Cooperação internacional

Estudos sobre extradição (8): abduções no Brasil

Não há na história recente do País relatos sobre a abdução de nacionais, isto é, sobre o sequestro e remoção clandestina de cidadãos brasileiros para outros países, para fins processuais penais.

Por Vladimir Aras

Brasileiros natos não podem ser deportados, expulsos, extraditados nem banidos. E a abdução? Não me refiro obviamente à abdução extraterrestre (sic), pois esta ainda não é objeto do direito deste planeta. A ideia aqui é cuidar dos sequestros internacionais, aqueles praticados pelos Estados por seus próprios agentes, ou por intermédio de mercenários ou caçadores de recompensas.

Não há na história recente do País relatos sobre a abdução de nacionais, isto é, sobre o sequestro e remoção clandestina de cidadãos brasileiros para outros países, para fins processuais penais. Porém, a literatura internacional e este post (“Fugas famosas, extradições legítimas e abduções ilegais“) revelam casos de abduções e rendições extraordinárias de várias pessoas, como:

a) o médico mexicano Humberto Álvarez-Machaín, levado do México para os Estados Unidos;

b) o ex-homem forte panamenho Manuel Noriega, retirado do Panamá e conduzido aos Estados Unidos;

c) o clérigo muçulmano Abu Omar, sequestrado na Itália e removido para o Egito;

d) o criminoso nazista Adolf Eichmann, abduzido na Argentina e transferido a Israel;

e) o traficante americano Jesse James Hollywood, capturado no Brasil e levado para os Estados Unidos; e

f) o assaltante britânico Ronald Biggs, retirado à força do Brasil com destino a Barbados.

Há outros tantos casos, mas ignoro ter havido a extração clandestina de brasileiros para se submeterem a processo penal legítimo ou a execução de sentença criminal no exterior, finalidades que não se confundem com o banimento de nacionais autorizado pelo Ato Institucional n. 13, de 1969, ou com a extradição de brasileiros admitida ao tempo da República Velha pela Lei 2.416/1911.

Especula-se, porém, que nas regiões de fronteira do Brasil seriam comuns umas tais “extradições por empurrão“ (sic), realizadas indevidamente por policiais dos países vizinhos, inclusive por brasileiros, a fim de evitar as delongas do processo de extradição.

E quanto à extração clandestina de brasileiros em outros países. Os casos de PC Farias e Roger Abdelmassih não contam porque ambos foram legitimamente entregues à Polícia Federal pelos países nos quais se esconderam, Tailândia e Paraguai, respectivamente, após a aplicação de medidas compulsórias administrativas. Veja mais neste post: “A verdadeira face do `Dr. Ricardo`“.

Há um caso documentado, contudo. Dizem os livros de História geral que o último país a invadir a França foi a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Certo? Errado! A última força estrangeira a avançar sobre o território francês foi a PM do Amapá. Não ria. A situação teria ocorrido em 2012, quando brasileiros foragidos da Justiça do Amapá teriam sido capturados por policiais amapaenses em território da Guiana Francesa e de lá trazidos à força para o Brasil, sem qualquer procedimento extradicional. Essa incursão teria provocado um incidente diplomático entre as duas nações, pela ofensa à soberania territorial francesa, e também teria sido lesado o direito dos brasileiros fujões ao devido processo extradicional.

Conheço outro caso de abdução no Brasil que vitimou um brasileiro nato. Trata-se do sequestro de Sandro Yost, que foi capturado em Santana do Livramento/RS por policiais civis do Estado do Rio Grande do Sul e levado a força para a cidade de Rivera, no Uruguai, a fim de responder por crime de homicídio cometido naquele País. O caso ocorreu em 25 de setembro de 1999 nas cidades geminadas. O delegado regional I.L.G.S. e o inspetor de Polícia A.A.L.S. foram denunciados pelo Ministério Público gaúcho por sequestro. A conduta de ambos feriu os direitos individuais do brasileiro nato capturado (art. 5º da CF) e violou a competência do STF para decidir sobre extradição passiva (art. 102 da CF).

A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça daquele Estado acabou por absolver os policiais em 2006. Quanto a Sandro Yost, não sei se ele foi restituído ao Brasil.

A violação do direito internacional extradicional pode ter sérias conseqüências para os bens jurídicos primários do acusado ou condenado. Veja, a propósito, “A história de Jesse James Hollywood“.

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