Seis meses após o desaparecimento de Thainara dos Santos, mulher quilombola de 27 anos e mãe de duas meninas, a Justiça reconheceu o caso como feminicídio com ocultação de cadáver. A decisão representa uma vitória importante para os familiares, movimentos sociais e toda uma rede de mulheres negras que lutam diariamente por justiça diante de casos violentos de gênero no Brasil.
Nesta terça-feira (9), uma manifestação tomou as ruas de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, em memória de Thainara e em apoio à responsabilização do acusado. O ato teve início em frente à Câmara de Vereadores e se encerrou no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Mulheres de diversas cidades, entre elas Salvador, Maragogipe, Santo Amaro e comunidades quilombolas da região, marcaram presença com cartazes e palavras de ordem.
Ao Acorda Cidade, a advogada Laina Crisóstomo, que acompanha o caso como assistente de acusação ao lado do Ministério Público, reforçou o significado político e simbólico do reconhecimento jurídico do feminicídio.
“Hoje a polícia e o Ministério Público entendem que não é mais desaparecimento, é desaparecimento do corpo. Hoje já é considerado um caso de feminicídio, em razão de todas as provas coletadas”, afirmou.
Durante a mobilização, a irmã da vítima, Itamara dos Santos, também falou à reportagem do Acorda Cidade. Ela reforçou a importância da memória da irmã e da dor que ainda atravessa a família e a comunidade quilombola Acutinga Motecho, no distrito de Santiago do Iguape, em Cachoeira.
“Ela veio aqui pra Cachoeira e a gente não sabia que ela ia se encontrar com ele. A gente só soube porque meu irmão a viu na praça com os dois elementos. Thainara era uma pessoa extrovertida, muito família. Criou a filha mais velha sozinha. Depois entrou nesse relacionamento, teve outra filha. Uma super mãe, amiga. Todo mundo na comunidade está sensibilizado. Não é nem mais desaparecimento, porque para a justiça já é feminicídio. Ele vai responder por ocultação de cadáver, porque a gente não tem o corpo dela, mas Thainara era uma mulher, trancista, negra, guerreira, uma ótima mãe, ótima filha, ótima irmã e está todo mundo triste com a falta que ela faz lá”, contou Itamara ao Acorda Cidade.
Entenda o Caso
Thainara dos Santos foi vista pela última vez no dia 9 de outubro de 2024 com seu ex-companheiro. Na ocasião, ele a levou a um cartório para transferir bens em nome dele. Desde então, ela nunca mais foi encontrada. No momento, um irmão da vítima avistou ela com o homem andando pelas ruas de Cachoeira.
Segundo a advogada, a relação entre Thainara e o acusado era marcada por agressões, ameaças e perseguições, mesmo após a concessão de uma medida protetiva pela Justiça em março de 2024. Conhecido na região de Saubara por envolvimento com agiotagem e porte ilegal de armas, ele chegou a invadir a casa da jovem e levar utensílios, como tanque, torneiras e butjão de gás.
“Na casa dele foram encontradas algumas munições de arma de fogo, inclusive, ele responde por isso. Infelizmente ele continuou a ter contato com Thainara, arrombar casa, arrombar cadeado, tentar invadir a casa, ele não aceitava o término dessa relação, então isso foi muito sério. Ele, inclusive, agrediu verbalmente, fisicamente, a família de Thainara, ameaçava todas as vezes que ela dizia que ia se separar dele. Dizia que ia matar ela e toda a família. Ela tinha uma filha de dois anos que ele tirou dos braços dela quando ela ainda amamentava […] Foi um crime de muita perversidade, e até hoje a gente não sabe o paradeiro do corpo de Thainara”, relatou Laina.
Busca por Justiça
O acusado está preso preventivamente no presídio de Feira de Santana. Na última semana, duas audiências de instrução ouviram 19 testemunhas e o próprio réu. Agora, a decisão sobre a ida do caso a júri popular está nas mãos da Justiça.
“A gente acredita que vai conseguir garantir que seja feita justiça, assim como atuamos no caso de Elitânia de Souza (feminicídio), também uma companheira quilombola da região”, lembrou a advogada.
A advogada, que é fundadora da TamoJuntas, organização que presta assessoria multidisciplinar (jurídica, psicológica, social e pedagógica) gratuita para mulheres em situação de violência, ainda destacou ao Acorda Cidade que a busca por justiça para Thainara é também uma denúncia muito mais ampla. Ela denuncia a ausência do Estado diante da violência contra mulheres negras.
“Não são casos isolados. Os números de feminicídio não são de Thainara e de Elitânia. São diversas mulheres que todos os dias são assassinadas, que pedem ajuda e socorro ao Estado. Esses crimes são causados também pela ausência de atuação do Estado brasileiro, quando uma mulher tem medida protetiva de urgência e ela é assassinada, é culpa do Estado também, que não garantiu a essa mulher segurança e efetividade de uma medida protetiva que está prevista na Lei Maria da Penha. Essa mulher cumpriu a lei, mas o Estado não cumpriu a lei que ele mesmo criou”, disse.
O ato em Cachoeira reafirmou que Thainara não será esquecida. Sua história se junta a de tantas outras mulheres vítimas de feminicídio, principalmente mulheres negras e periféricas. O silêncio imposto pela violência não será maior que o grito dado pelas mulheres por justiça.
“Não é por Thainara apenas, não é por Elitânia apenas, é por todas as mulheres que tombam todos os dias. Aonde tiver mulher sofrendo violência, a gente vai estar junto, fazendo luta e fazendo resistência. É por nós, pelas nossas ancestrais e pelas próximas gerações”, completou Laina Crisóstomo.
Com informações do estagiário Jefferson Araújo do Acorda Cidade
Siga o Acorda Cidade no Google Notícias e receba os principais destaques do dia. Participe também dos nossos canais no WhatsApp e Youtube e grupo de Telegram.