Por Carlos H. Kruschewsky*
LP: Never Mind – Nirvana
“Jesus, don't want me for a sunbeam
Sunbeams are never made like me
Don't expect me to cry
For all the reasons you had to die
Don't ever ask your love of me”
Jesus Doesn't Want Me For A Sunbeam – Nirvana
Kurt Donald Cobain era o tipo de sujeito que faz com que a gente questione o quanto carregar um sofrimento pautado num trauma psicológico pode ser pode ser danoso e muitas vezes leva à morte. Kurt nasceu no dia 20 de fevereiro de 1967 em Aberdeen nos Estados Unidos. Filho da garçonete Wendy Elizabeth Frandenburg e do mecânico de automóveis Donald Leland Cobain, teve uma vida conturbada, mas se lembrava de alguma satisfação quando encontrava seu tio, Chuck Frandenburg, que era músico e tocava numa banda chamada The Beachcombers.
Do tio Chuck recebeu as principais influências musicais. Segundo sua tia, começou a cantar aos 2 anos, tocar piano aos 4 anos. Seu gosto musical era influenciado por bandas como Ramones, Electric Light Orchestra e The Beatles. Sonhava com o reconhecimento que esses artistas tinham, sobretudo em deixar uma marca no mundo.
Em fevereiro de 76, perto de seu aniversário de 9 anos, seus pais se divorciaram. É justamente neste ponto que Kurt entende que sua melancolia, companheira de boa parte de sua vida, teve início. Este evento deixou uma marca profunda em sua personalidade. Sua mãe passou a queixar-se que Kurt estava mais desafiador e recluso, passava a maior parte do tempo trancado em seu quarto e quando saia costumava criar todo tipo de conflito.
Seus pais passaram a se relacionar com outras pessoas e apesar do ter dito que nunca se casaria novamente, não demorou muito para que isso acontecesse. Kurt mudou-se com seu pai, sua madrasta e os dois filhos dela. E embora a relação do novo casal fosse bastante sólida, ele insistia em dizer que aquela família não era real. Sua mãe também entrou num novo relacionamento, este abusivo em diversas esferas. Wendy sofria violência em todos os sentidos e não demorou para que Kurt passasse a sofre-las também.
O garoto Cobain passou a se tornar violento, mais desafiador ainda e a cometer bullying com outras crianças na escola. Sua mãe concedeu sua custódia à Donald Cobain, mas diante de tanto conflito, Kurt passou a viver em casas de amigos da família, professores da escola e na rua boa parte do tempo. Em sua Biografia oficial, o livro “Mais pesado que o céu”, Kurt relata esses como os dias mais difíceis de sua vida.
No seu aniversário de 14 anos, Kurt escolheu de presente uma guitarra ao invés de uma bicicleta. Apaixonou-se pela filosofia anarquista que o Punk Rock pregava. Começou a tocar por aí até que conheceu Krist Novoselic, que tempos depois resultaria na criação do Nirvana, inicialmente com Chad Channing na bateria (com ele gravaram o primeiro disco Bleach), e depois com David Grohl (atualmente vocalista do Foo Fighters), formando assim o famoso trio pioneiro do Grunge no mundo.
Poderia me alongar falando de como o Nirvana revolucionou o cenário Punk do fim da década de 80 e início de 90, como músicas como Smells Like a teen spirit, Come as you are, Heart-Shapad box, Lithiun se tornaram canções icônicas e importantes para o Rock até hoje, entretanto, na história do nosso protagonista Kurt Cobain existia uma coisa que era muito mais importante para ele que o Nirvana: Ela era Courtney Love. Se no texto sobre Jim Morrison tivemos a chance de mostrar como o amor entre Rock Stars pode ser avassalador, Jim e Pamela não chegam nem perto do que foi Kurt e Courtney.
Kurt andava por um bar Punk, onde bandas influentes da época iriam tocar, quando foi parado por Courtney (ambos nunca tinham se visto na vida) e ela disse: “Hey, você parece o Dave Pirner!” (vocalista do Soul Asylum). Ele não gostou, a derrubou da mesa e ambos entraram numa briga de faz de conta no chão do bar. Nesta época, em 1991, o Nirvana ainda não era a banda que nós conhecemos; somente em setembro de 1991 o disco Never Mind foi lançado e catapultou o nirvana ao estrelato. Em outubro, Kurt e Courtney começaram esse relacionamento avassalador que levou a outro nível a máxima Sexo, drogas e Rock n’ Roll.
Courtney tinha um sonho: queria ser famosa à qualquer custo e por isso também era vocalista de uma banda de rock (a Pretty on the inside), que junto com todas as outras bandas do cenário Grunge disputavam seu lugar ao sol. O casal tinha uma brincadeira entre eles. Costumavam disputar quem tinha a pior história de infância, quem tinha passado de maior abuso, quem tinha o trauma mais devastador. Um dia, quando andavam pela rua, Kurt viu um pombo morto. Arrancou 3 penas e disse: “Essa é pra você, essa é pra mim e essa é para o bebê que vamos ter” .
