Contrastes da Política

Conceição do Jacuípe: município baiano mantém hegemonia feminina na prefeitura e sub-representação no Legislativo

Apesar de mulheres controlarem a prefeitura durante a maior parte do tempo desde os anos de 1990, a Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe possui pouca representação feminina.

prefeitura de Conceição do Jacuípe
Fachada do prefeitura de Conceição do Jacuípe | Foto: Jefferson Araújo

O município de Conceição do Jacuípe, localizado a 27 quilômetros de Feira de Santana na Bahia, ostenta um indicador positivo quando o assunto é representação feminina na gestão do poder executivo municipal. Das oito eleições realizadas entre 1996 e 2024, sete foram vencidas por mulheres. No entanto, desde a emancipação do território, em 1961, a participação de mulheres na Câmara de Vereadores é limitada.

A Câmara de Conceição do Jacuípe, cidade também conhecida como Berimbau, tem 13 vagas para vereadores. Na última legislatura, o município contava com três mulheres ocupando o cargo, o que representava 23% da composição da Casa. Nas eleições de 2024, apenas uma mulher foi eleita, o que fez com que o número, já considerado baixo, se aproximasse ainda mais de zero. A atual legislatura possui representação feminina de 7,69%.

Um raio-x na política de Berimbau

A atual prefeita de Conceição do Jacuípe, Tânia Marli Ribeiro Yoshida (PSD), venceu cinco das oito eleições municipais que ocorreram desde 1996. No mesmo período, a cidade também foi governada durante oito anos por Normélia Maria Rocha Correia (Republicanos). Nos últimos 28 anos, durante 24, a cidade foi governada por mulheres.

Histórico de prefeitos eleitos em Conceição do Jacuípe de 1996 a 2024
Histórico de prefeitos eleitos em Conceição do Jacuípe de 1996 a 2024 | Foto: Arte produzida por Jefferson Araújo

A professora de Ciências Sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Maria Inês Caetano Ferreira, trabalha com pesquisas sobre poder local, elites políticas e, principalmente, a participação feminina na política local. Ao verificar os dados das eleições para a prefeitura de Conceição do Jacuípe, a professora classificou que o município possui uma característica muito específica.

Maria Inês Ferreira, professora de Ciências Sociais da UFRB
Maria Inês Ferreira, professora de Ciências Sociais da UFRB | Foto: Arquivo Pessoal

“Não é normal mulheres ganharem o executivo, pelo contrário, é bem difícil. Eventualmente no Recôncavo, por exemplo, nós tivemos na última eleição apenas três mulheres como prefeitas. Mas a eleição de mulheres para o executivo, ainda assim, não implica, infelizmente, no crescimento da representação feminina no legislativo. A gente tem vários municípios [no Brasil] em que mulheres são prefeitas e que não necessariamente isso gera um impacto na Câmara”, afirmou a professora.

Conceição do Jacuípe está profundamente ligada ao Recôncavo Baiano, região identificada pelas tradições culturais, desenvolvimento econômico e participação estratégica na Independência do Brasil. Antes de obter a emancipação política, Berimbau fazia parte do território de Santo Amaro, uma das 19 cidades que compõem o Recôncavo.

De acordo com Maria Inês, eleições para o cargo de vereador não são um pleito simples. Os candidatos, que na grande maioria das vezes são conhecidos e reconhecidos a nível local, têm como concorrentes pessoas próximas. Outro fator que eleva o nível de dificuldade é a influência de pessoas ligadas à prefeitura, ao poder de igrejas, representações locais, sindicatos e associações.

“Não é fácil ser eleito vereador numa cidade. É muito difícil. Alguns falam que é a eleição mais fácil, eu não acho. Todas as eleições são muito difíceis e eu acredito que para vereador é muito difícil, porque as pessoas são próximas dos eleitores e toda a gama de preconceito pode se colocar ali”, afirmou a professora.

Mulheres mais votadas

Nas eleições municipais de 2016, os eleitores de Conceição do Jacuípe elegeram três mulheres para a Câmara de Vereadores: Flávia (PSD), Mônica de Charles (PROS) e Juliene Vieira (DEM). Nas eleições de 2020, Mônica e Flávia concorreram à reeleição. Juliene Vieira saiu candidata à prefeita, obtendo 1.079 votos, o que representou 5,45% dos votos totais daquela eleição. Após o pleito, a composição da Câmara ficou novamente com três mulheres: Flávia (PSD), Fairuse de Chico da Galinha (PSD) e Jéssica de Cacau do Boi (PCdoB).

