o dono aparece contratando os velejadores para ir a Portugal", relatou.

"Toda vez que o barco para, há uma anotação da Marinha. Então, a PF levantou tudo isso, fez todo o cronograma de quando ele contata a empresa que intermedeia – a gente tem e-mail, telefonemas -, quando recruta, vai a Salvador, Natal e faz a travessia. Esse crime ocorreu no Brasil. O tráfico de drogas aconteceu no Brasil. Cabo Verde foi simplesmente onde pararam para consertar [o barco], e o país não teve condições de investigar o histórico disso", acrescentou.

Segundo Alex Lima, as condições na prisão são outro fator que complica o quadro. Conforme ilustração encaminhada à reportagem, as celas, de cerca de 6 metros quadrados, são equipadas com duas camas e um armário, mas não têm vaso sanitário. "Eles usam um balde para fazer as necessidades. As famílias podem fazer visitas aos domingos, a alimentação é precária. Duas vezes por semana, os pais podem levar alimentos, que são revirados na revista. Meu sobrinho teve problemas odontológicos e teve que esperar três semanas para poder ter liberação. O Daniel Guerra já teve câncer por 10 anos. É uma pessoa que precisa fazer exames periódicos e na ilha não tem condição", desabafou o produtor de vídeo. "A gente está vendo isso como uma atrocidade, uma situação calamitosa. A gente clama para que olhem para o caso. Eles almejavam ser profissionais. É um sonho destruído."

Para reforçar o apelo por justiça, familiares dos três velejadores brasileiros criaram uma campanha chamada A Onda. A mobilização ganhou um perfil no Instagram e no Facebook, nos quais postam conteúdos relacionados aos desdobramentos do caso.

A Agência Brasil procurou obter uma declaração do Ministério das Relações Exteriores – inclusive, por meio da embaixada do Brasil em Cabo Verde – sobre o caso, mas não teve retorno até a publicação desta matéria.

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