Era uma manhã fria e chuvosa de inverno, e eles entraram tiritando pela porta entreaberta da lanchonete onde eu trabalhava.
Não passavam de três crianças de rua, em roupas desgastadas e pequenas para o seu tamanho.
Foram direto ao cesto do lixo, revirando-o com zelo e avidez.
Eu me encontrava sozinho, tinha muito o que fazer, meu patrão e o meu único colega de trabalho ainda não haviam chegado, e pensei logo em pô-los a correr dali, quando um deles me disse:
– moço, a gente não quer incomodar, não. Só estamos procurando uns pedaços de pão velho e já vamos embora.
– Queria dizer que não estava nem aí, que caíssem logo fora, mas olhei para seus pés desnudos e vi que estavam enrijecidos de frio.
– Cheguem aqui que eu dou um lanche para vocês.
– Receosos, aproximaram-se. Suas roupas encharcadas, seus pés sujos, deixaram marcas pelo piso da lanchonete, mas eu não consegui reclamar. Servi-lhes, numa mesinha de fundos, café com leite com pãezinhos amanhecidos, retomando meu trabalho e os deixando bem à vontade. Pouco depois, satisfeitos, eles saíram lutando contra a chuva e o vento.
Não sem antes um menino me olhar com curiosidade e me indagar: – moço, o senhor é rico? – Ah, claro que não, imagine. Pensei no mísero salário que ganhava, nas contas para pagar, no sonho cada vez mais distante de fazer faculdade, e sorri com amargura.
– Você é rico, sim, moço. Tá bem vestido, tem um trabalho legal, pagou um lanchão para nós e deve ter uma casa bem quentinha para morar.
– Sua voz denunciava um outro tipo de fome, diferente da do estômago.
Mais tarde, sozinho com meus botões, repensei em tudo o que aquele menino de rua havia me dito e o quanto isso tinha me feito bem. Azucrinado pelos atropelos da vida, nunca havia parado para pensar que ter um teto sobre a cabeça, uma família e um emprego estável, são bênçãos do céu.
Comecei a limpar o chão e a mesinha utilizado por eles, mas a vontade que eu tinha era de deixar suas pegas para sempre ali no piso da lanchonete. Sim, gostaria que elas permanecessem no mesmo lugar, caso eu me esquecesse, outra vez, de que sou um moço rico.
Everaldo Lasch Moreira
Retirada do site Mundo Jovem.
http://www.mundojovem.com.br/mensagens/um-moco-rico