Histórico de vereadores eleitos em Conceição do Jacuípe de 2016 a 2024
Histórico de vereadores eleitos em Conceição do Jacuípe de 2016 a 2024 | Foto: Arte produzida por Jefferson Araujo

De 2016 para 2020, é possível observar a queda nas posições das mulheres no resultado das eleições. Em 2016, elas ocupavam, respectivamente, a 5ª, 8ª e 9ª posições entre os mais votados. Já em 2020, as eleitas ficaram na 10ª, 11ª e 13ª posições, sendo que a última colocada, Jéssica de Cacau do Boi, que foi presidente da Casa na última legislatura, conseguiu a diplomação com o auxílio do coeficiente eleitoral.

Quando analisamos os resultados das eleições de 2024, a tendência de queda na representatividade feminina se confirma. Das vereadoras em exercício, duas tentaram a reeleição, mas não obtiveram sucesso. A única mulher eleita em 2024, Juliene Vieira (PV), retornou para a Câmara após conquistar a última vaga também com a ajuda do coeficiente eleitoral.

Ao analisar a tabela com os resultados das últimas três eleições municipais em Conceição do Jacuípe (2016, 2020 e 2024), a professora Maria Inês comentou o desempenho feminino na política local. Ouça no áudio abaixo um trecho da análise da docente da UFRB.

Juliene Vieira terá a difícil missão de representar o público feminino de Conceição do Jacuípe. A vereadora retorna para o legislativo com o objetivo de dar voz às causas sociais, sobretudo a questões que atravessam as mulheres, público que compõem a maioria da população, e do eleitorado, do município.

Juliene Vieira (PV), única vereadora na legislatura de 2025 a 2028 em Conceição do Jacuípe
Juliene Vieira (PV), única vereadora na legislatura de 2025 a 2028 em Conceição do Jacuípe | Foto Arquivo Pessoal

A enfermeira de formação, que resolveu graduar-se em gestão pública pela UFRB e que é mestre em gestão de políticas públicas pela mesma instituição, soma a formação acadêmica à experiência de dois mandatos para desenvolver um trabalho que pode parecer solitário.

“Eu fico triste por ser a única, a gente espera muito mais, mas estou trabalhando para poder representar todas as mulheres. O legislativo de nossa cidade, como da maioria no país, tem uma participação feminina muito pequena”, afirmou a vereadora.

De acordo com Juliene, as mulheres precisam ser representadas, estarem presentes nos lugares de poder, dado serem a maioria da população. “Mas somos as que menos têm oportunidade de estudo e as que estão menos presentes no mercado de trabalho. Faço parte de um pequeno grupo, mas eu fico muito triste, porque a gente não representa o que de fato a sociedade é, uma maioria feminina, porém extremamente desigual”, disse.

Juliene Vieira (esq.) durante diplomação dos eleitos em 2024
Juliene Vieira (esq.) durante diplomação dos eleitos em 2024 | Foto: Arquivo Pessoal

Ao ser questionada sobre a dificuldade das mulheres conseguirem se eleger, a vereadora ponderou que a questão pode ser abordada sob outra ótica. Para Vieira, tão importante quanto a vitória é a participação de um número maior de mulheres nas candidaturas.

“Não é que a mulher tem dificuldade de se eleger, é que as mulheres são a minoria dos candidatos. Cumpre-se uma cota de 30% das candidaturas e ponto. Poucos líderes políticos investem na figura feminina. A gente precisa de apoio, de um partido forte, estrutura e organização para poder seguir. Temos muita dificuldade e as mulheres precisam se entender também como seres políticos. Tudo isso é fruto de uma sociedade patriarcal, machista, misógina, racista, e que não consegue historicamente reconhecer nas mulheres seres de poder”, afirmou Juliene.

Maria Inês Ferreira tem o mesmo entendimento de Juliene Vieira quando o assunto é participação feminina nas candidaturas. Para a professora deveria existir algum mecanismo que obrigasse os partidos a tornarem as mulheres competitivas e não só preencher a cota obrigatória de 30% com candidaturas femininas.

