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A Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA recomendou a não admissão e a não realização de perícia para comprovação de aborto em mulher vítima de violência sexual, disponibilizando para a coleta de DNA o material do feto e informações concentradas em prontuário médico. A orientação foi direcionada à Secretaria da Saúde do Estado da Bahia – Sesab e aos quatro hospitais cadastrados em todo o estado para a realização do aborto: Instituto de Perinatologia da Bahia – Iperba, Hospital da Mulher – Maria Luzia Costa dos Santos, Hospital Geral Roberto Santos – HGRS e Hospital Geral Clériston Andrade.
Segundo Norma Técnica de Atenção Humanizada às Pessoas em Situação de Violência Sexual com Registro de Informações e Coleta de Vestígios dos Ministérios da Saúde e da Justiça e, ainda, da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres do Governo Federal, atualmente no Brasil não é necessário o registro de boletim de ocorrência para esse tipo de atendimento. Se a pessoa não deseja registrar o boletim de ocorrência, sua vontade deverá ser respeitada, sem prejuízo ao atendimento integral à saúde e de todas as orientações necessárias sobre seus direitos.
A recomendação foi expedida pela Especializada de Direitos Humanos da DPE/BA, coordenada pelas defensoras públicas Lívia Almeida e Eva Rodrigues. No documento, também foi recomendada a realização de um curso de capacitação continuada aos profissionais de saúde. A Instituição inclusive se coloca à disposição para auxiliar na sua realização, garantindo, assim, importante avanço no campo dos direitos humanos.
Outro ponto abordado na recomendação é a realização de procedimentos para a interrupção da gravidez até a 20ª semana, em casos legalmente previstos, considerando a norma técnica relativa à “Atenção Humanizada ao Abortamento”, do Ministério da Saúde, sem qualquer exigência de Boletim de Ocorrência Policial.
Sobre a questão acima citada, a Defensoria argumenta que a norma técnica do Ministério da Saúde que dispõe sobre “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes” informa que é ilegal a exigência da apresentação do Boletim de Ocorrência Policial e do laudo emitido pelo Instituto Médico Legal.
Isto porque os documentos são válidos, respectivamente, para conhecimento da autoridade policial, que vai instaurar o inquérito e proceder com a investigação, e no caso do laudo, para a elaboração da prova criminal de violência sexual.
Lívia Almeida explica que a nota técnica dispõe sobre a questão justamente por ser recomendado o atendimento acolhedor à mulher que sofre uma violência sexual. “Evita a revitimização da vítima. É um direito dela buscar a punição desse agressor ou não. É por diversas razões: vergonha, medo de novas violências e descrédito. E mesmo que a mulher opte por não dar início a uma ação penal, ela tem o direito a não dar continuidade a uma gravidez que é fruto dessa brutalidade. E o sistema de saúde deve ter esse olhar sensível, humano, acolhedor, especializado”.
Um dos pontos motivadores para a expedição da recomendação uma situação passada por uma jovem, menor de idade, vítima de violência sexual, sendo-lhe expedida na ocasião guia para exame médico legal, determinando a realização de perícia, a fim de que fosse comprovada a interrupção da gravidez, bem como o mapeamento genético do feto objetivando futuro confronto com o autor do crime.
A defensora pública explica que origem da recomendação reside no fato de a DPE/BA ter sido procurada, no início da pandemia por conta do novo Coronavírus, para evitar situações como a descrita acima.
“Um perito da Polícia Civil esteve no hospital para fazer um exame clínico a fim de detectar se houve o abortamento, mesmo de posse do prontuário médico que atestava a ocorrência. A perícia pedia o exame na mulher. Um exame invasivo e indigno. Por uma vez, ela teve que reviver todo aquele horror. É isso que a gente pretende evitar que ocorra novamente”, explica Lívia Almeida.
Na recomendação, a Defensoria baiana leva em consideração que há previsão no Código Penal (art. 128) e decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 54) que considera três casos de abortamento não puníveis: em casos de gestação decorrente de violência sexual, de risco de morte da gestante e de fetos anencefálicos. A instituição também argumenta que, “nesses casos, o procedimento é realizado e regulamentado no âmbito da saúde, com prazos para sua realização, além de claro aumento de risco para a gestante em casos de demora, devendo-se considerar esse serviço essencial e de urgência”, diz a recomendação.