Tiveram Frances Bean Cobain, em 18 de agosto de 1992. Um momento muito difícil para Kurt. Ele fazia uso abusivo de drogas, principalmente Heroína. Justificava o uso sob a desculpa de que sempre teve uma doença que lhe causava dores de estômago insuportáveis e havia tentado de tudo para melhorar a dor. Nada surtia o efeito desejado. Então dizia que a heroína melhorava.
O abuso com Drogas fez com que os membros do Nirvana ameaçassem acabar a banda, caso Kurt não se internasse numa clínica de reabilitação. Cobain concordou, estava sobretudo demasiadamente deprimido. Então, antes da internação ele procurou um amigo. Pediu ajuda para comprar uma espingarda, sob a desculpa que estava sendo importunado por fãs e paparazzis.
Dias antes da data da internação, Kurt desapareceu e Courtney cancelou todos os seus cartões de crédito na esperança de fazer com que o marido não fosse para muito longe. Ele não foi. De posse da espingarda, na manhã do dia 5 de abril de 1994, o vocalista do Nirvana foi até a estufa acima de sua garagem, escreveu uma carta, tirou do bolso a carteira, deixou a identidade à amostra, usou uma alta dose de Heroína e Valium, pegou a espingarda calibre 20 e deu um tiro na própria cabeça. O corpo só foi encontrado 3 dias depois por um eletricista que faria reparos na residência.
Mais uma celebridade do mundo do Rock que nos deixava cedo, aos 27 anos, e entrava para o bizarro Clube dos 27.
Veja abaixo, em tradução livre, a íntegra da carta de despedida de Kurt Cobain
“Falo como um simplório homem com experiência que obviamente preferia ser uma criança castrada e reclamona. Este bilhete deve ser bastante fácil de entender. Todas as advertências das aulas de Introdução ao Punk Rock ao longo dos anos, desde minha apresentação à, digamos, ética envolvida na independência e o acolhimento de sua comunidade, se provaram verdadeiras. Eu não tenho sentido a excitação de ouvir, bem como criar música, juntamente com a leitura e a escrita, faz muitos anos. Eu me sinto culpado por essas coisas além do que posso expressar em palavras.
Por exemplo, quando estamos atrás do palco e as luzes se apagam e o ruído ensandecido da multidão começa, isso não me afeta do jeito que afetava Freddie Mercury, que parecia amar, se deliciar com o amor e adoração da multidão, que é algo que eu admiro e invejo totalmente. A verdade é que não consigo enganar vocês, nenhum de vocês. Simplesmente não é justo nem com vocês nem comigo.
O pior crime que posso imaginar seria enganar as pessoas sendo falso e fingindo como se eu estivesse me divertindo 100%. Às vezes eu sinto como se eu tivesse que bater o cartão de ponto antes de subir ao palco. Eu tentei tudo ao meu alcance para gostar disso (e eu tento, por Deus, acreditem em mim, eu tento, mas não é o suficiente). Eu gosto do fato que eu e nós atingimos e divertimos um monte de gente. Devo ser um daqueles narcisistas que só dão valor as coisas quando elas se vão. Sou muito sensível. Preciso ficar um pouco dormente para ter de volta o entusiasmo que eu tinha quando criança.
Nas nossas últimas três turnês, eu tive um apreço muito maior por todas as pessoas que conheci pessoalmente e pelos fãs de nossa música, mas eu ainda não consigo superar a frustração, a culpa e a empatia que eu tenho por todos. Existem coisas boas dentro de todos nós. Eu acho que simplesmente amo demais as pessoas e isso me deixa muito triste. O pequeno, sensível, insatisfeito, pisciano, Jesus triste. “E por que você simplesmente não aproveita?” Eu não sei.
Eu tenho uma deusa como esposa, que transpira ambição e empatia e uma filha que me lembra demais como eu costumava ser, cheia de amor e alegria, beijando cada pessoas que ela encontra, porque todos são bons e ninguém a fará mal nenhum. E isso me apavora ao ponto de eu mal conseguir funcionar. Eu não posso suportar a ideia de Frances se tornar triste, autodestrutiva e mortal roqueira, como eu virei.
Eu tive muito, muito mesmo, e eu sou grato por isso, mas desde os sete anos, passei a ter ódio de todos os humanos em geral. Apenas porque parece tão fácil para as pessoas que tem empatia se darem bem. Apenas porque eu amo e lamento demais pelas pessoas, eu acho. Obrigado do fundo do meu ardente e nauseado estômago por suas cartas e preocupação nestes últimos anos. Eu sou um bebê errático e triste! Eu não tenho mais a paixão, e por isso lembre-se, é melhor queimar de vez do que se apagar aos poucos. Paz, amor, empatia.
Kurt Cobain”
O LP que escolhi mostrar é justamente o LP mais importante do Nirvana. Never Mind. No fim deste texto, me sinto bastante tocado pelas palavras de Kurt em sua carta. E como alguém que tem empatia num mundo onde as pessoas parecem não se importar umas com as outras, gostaria de finalizar esse texto sem escolher as costumeiras faixas favoritas, apenas ressaltado as 3 ultimas palavras de Kurt: Paz, amor, empatia.
*Carlos H. Kruschewsky é psicólogo, psicanalista, presidente do Dragornia Moto Club, BeerSommelier, Homebrewer, sócio da Dragornia Cervejaria e Colecionador de Discos. Instagram: @sr.ck @dragornia