“Deveria haver um mecanismo, via partido político, que cobrasse dos partidos que eles conseguissem fazer com que as mulheres fossem competitivas. Para o partido político não só preencher a cota, porque essa cota aí não está levando a nada. O que adianta concorrer? Você tem casos que a mulher tem zero voto, nem ela votou nela. Tem que ser competitiva. O partido não pode se comprometer apenas a lançar as mulheres, elas precisam ganhar”, afirmou a professora.

Dificuldades históricas

A gestora pública pela UFRB, Gilda Natali Mendes, também entende que é importante desenvolver ferramentas de incentivo para a qualificação de candidaturas femininas. Para Nataly, grande parte dos desafios enfrentados pelas mulheres na política começou antes da instauração da República.

Gilda Nataly Mendes, gestora pública pela UFRB
Gilda Nataly Mendes, gestora pública pela UFRB | Foto: Arquivo Pessoal

“A baixa representatividade feminina na política parte de um ponto histórico. As mulheres foram excluídas dos espaços de poder, de decisão e sempre foram criadas barreiras para impedir que as mulheres pudessem ocupar esse espaço. Precisamos de ferramentas de incentivos, desde uma campanha política mais forte a incentivos financeiros para que as mulheres possam ocupar esses espaços de poder”, disse a gestora.

Nataly afirmou que para analisar o baixo protagonismo de mulheres nos espaços de poder devemos analisar os marcadores sociais, tipos de estereótipos negativos, que historicamente acompanham as mulheres. O grupo lida desde o início da sociedade moderna com preconceitos que vão desde a dúvida se são capazes de ocupar um cargo de liderança em empresas até se elas têm competência para além de cuidar da família, desenvolver outras atividades.

A gestora pública elencou vários desafios que as mulheres enfrentam diariamente. Gilda lembrou que o grupo sofre com descrédito político, violência de gênero, tentativas de feminicídio, assédio, ameaças, ataques psicológicos e dúvida no potencial produtivo.

“Dizem que somos um gênero frágil, mas não é bem assim. Muitas mulheres que ocupam posições políticas conseguem trabalhar bem exercendo essa posição mesmo sofrendo muita pressão e tendo que, às vezes, desenvolver equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional. Nós temos que lidar com as coisas do trabalho e voltar no fim do dia para cuidar da casa e dos filhos”, considerou.

Nataly afirmou que as questões que envolvem a presença de mulheres na política são complexas e que aumentar a participação do grupo nos espaços de poder é desafiador, porém traz uma série de benefícios para sociedade. 

“Ter mulheres ocupando cargos políticos traz benefícios como levar diversidade com suas propostas. Elas podem trazer pontos diferentes, pontos de vista inovadores, pontos de vista inclusivos e tratar também sobre mais políticas voltadas para o bem da mulher, que a mulher de fato precisa cuidar um pouco mais de si”, disse Nataly.

Migração política e concentração de votos

De acordo com a professora de Ciências Sociais da UFRB, analisar política é trabalhar com vários fatores e componentes que podem influenciar ou não o eleitorado local. Um comportamento sinalizado pela professora Maria Inês que possivelmente tem influência na queda da participação feminina no legislativo de Conceição do Jacuípe é a concentração de votos no topo da lista dos vereadores mais votados, setor da tabela que vem sendo dominado por homens há pelo menos 30 anos.

“Chama atenção você ter um primeiro vereador em 2016 com 626 votos e, já depois, 1250 e 1506. É uma concentração de votos que não tinha antes. Os votos eram mais distribuídos. Percebemos que a partir da eleição de 2020 há uma concentração brutal de votos nas primeiras colocações. O voto está menos diluído e muito mais concentrado”, disse a professora da UFRB.

Concentração de votos nas últimas três eleições (2016, 2020, 2024)
Concentração de votos nas últimas três eleições (2016, 2020, 2024) | Foto: Arte produzida por Jefferson Araújo

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na eleição de 2016, Jodilson Cerqueira (PR) foi o candidato mais votado obtendo 626 votos para a Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe. Burrego (PTC) ficou na última posição, com base nos números absolutos de votos, e Nilsinho (PMDB), com 336 votos, foi eleito por meio do coeficiente eleitoral. Na eleição daquele ano, entre o primeiro e o último colocado, a diferença ficou em 290 votos.

Em 2020, o vereador Burrego, que foi eleito pelo PTC em 2016 e ficou na penúltima posição, migra para o PSD e consegue ser o vereador mais bem votado, alcançando 1250 votos, mais do que o dobro obtido pelo segundo vereador mais bem votado. A eleição de 2020 também marca o retorno de Tânia Yoshida (PSD) para a prefeitura, ela havia ficado afastada durante os oito anos que o município foi governado por Normélia Correia (Republicanos).

