Agência Senado – Em audiência pública promovida pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na terça-feira (29), participantes foram unânimes ao concordar que os ruídos gerados a partir da explosão de fogos de artifício trazem malefícios para a saúde pública coletiva e devem ser minimizados. A proibição dos artefatos, porém, não é consensual.
O encontro ocorreu a partir de dois pedidos (REQ 19/2024 – CCJ e REQ 21/2024 – CCJ) formulados pelo senador Castellar Neto (PP-MG), com o objetivo de instruir o projeto de lei que proíbe a fabricação, o armazenamento, a comercialização e o uso de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampidos (PL 5/2022).
Na presidência da audiência, Castellar afirmou enxergar um “conflito de interesses” entre as partes envolvidas e disse que é preciso encontrar um ponto de equilíbrio dentro das possibilidades técnicas e jurídicas.
“Estamos diante de um debate necessário à sociedade brasileira, com vários aspectos que tangenciam essa discussão. De um lado é preciso oferecer segurança jurídica aos fabricantes dos fogos. Contudo, é importante, dentro do possível, proporcionar conforto a pessoas com hipersensibilidade, como autistas e idosos, além dos animais”, ressaltou.
O projeto é de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e já foi aprovado pela Comissão de Educação (CE). Se for aprovado também pela CCJ, poderá seguir diretamente para a Câmara dos Deputados.
Preocupação
O vereador Ronaldo Tannús (PSDB-MG), da Câmara Municipal de Uberlândia, foi autor em 2021 de um projeto de lei municipal que limitou o uso dos fogos de artifício que causam barulhos intensos no momento da explosão. Ele defendeu a ampliação da restrição para todo o país citando o efeito dos fogos sobre as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que, segundo ele, são um grupo cada vez mais numeroso na população brasileira.
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“Não é que está crescendo o número de autistas, mas sim o número de diagnósticos. Essas pessoas sofrem de hipersensibilidade sensorial, ou seja, escutam até dez vezes mais do que uma pessoa que não tem deficiência. Animais e idosos também sofrem muito com o barulho dos fogos. Sou a favor do comércio e dos empresários, mas, com a evolução do mundo e a modernização, precisamos ter mais empatia.”
Argumento semelhante foi utilizado pelo pesquisador Oswaldo Freire, autor do livro O desafiante mundo do autista: obstáculos e possibilidades no labirinto do amor. Ao apresentar números da Organização Mundial de Saúde (OMS), o pesquisador afirmou que o autismo impacta 80 milhões de pessoas em todo mundo, sendo 2,2 milhões no Brasil.
“O autismo não é uma doença, mas um transtorno de neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, a interação social e leva a comportamentos repetitivos. Cerca de 90% deles sofrem com a hipersensibilidade sensorial. Geralmente suportamos ruídos entre 60 e 70 decibels, a explosão de um artefato pirotécnico produz barulhos que chegam a até 170 decibels. Essa é uma sobrecarga sensorial muito forte que causa estresse intenso, medo, pânico, exaustão emocional, ansiedade, dores de cabeça, entre outros sintomas”, pontuou.
O escritor e palestrante Wallace de Lira, que é autista, também chamou a atenção para os malefícios causados pelo barulho dos fogos a pessoas com TEA. Segundo ele, os legisladores precisam olhar “com mais carinho” para os direitos das pessoas afetadas. Além disso, ele propôs um acréscimo ao texto do projeto de lei, para estipular que, em caso de morte de autista ou de animal em virtude da explosão de fogos de artifício com estampido, o ato poderá ser enquadrado como homicídio.
Já Breno Lintz, promotor estadual de Justiça em Minas Gerais, manifestou preocupação com o bem-estar dos animais, que costumam fugir dos locais em que estão quando ouvem os ruídos dos fogos de artifício. O promotor não se disse contrário aos fogos, mas declarou que é importante buscar uma alternativa segura.
“Não lutamos contra a fabricação dos fogos de artifício, sem dúvida são artefatos que abrilhantam festas pelo mundo todo. Acabar com os fogos com estampido não significa atacar essa indústria e fechar postos de trabalho, eles continuarão a ser produzidos normalmente, mas com adaptação diante das novas regras”, ponderou.
Alternativa
Guilherme Santos, coordenador da Associação Master dos Empresários da Pirotecnia (AME Pirotecnia), falou em nome dos fabricantes dos fogos de artifício. Ele enfatizou a importância econômica do setor e falou contra a proibição, argumentando que a norma prejudicaria os fabricantes e não resolveria o problema. Ele ofereceu uma proposta de solução.
“O projeto de lei, como está, ao tirar o estampido de forma genérica, significa acabar com a indústria nacional. Proibir os fogos de artifício, possivelmente, resultará em clandestinidade. Reconhecemos que eles geram estímulos sonoros que podem causar desconforto a algumas pessoas. O que apresentamos como solução é que sejam distribuídos, gratuitamente, abafadores sonoros para a população, juntamente com uma cartilha educativa. Já entregamos mais de 10 mil unidades para instituições que trabalham com autistas. Assim, todos podem vivenciar essa experiência de forma saudável”, ressaltou.
Krisdany Cavalcante, presidente da Sociedade Brasileira de Acústica, concordou que a proibição por completo dos fogos de artifício não é o melhor caminho. Segundo explicou, é preciso adaptar a regra pretendida a fatores que interferem na recepção do ruído pelos indivíduos.
“A capacidade de suportar esse tipo de ruído varia em função de questões fisiológicas e psíquicas. Tecnicamente é possível fazer essas distinções e instrumentalizar a política pública, com o estabelecimento de limites seguros. Há muitos fatores que precisam ser considerados. A distância do público para a fonte de origem do ruído sonoro influencia e atenua esses efeitos nocivos para a saúde”, observou.
O ex-senador Eduardo Azeredo (MG) também participou da audiência. Ele também se manifestou a favor de uma solução intermediária, ponderando que é preciso ter mais conscientização e educação quanto ao pleito das pessoas com autismo, dos idosos e da defesa dos animais, mas que também é importante não deixar o mercado interno vulnerável a importações clandestinas de baixa qualidade.
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