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O mercado corporativo hoje demanda propósito e inteligência coletiva e, por conta disso, o comportamento de organizações verticais, aquelas fortemente hierárquicas, burocráticas e com ordens sempre impostas de cima para baixo, tem sido posto à prova, destacando a necessidade das empresas dialogarem com diferentes ideias e culturas, com poder de autogestão e decisões baseadas na integralidade.
O comunicador e facilitador cultural nascido no Senegal e radicalizado na França, Mamadou Gaye, veio para o Brasil em 2017 com o objetivo de liderar a Aliança Francesa da Bahia. Ano passado, se despediu da instituição que tão bem o acolheu, mas não do país. Decidiu abrir uma nova empresa que une seus três portos seguros.
Foto: Bruna Cook
Ano passado, fundou a 3 Paris Salvador Dakar com a meta de estabelecer pontes entre os três continentes que têm laços profissionais e de afeto. Atuando como consultor intercultural a meta é trabalhar a favor da transformação das organizações, seja ela de qualquer nível ou setor. “Minha intenção é agregar talentos, sem limites geográficos, valorizar a troca. Quero criar laços e ajudar a conectar pessoas, empresas, ONGS, governos com propósitos comuns”, anuncia.
No célebre livro "Reinventando as Organizações", Editora Voo (2018), o consultor Frederic Laloux, tido como guru de gestores e administradores, defende a inteligência coletiva, a integralidade e propósito evolutivo como principais pontos de partida para um novo paradigma de gestão. Bebendo da fonte de Laloux, Mamadou acredita que para uma organização ir bem em seu empreendimento, é preciso comungar do seu sucesso com a autorrealização dos funcionários.
“As pessoas que integram uma determinada empresa, geralmente, querem um trabalho que faça sentido, que gere um impacto positivo em suas vidas, tornando-a prazerosa e confortável, e que permita também ter tempo para suas demandas pessoais. Quando essa dinâmica está oposta à da organização que, talvez, já que não podemos generalizar, esteja mais ligada à competitividade e busca desenfreada por gerar lucro, sem considerar as necessidades do capital humano, pode não funcionar muito bem”, explica Mamadou. Esse embate entre dinâmicas e propósitos implica em uma prestação de serviço insatisfatória para o cliente final.
“Um funcionário que não entende a visão geral da organização e que não compartilha dos seus valores não vai prestar um serviço bom. A falta de alinhamento do propósito da empresa com o do próprio colaborador pode gerar um efeito negativo na relação com os clientes e, consequentemente, no resultado da própria instituição”, completa.
A experiência na Aliança Francesa da Bahia, organização sem fins lucrativos que tem por objetivo divulgar o idioma francês e a cultura francófona, oferecendo cursos e desenvolvendo outras atividades culturais, foi um exemplo de liderança pautada nos valores que acredita. Durante sua gestão, que terminou ano passado, Gaye colocou em prática a ideia de organização descentralizada, onde a opinião dos alunos da instituição tinha peso nas tomadas de decisões. Cooperação e integração eram palavras de ordem. Além dos estudos individuais em culturas organizacionais modernas, o facilitador cultural e comunicador usou de suas raízes para pôr em prática o trabalho na instituição.
“Minhas raízes africanas me ajudaram muito. Nasci no Senegal, cresci vendo a comunidade, a contribuição de cada pessoa do grupo ser valorizada. Quando a gente divide o sentido geral do trabalho com todos, o efeito da ação individual tem impacto positivo no coletivo. O ecossistema torna-se favorável a bons resultados”, explicou, em nota de divulgação após saída da Aliança. Mamadou define seu trabalho a partir da filosofia africana Ubuntu, que prega que ninguém é uma ilha e que o compartilhamento de ideias é essencial para o sucesso coletivo. Em resumo, a palavra ubuntu pode ser traduzida como “eu sou porque nós somos”.
“Sair da lógica de controle para entrar numa lógica de confiança”
Retomando às ideias de Frederic Laloux, em Reinventando as Organizações, qual seria então esse novo paradigma de gestão? O autor o classifica como representado pelas organizações Teal (do inglês, “tom de azul). Esse modelo – pautado por valores como autogestão, integralidade e propósito evolutivo – é a evolução de outros quatro: Red, presença de uma chefia mais autoritária; Amber, com hierarquias mais rigorosas e menos chance de ascensão dos colaboradores; Orange, sendo as organizações mais focadas no lucro e na concorrência; e, por fim, o modelo Green, focado em decisões por consenso e na satisfação do funcionário com o trabalho prestado.
No livro, lançado em 2017, após anos de pesquisas, Laloux já vislumbrava futuro nesse jeito mais moderno de gerir. Ele só não imaginava que nesse “futuro” haveria uma pandemia – que impactaria diretamente as empresas, impondo uma mudança brusca na forma de trabalho – funcionários em suas casas, distantes do ambiente físico corporativo. Para Mamadou, que passou pela experiência de gerir uma organização durante o período pandêmico, muitas empresas tiveram que sair da lógica de controle para a da confiança no colaborador.
“As organizações tiveram que confiar mais na equipe e na sua capacidade de organizar o próprio tempo de trabalho. Um temor de líderes que são contrários à dinâmica do home office é que o funcionário trabalhe menos do que estando no escritório sob sua vigilância. Então, a grande questão atrás desse movimento de transformação das organizações é que elas tiveram que sair da lógica de controle para entrar em uma lógica de confiança”, reflete Mamadou. Outro destaque da pandemia no mundo dos negócios foi a explosão de investimentos em startups e fintechs, provocados pela digitalização das empresas – ou seja, o trabalho antes no escritório passou a ser no ambiente digital. Para Gaye, predomina nesse tipo de gestão algo que as demais organizações deveriam seguir: a cultura da criatividade e o direito de errar. “Uma startup faz esse movimento de testar rapidamente uma ideia e, se errar, aprender também rapidamente para passar para uma próxima. Claro que para outras organizações não basta ter apenas essa dimensão, mas qualquer uma pode trabalhar em cima dessa questão cultural para identificar os próprios bloqueios e conseguir progredir mais”, sinaliza.
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