Vereadores mais votados nas últimas três eleições em Conceição do Jacuípe
Vereadores mais votados nas últimas três eleições em Conceição do Jacuípe | Foto: Arte elaborada por Jefferson Araújo

Na eleição de 2024, a tendência de concentração de votos se confirmou. Burrego foi eleito novamente o vereador mais votado com 1560 votos, o que representa um crescimento pessoal da base do candidato de 24,8% de 2020 para 2024. O segundo candidato mais votado foi Marcelo Menezes, que teve 638 votos nas eleições de 2020 pela Rede e, assim como Burrego, migrou para o PSD, partido da prefeita, e aumentou a base eleitoral. Com a migração, Marcelo aumentou a base em 142%, ficando com 1544 votos nas eleições de 2024. Outro vereador que fez o mesmo movimento de migração foi Bruno Nery, que em 2020 foi eleito pelo Republicanos com 590 votos e após de migrar para o PSD teve 968 votos nas eleições de 2024.

Para a professora Maria Inês, o movimento de migração para o PSD pode ter contribuído para a concentração de votos, o que representa uma eleição muito mais difícil para as mulheres. O fortalecimento do partido em Conceição do Jacuípe é uma sinalização de que o senador Otto Alencar (PSD) está cada vez mais forte na Bahia.

“Migrar para o PSD foi um movimento intenso no Portal do Sertão, porque o PP foi um dos partidos que mais elegeu prefeitos na eleição anterior. Mas, antes de acontecer essa última, boa parte já tinha migrado para o PSD, que era o principal partido do território. O partido foi criado na época da Dilma para tentar fragilizar o MDB. Ele é um partido com foco municipalista, como o MDB, e muito pragmático. O PSD no sul do país é extremamente conservador e aqui ele faz aliança com o PT. Isso não é um problema para o PSD, ele quer o poder”, analisou Inês Ferreira.

Política é coisa de mulher

May Moraes, filiada ao PT, concorreu às eleições de Berimbau pela primeira vez em 2024. A candidata, que se descreve como militante política desde criança, afirmou que desenvolve no diretório municipal do partido um trabalho voltado à promoção e manutenção de candidaturas femininas para diminuir a discrepância entre o número de homens e mulheres no legislativo de Conceição do Jacuípe.

May Moraes (PT), foi candidata a vereadora em 2024 e é líder do PT Mulheres em Conceição do Jacuípe
May Moraes (PT), foi candidata a vereadora em 2024 e é líder do PT Mulheres em Conceição do Jacuípe | Foto: Tainá Dias

“Infelizmente, essa realidade é um fato gritante e ao mesmo tempo preocupante. Eu atribuo isso à falta de conscientização, formação política e tempo útil para participar de debates pertinentes, além da jornada de trabalho que a mulher tem. Isso torna, na grande maioria das vezes, mais difícil o interesse delas em disputar um cargo político”, disse a petista.

Para Moraes, investir na formação política feminina e conscientizar o eleitorado e a população de que a política também é um espaço que pode ser ocupado legitimamente pelas mulheres é fundamental para a promoção de mais igualdade, não só na Câmara de Conceição do Jacuípe.

“Estão sendo estudadas parcerias e projetos para que esse cenário seja diferente em 2028. Eu entendo que tudo começa através da educação em todos os sentidos. E, nesse caso, as formações políticas são essenciais. Principalmente para que uma candidata possa ter propostas, postura e atitudes que representem as eleitoras”, afirmou May.

Presidência da Câmara

Em pouco mais de seis décadas de legislaturas, a Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe foi comandada por mulheres durante apenas sete anos. O primeiro homem a comandar a casa assumiu em 1963. A primeira mulher a ocupar a mesma função só conseguiu isso 42 anos após a fundação da cidade.

Fachada da Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe
Fachada da Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe | Foto: Jefferson Araújo

“Esse é um ponto complexo, porque ser presidenta da Câmara é uma posição para lá de chave. A pessoa que chega como presidente não é qualquer um, tem uma representatividade ali no município, mas é muito difícil para uma mulher ser presidente porque é [necessária a] maioria de votos entre os vereadores. Nas minhas pesquisas eu encontrei casos no Recôncavo em que as Câmaras são compostas por uma, duas ou até três mulheres apenas. Mais do que isso é raríssimo”, revelou a professora Maria Inês.

