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Antonio Bispo, 40 anos, passou quase a totalidade da vida sem ter o nome do pai em seu registro de nascimento, apesar de conhecer desde sempre o seu (na época) suposto genitor e também pai da sua irmã mais velha, Selma. A realidade mudou recentemente, quando foi convocado por Basílio Bispo, 63, para realizar o exame de DNA, gratuitamente, por meio da Ação Cidadã Sou Pai Responsável da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA. A campanha de intensificação foi lançada na última quinta-feira, 5. O exame confirmou a paternidade e, em seguida, Basílio reconheceu Antonio como filho sanguíneo. Eles estão entre os mais de 21 mil atendimentos já realizados pela Defensoria desde 2007, quando se iniciou a Ação Cidadã.
“Sempre senti a necessidade de uma figura paterna, mas nós não tínhamos intimidade de filhos, nunca moramos juntos. Então, quando nos víamos era para ele visitar minha irmã. Eu era uma espécie de ‘irmão da minha irmã’, mas nunca filho dele”, relembra Antonio. Se as interações iniciais entre pai e filho não eram tão profundas quanto o desejado, a realidade mudou quando Antonio completou 25 anos e decidiu conversar com Basílio para conhecer a sua versão dos fatos. A partir deste momento, a aproximação entre ambos ocorreu e os laços foram se aprofundando.
Do outro lado, uma das lembranças mais marcantes de Basílio ainda datam da infância e adolescência de Antonio. “Ele me pedia a bênção desde que era criança. Ele já tinha começado a sentir confiança e me reconhecer como pai”, conta Basílio. As memórias não foram esquecidas e, juntamente como o desencadear de fatos recentes, foram decisivas para a decisão de fazer o teste de paternidade.
“Recentemente, ele perdeu a mãe e isso também pesou para mim. Em lugar nenhum estava escrito que eu era o seu pai e eu senti essa necessidade, assim como quis fortalecer o nosso vínculo. Eu não tinha herança para dar, mas a decisão foi tomada de corpo e alma e, ainda que ele não fosse o meu filho biológico, eu iria abraçar Antonio do mesmo jeito e o registraria com a mesma felicidade”, afirma Basílio.
Partiu dele, inclusive, a busca por laboratórios que realizassem o exame, mas principalmente a decisão de ir até a Defensoria Pública do Estado da Bahia buscar o atendimento gratuito. Devido à pandemia, o processo durou cerca de cinco meses até a confirmação positiva da paternidade. Ao observar toda a trajetória de ambos, Basílio reconhece que o tempo perdido não volta, mas que é possível escrever novas histórias.
Basílio Bispo tomou a iniciativa de realizar o exame de DNA gratuito, pela Defensoria da Bahia, e reconheceu a paternidade de Antonio Falcão | Foto: Antonio Falcao
Devido à sua experiência de vida, aproveita para dialogar diretamente os homens que estão na situação na qual ele se encontrava. “O conselho que eu dou aos homens é que assumam seus filhos. A questão de maior preocupação muitas vezes é financeira. Mas o mais importante é o carinho, a educação que será dada ao seu filho. Os pais precisam pensar em crescer junto, educar e dar amor aos seus filhos”.
Ação Cidadã Sou Pai Responsável
Os mais de 21 mil atendimentos já realizados pela Defensoria Pública do Estado da Bahia desde o lançamento da Ação Cidadã Sou Pai Responsável representam um número significativo de vidas transformadas. Quantas histórias de reconhecimento de paternidade, como a de Basílio e Antonio, estão por trás desse dado?
Antonio, aliás, manda um recado para todos os homens que precisam assumir a paternidade, não apenas por meio do registro na certidão de nascimento, ou do pagamento da pensão alimentícia, mas sobretudo pela presença necessária para a formação do indivíduo. “Digo aos pais que a importância do reconhecimento para o filho tem um valor extraordinário, muitas vezes promove identidade do mesmo, além de preencher uma lacuna emocional gigantesca. Para os filhos, digo: não percam a oportunidade de perdoar, reconhecer, sarar alguém. Às vezes, a cura é para você. Se o seu pai se arrependeu do que fez, por que não perdoar? Quem nunca errou? O momento é hoje!”, aconselha.
Para manter a tradição, este ano a DPE/BA disponibiliza atendimento especial para os homens que desejarem fazer o teste de DNA gratuito: entre os próximos dias 9 e 20 de agosto, através do número 71 9104-2907, será possível agendar a data e o local do exame.
Há apenas dois requisitos: morar em Salvador ou região Metropolitana e não ter registrado o nome do pai na certidão de nascimento do(a) filho(a). Neste caso, será necessário apresentar RG, CPF, comprovantes de residência da mãe e do suposto pai, e certidão de nascimento do(a) filho(a).
Realizada em todo mês de agosto, em homenagem ao Dia dos Pais, a campanha de intensificação deste ano trouxe o slogan “reconhecer é obrigação, ser presente é decisão”. Por meio de vídeos institucionais, outdoors, busdoors, spot para rádios e peças gráficas nas redes sociais, a Defensoria questiona os homens sobre qual tipo de pai deseja ser para o seu filho, ressaltando que o papel vai muito além do registro na certidão de nascimento, do pagamento da pensão alimentícia, das visitas nos fins de semana e da postagem de fotos nas redes sociais.
“O nosso foco maior é que não basta apenas fazer o exame de DNA, não basta apenas fazer registro na certidão de nascimento. É preciso que o pai seja realmente presente na vida dos filhos e a campanha busca a responsabilização por parte dos genitores”, conta a defensora pública Analeide Leite, coordenadora da Especializada de Família.
Ao longo desses 14 anos de existência, foram realizados gratuitamente exames de DNA, para quem não tem o nome do pai no registro, além de fornecidas orientações jurídicas ligadas à questão. Em sua primeira edição, em 2007, a iniciativa proporcionou 208 atendimentos. O número, no entanto, cresceu e já chegou a beneficiar quase 3 mil pessoas em um único ano, considerando o público alcançado na capital e no interior da Bahia.
Também coordenadora da Especializada de Família da DPE/BA, a defensora pública Paula Nunes comenta sobre o crescimento do alcance da iniciativa. “As pessoas passaram a poder ter seus direitos reconhecidos de forma gratuita, o que não era possível anteriormente. Então, as pessoas hipossuficientes não tinham condição de realizar este exame, que tem um alto custo e não era disponibilizado em larga escala”, comenta.
Sobre a campanha atual, a defensora pública destaca que o objetivo é buscar a responsabilidade afetiva e a paternidade integral. “Quando o homem tem um filho, ou assume essa responsabilidade, é preciso ter a consciência de que é preciso proporcionar afeto, ter compromisso com a educação, o desenvolvimento emocional e intelectual do filho, pois isso traz reflexos de uma vida inteira. Uma criança que é amada e respeitada até a vida adulta, torna-se é um ser humano mais feliz e completo”, finaliza.