Artigo
Faz tempo que não escrevo reflexões sobre mim, sobre a vida, o dia a dia. Muitas vezes a vontade até existe, mas os motivos que chegaram ao tema da redação do Enem me fazem desistir. ‘Os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil’. Esse é o motivo que me deixa ausente em escrever, foi o tema da redação do Enem e com certeza é o motivo que entristece e distancia muitas mulheres de quem são e do que gostam realmente de fazer.
Mas que desafios são esses? Os desafios do cuidado? O que é isso? Até brinquei com uma amiga que qualquer mulher poderia tranquilamente escrever a redação do Enem. Talvez bastasse falar sobre a sua experiência. E é essa experiência de que compartilho e vejo tantas outras no mesmo caminhar. ‘Mas o cuidado invisibilizado fica apenas com aquelas mulheres que são donas de casa? Não fazem nada, só ficam em casa’. Será?
Essa é uma reflexão que muitos podem fazer. Da dona de casa que não faz nada e só fica em casa, cuida da casa e dos filhos. Mas onde está a reflexão de que cuidar da casa, dos filhos e ser dona de casa também é um trabalho árduo? A verdade é até clichê de que só sabe quem faz, quem valoriza e quem tem a empatia de perceber todos os esforços femininos nesta e em tantas outras tarefas. E essas pessoas são o marido, os filhos, os amigos, vizinhos e a sociedade como um todo. Esse texto não é nenhuma indireta para ninguém, já que ainda pode ocorrer essa reflexão. Ah, está reclamando, quer atingir alguém. Não é, mas se atingir ‘alguém’, pode ser muito bom também.
‘Ah, mas a mulher que trabalha fora tem a vantagem de não ter todo esse trabalho do cuidado. Pode pagar alguém para desempenhá-lo’. Essa é outra afirmação que ouvimos. Engana-se. A mulher que trabalha fora, assim como a dona de casa que falei antes, é invisível aos olhos do trabalho do cuidado que desempenha. O cuidado em orientar a pessoa que contratou para lhe prestar serviços, o cuidado com os filhos, com a casa, com as contas, com a organização de toda a vida familiar. Talvez até que não seja no próprio desempenhar, executar, mas o cuidado está ali todo tempo no pensar, no gerir.
‘Ah, mas aí é o feminismo, as mulheres pediram direitos iguais e estão reclamando de que?’ Outra afirmação que ouvimos. Os direitos iguais não seriam no próprio fato de partilhar esse cuidado? Não só com os homens, mas com os filhos, com todos aqueles ao redor?
Essa é apenas uma breve reflexão, até rasa posso dizer. Pois o cansaço do cuidar e a criatividade que vem do ócio que não existe mais ócio, me impede de ir mais além. ‘Ah, mas está se lamentando da vida, tem tudo e reclama’…Outra afirmação ouvida. Não é o se lamentar, é a realidade minha e tantas mulheres que a sociedade tenta o tempo todo invisibilizar, abafar, com: “Você é forte, você é guerreira!”. Ninguém quer ser guerreiro de batalhas intermináveis. Batalhas até consigo mesmo em se questionar se é errado pensar o contrário.
Não é errado. Errado é normalizar todo o excesso de tarefas, de cuidados de atividades que são passadas a nós mulheres. Estes seres que nunca descansam, nunca desligam. Como diz a professora Alana Freitas, nós que apagamos a lua todos os dias.
Esses seres que já vemos o avatar de multitarefas pulsante. Trabalhar, cuidar da casa, de todos ao redor, cuidar de si, da aparência, da saúde, alimentação estar bonita, arrumada, alegre, simpática e com a saúde mental 100%. Sem ansiedade, sem estresse, tendo inteligência emocional e sendo ainda a coach espetacular de si própria. Essa é a mulher que a sociedade quer intangível e inalcançável.
Não é isso que queremos. Caminhos? Sim há, muitos. Talvez os argumentos dos candidatos na redação do Enem possam nos ajudar.