Galeria dos presidentes da Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe
Galeria dos presidentes da Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe | Foto: Jefferson Araújo

Outro dado importante a ser observado é que a primeira mulher a comandar a Câmara de Berimbau, a então vereadora Celma de Azevedo Moraes, só conseguiu o feito quase uma década após uma mulher chegar, pela primeira vez, ao cargo de prefeita.

A professora reforçou que, após tomar posse, as mulheres continuam, em muitos casos, enfrentando violência e que, mesmo em uma posição de poder, elas não necessariamente são respeitadas como os homens. Descrédito, minoria numérica, tratamento diferenciado, falta de apoio partidário e incentivo para compor alianças políticas são alguns dos desafios para as vereadoras que querem ser presidentes da Câmara.

Mulheres na presidência da Câmara de Conceição do Jacuípe
Mulheres na presidência da Câmara de Conceição do Jacuípe | Foto: Arte elaborada por Jefferson Araújo

“Para qualquer pessoa ocupar a presidência, tem que ser alguém que tenha experiência e domínio das regras. Tivemos em Feira de Santana a vereadora Eremita Mota (PP), uma pessoa que já estava na Câmara há muitos anos e muito bem relacionada com outros políticos. Ela não chegou para ser estagiária. O candidato tem que ter uma trajetória política e tem que ter esses vínculos com políticos, não raramente de fora do município. É muito difícil para uma mulher conseguir esse tipo de posição; significa que ela está num patamar parecido com o dos homens que têm poder. É uma pressão muito grande e precisa ter esse saber fazer da política”, analisou Inês Ferreira.

Com base nos dados da última legislatura, é possível afirmar que o município  de Conceição do Jacuípe viveu um momento ímpar em termos de representatividade feminina na mesa diretora da Câmara. Nos primeiros dois anos da última legislatura, a Casa foi comandada por Flávia (PSD). Na segunda parte da legislatura, o comando da mesa ficou a cargo da vereadora Jéssica de Cacau do Boi, eleita em 2020 pelo PCdoB e agora filiada ao Agir.

A vereadora Flávia desistiu de concorrer a uma vaga na Casa e não colocou seu nome à disposição do eleitorado em 2024. Após muitos mandatos, a candidata resolveu dar uma pausa na carreira política partidária. A vereador Jéssica saiu candidata e não conseguiu ser eleita.

Pioneirismo da professora

Apesar da atual baixa representatividade feminina no Legislativo de Conceição do Jacuípe, há dois fatos históricos que podem ser considerados motivo de orgulho, a nível nacional, para as mulheres de Berimbau. A cidade elegeu, nas eleições de 1989 — primeiro pleito após o processo de redemocratização brasileiro proporcionado pela Constituição Federal de 1988 —, uma mulher para a Câmara de Vereadores, e coube a esta mulher a importante missão de ser a relatora da Lei Orgânica do município.

Composição da 1ª legislatura de Conceição do Jacuípe após a Constituição Federal de 1989
Composição da 1ª legislatura de Conceição do Jacuípe após a Constituição Federal de 1989 | Foto: Jefferson Araújo

A professora Nirete, que assumiu uma candidatura sem grandes pretensões políticas, se viu diante de um grande desafio: assumir o cargo de vereadora que, até então, nenhuma outra mulher tinha ocupado antes. Vencendo a eleição com pouco mais de 250 votos, a professora, que virou parlamentar quase por acaso, construiu uma carreira sólida na política local, sendo uma das figuras mais respeitadas da Câmara.

Pró Nirete, primeira mulher eleita vereadora em Conceição do Jacuípe
Pró Nirete, primeira mulher eleita vereadora em Conceição do Jacuípe | Foto: Jefferson Araújo

Conhecida como pró Nirete, a ex-vereadora falou sobre o início da trajetória política até ser eleita a primeira mulher vereadora de Conceição do Jacuípe em 1989. Ouça um trecho da entrevista abaixo.

Ao analisar o fato de que uma mulher foi eleita na primeira eleição após a Constituição de 1988, e que esta mulher era uma professora, a colega de profissão, Maria Inês Ferreira, afirmou que reconhece na eleição de Nirete um dos aspectos mais inerentes ao ser humano: a gratidão. Para Ferreira, ser professora é exercer influência e obter, naturalmente, respeito, sobretudo em cidades do interior. Ao saber da opinião da docente universitária, a pró Nirete concordou.

