Rachel Pinto
Oito horas da manhã. Muito calor, ônibus lotado e pra variar muito atrasado. Um bom dia típico ao motorista e um bom dia especial para cobradora que sempre é muito simpática e gentil com todos. Iniciamos um papo sobre o atraso dos ônibus e tal, mas não dá pra demorar muito, para não congestionar a catraca.
Consigo um lugar para continuar o papo com a cobradora, mas em poucos instantes, levanto-me para cedê-lo a uma senhora de mais de 70 anos que acabara de entrar no coletivo. Mesmo com seus cabelos brancos e um pouco de lentidão motora ela era praticamente invisível ali. Eu tinha obrigação de enxergá-la e convidá-la a sentar.
Então levanto-me e procuro um outro lugar mais ao fundo. Já perto da porta do meio achei um assento no meio do ônibus. Ufa, consegui sentar de novo, que bom. No próximo ponto, entram novos passageiros que chamam atenção, mas ainda assim são invisíveis para alguns.
Uma jovem mulher com filhos gêmeos. Dois bebês a aparentando ter no máximo dois meses e outro filho de aproximadamente três anos. Além das crianças, ela carregava duas sacolas enganchadas em cada braço. Ainda assim, com tanta informação, era invisível.
Um homem próximo sentado em uma cadeira com lateral para o corredor do ônibus, talvez, uma das primeiras pessoas que a viu quando entrou no veículo, continuou confortavelmente em seu lugar.
Imediatamente me levantei e cedi o lugar para a moça e seus filhos. Ao mesmo tempo a cobradora já gritava: Por favor, alguém dá o lugar para essa senhora!
A jovem mãe então se acomodou no assento. Uma franzina adolescente lhe acompanhava na viagem de ônibus, mas a garota também estava cheia de carregos e sacolas e não conseguiu um lugar para sentar. Fiquei em pé ao lado dessa história e pensando na proeza daquela mãe em carregar dois bebês, um em cada braço em um ônibus lotado, cheia de bagagens, cheia de força e de amor. Fiquei pensando, quem seria aquela mulher? Não tinha resposta e assim seguimos viagem. Muito suada, a mãe tentava em seu colo dar o máximo de conforto para os filhos durante aquele trajeto sacolejador do ônibus. Em determinado momento, um dos bebês que estava mais perto de mim ficou com a cabeça um pouco desequilibrada e então eu no desafio de em pé me segurar no ônibus, consigo levantar um pouco a sua cabecinha e apoiá-la confortavelmente nos braços de sua mãe.
O outro menino de três anos, bem magrinho, se apoiava em pé perto de mim. Os gêmeos pareciam ser ninados belo balanço do ônibus e dormiam tranquilamente o sono dos inocentes.
Próxima parada. Muitos passageiros descem. E vagam-se mais lugares. A mãe levanta-se e senta-se com suas três crias em um lugar mais confortável que tem o apoio para os braços. Uma cadeira ao lado de uma idosa. O rosto daquela mãe, já estava encharcado de suor. A senhora prontamente pega a sua toalhinha e enxuga o rosto daquela mãe.
Eu em pé observando a situação, achei aquele gesto tão lindo e tão amoroso e novamente fiquei a pensar sobre aquelas pessoas. Continua o balão do ônibus e mais uma movimentação. Vejo que a cobradora se levanta e começa a abanar uma idosa que estava perto da cadeira do motorista e ao que tudo indica está passando mal.
Eu gesticulo para ela e pergunto o que foi: “Ela diz, a pressão da moça baixou”. Também a escuto oferecendo água para aquela mulher quem nem conhece. Os passageiros continuam entrando e ela em pé, dando apoio para a senhora. Achei muito digna a sua atitude também.
Chegou a minha parada. Ufa, vou descer. Já estou tão atrasada para ir trabalhar. Desço do ônibus e parece que a senhora que passava mal já está melhor. A cobradora que me conhece me saúda e diz: “Até logo, Deus te dê um bom dia!”. Fico grata e me sinto abraçada.
Respondo lhe desejando o mesmo e sigo o meu caminho agora caminhando. Vou pensando novamente sobre aquelas mulheres que encontrei naquela manhã e seus gestos de nobreza.
Solidariedade, apoio, gentileza, cuidado… Sinto uma felicidade em presenciar e por saber que no caos cotidiano tem sim muita coisa boa. Tem irmandade, tem essa tal de sororidade. Uma palavra sonora, bonita de se ouvir e de sentir.