Por Madalena de Jesus*
Quando eu ganhei Histórias de Mulheres (obrigada meu amigo Jair Onofre) já tinha informações sobre a autora, através de outra obra, A Louca da Casa. Fui “apresentada” à escritora espanhola Rosa Montero pela jornalista Socorro Pitombo e conhecendo o seu faro refinado para detectar bons textos, não tive dúvidas da qualidade do presente. O livro é realmente uma obra de arte, que impressiona não somente pela riqueza das histórias contadas, mas sobretudo pela capacidade da escritora de contextualizar situações tão distantes – assim como as próprias vidas biografadas – e trazê-las para a atualidade.
As marcas da temporalidade, ao mesmo tempo em que servem de pano de fundo para as tramas que se desenrolam, desaparecem na reflexão dos conflitos humanos. São 15 mulheres biografadas. Poderiam ser em número infinitamente maior, ou mesmo menor. A quantidade, nesse caso, é o que menos importa. Não farei análise de nenhuma das histórias, lidas com uma sensação de inquietação, às vezes beirando a angústia. Certamente me perderia em elogios às estratégias narrativas da autora. Minha intenção é apenas fazer um registro, fruto da curiosidade típica dos leitores insaciáveis, aliada ao bairrismo comum a todos nós: por que não há uma brasileira entre as escolhidas?
Diante de tal questionamento, imediatamente me veio à cabeça uma extensa relação de mulheres que, a seu tempo e modo, construíram histórias merecedoras de biografias Brasil afora. E assim os nomes surgiam, atropeladamente, até que um deles se fixou na minha mente: Chiquinha Gonzaga. É certo que sua vida e obra já serviram de tema para filme e minisérie, mas convenhamos que a literatura ainda deve muito a Francisca Edwiges Neves Gonzaga. Não somente pelos méritos musicais, mas pela ousadia e a vontade de ir sempre além do óbvio, do planejado, do esperado.
Longe de mim a pretensão de biografar Chiquinha Gonzaga, a primeira pianista de choro, autora da primeira marcha carnavalesca (Ô Abre Alas, 1899) e também a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. No Passeio Público, há uma herma em sua homenagem, obra do escultor Honório Peçanha. Mas que dá vontade de conhecer um pouco mais de sua vida, ah! Isso dá. Então eu saí em busca de informações sobre sua vida e sua obra e depois de alguns sustos, tento recontá-las aqui.
Filha de um general do Exército Imperial – é difícil de crer, mas é verdade – e de uma mãe humilde e mulata, Chiquinha Gonzaga cresceu em um meio aristocrático. Um dos sustos: seu padrinho era o Duque de Caxias. Teve dois grandes mestres. Nos estudos normais, o Cônego Trindade; nos estudos musicais, o Maestro Lobo. Com apenas 11 anos de idade compôs “Canção dos Pastores”, uma música natalina. Outro susto: apesar da rigidez da educação familiar, sempre deu um jeititinho de frequentar as rodas de lundu, umbigada e outras músicas populares típicas dos escravos.
Fato comum no século XIX, Chiquinha casou ainda menina, aos 16 anos, por imposição da família. O casamento com o oficial da Marinha Imperial Jacinto Ribeiro do Amaral não resistiu à exigência absolutamente impossível de ser cumprida por ela: não se envolver com a música. Do enlace nasceu João Gualberto, o filho mais velho que sustentou dando aulas de piano. Tornou-se compositora de polcas, valsas, tangos e cançonetas. Era, então, uma musicista independente e uniu-se a um grupo de músicos de choro, que incluía o compositor Joaquim Antônio da Silva Calado.
Aos 52 anos de idade viveu uma nova e grande paixão: João Batista Fernandes Lage, de apenas 16 anos. Para viver esse amor, adotou o jovem como filho, o que foi contestado posteriormente por suas filhas, Maria do Patrocínio e Alice Maria. Elas chegaram a entrar na justiça para provar que João não era filho legítimo, mas não levaram a causa adiante. Chiquinha, nascida em 17 de outubro de 1847, no Rio de Janeiro, morreu ao lado de João Batista, aos 88 anos, em pleno carnaval.
*Madalena de Jesus é jornalista e professora de Literatura e Língua Portuguesa.