“A professora Maria Inês acertou em cheio. Ser professora foi fundamental. Eu sempre digo que eu cheguei a ser vereadora por causa da professora. Essa pessoa, professora Nirete, que me levou a ser a vereadora Nirete. E continuei assim com muita honra, querendo que só me chamassem de Pró Nirete e é como todo mundo em Berimbau me conhece. Eu tenho certeza que consegui ser vereadora por ser muito conhecida e por ter uma relação muito especial com todos os meus alunos. Eu tenho um maior amor por eles e aí não teve outra forma, a não ser eles me agradarem, me dizerem um obrigado. Foi dessa forma que, na primeira eleição, eles conseguiram me eleger vereadora”, afirmou pró Nirete.

Plenário da Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe
Plenário da Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe | Foto: Jefferson Araújo

A primeira vereadora de Berimbau contou que muitos dos colegas de parlamento e agentes políticos, como ex-prefeitos e líderes partidários, foram seus alunos. Apesar de ser mulher, ela confessou que no tempo em que esteve na Câmara sempre foi extremamente respeitada, a ponto de muitas vezes sentir que em algumas sessões os presentes se comportavam com o rigor que a sala de aula exigia antigamente.

Um ponto levantado pela professora Inês para a origem de tanta influência e respeito pode estar no ato da alfabetização. Para ela, o simples fato de alfabetizar alguém pode ser responsável por desenvolver um laço afetivo entre quem ensina e quem aprende. A pró Nirete também concordou com essa afirmação. Ouça o áudio abaixo.

Presidência da Casa

Por muito pouco, as mulheres de Berimbau não tiveram o orgulho de ter uma mulher ocupando pela primeira vez, após o processo de redemocratização, o cargo de presidenta da Câmara.  A professora Nirete contou que, com a chegada à Casa, o nome dela foi um dos mais ventilados para assumir a primeira presidência após as eleições diretas. Por um momento, chegou a acreditar que poderia assumir a cadeira. Mas, como ela mesma considerou, “a política é uma caixa de surpresas” e uma manobra política de última hora retirou da pró Nirete a possibilidade de assumir o cargo de presidenta.

Mesa da presidência da Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe
Mesa da presidência da Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe | Foto: Jefferson Araújo

“Um vereador foi retirado antes da eleição e foi conversar com uma pessoas, e quando retornou, esse vereador, que ia votar em mim, não olhou mais para mim. A Câmara estava totalmente cheia, mas eu ouvi alguém falar baixinho: ‘- A pró Nirete perdeu a eleição’ e foi dito e certo. Essa pessoa me traiu, inclusive foi meu aluno. Eu tive seis votos e um outro candidato teve sete votos. Mas eu tive a humildade de encarar aquilo com naturalidade. Na hora que aconteceu, 7 a 6, eu fui a primeira pessoa a levantar e abraçar o vencedor. E tudo correu bem depois disso. Nunca mais eu quis ser candidata a presidente”, disse.

Dica de mestre

Após assumir o primeiro mandato, a pró resolveu largar a carreira política depois de perder de forma trágica uma filha ainda adolescente. Depois de muitos anos longe dos palanques, por aclamação do eleitorado, composto em sua grande maioria por ex-alunos, a professora resolveu retornar nos anos 2000 e conseguiu exercer mais três mandatos consecutivos até decidir largar a vereança de vez.

Atualmente, com 77 anos, a ex-vereadora, que sempre preferiu utilizar o título de professora, deu um conselho para todas as mulheres que, assim como ela, pretendem um dia entrar para a política, ainda que de maneira despretensiosa. Confira no áudio abaixo a fala da Pró Nirete com um incentivo à participação das mulheres para mudar o quadro de baixa representação feminina na política.

Todas as entrevistas desta reportagem foram feitas entre os meses de novembro e dezembro de 2024. A reportagem foi concluída em dezembro de 2024.

Esta Reportagem é um trabalho acadêmico produzido pelo estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Jefferson Araujo, no semestre letivo de 2024.2.

Nota de atualização

Com o falecimento do vereador Jodilson Cerqueira, em 7 de fevereiro de 2025, a Câmara de Vereadores de Conceição do Jacuípe passou a contar com uma segunda mulher ocupando um cargo parlamentar no município. Simone de Sinho, suplente do vereador Jodilson, tomou posse em 19 de fevereiro de 2025.

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