Direito comparado

A nova redação da PEC dos Recursos

Meu tema é a PEC dos Recursos (PEC 15/2011), também conhecida como “PEC Peluso”, porque foi do ministro do STF Cezar Peluso, hoje aposentado

Por Vladimir Aras

A primeira versão não era uma maravilha, tanto que suscitou críticas de lá e de cá. Infelizmente o Congresso Nacional está prestes a piorar o que já não era bom.
 
Meu tema é a PEC dos Recursos (PEC 15/2011), também conhecida como “PEC Peluso”, porque foi do ministro do STF Cezar Peluso, hoje aposentado, a ideia de modificar o sistema recursal brasileiro para acabar com a infinidade de recursos, que fazem do Brasil o único país do mundo com quatro instâncias recursais, que levam a fenômenos como o desta centopeia recursal: EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 731.024-RN.
 
EDCL PROTELATÓRIOS. ABUSO. EXECUÇÃO IMEDIATA.
A Turma rejeitou os quintos embargos de declaração por entender estar caracterizado seu intuito protelatório, razão pela qual aplicou a multa disposta no art. 538, parágrafo único, do CPC. Segundo o Min. Relator, a sucessiva oposição do recurso integrativo, quando ausente ou falsamente motivada sua função declaratória, constitui abuso do direito de recorrer e não interrompe prazos, o que autoriza, nos termos da orientação adotada pelo STF, o retorno dos autos à origem para a execução imediata do julgado proferido no recurso especial. Precedentes citados do STF: AgRg no AI 222.179-DF, DJe 8/4/2010; AI 735.904-RS, DJe 19/11/2009; AO 1.407-MT, DJe 13/8/2009, e AI 567.171-SE, DJe 5/2/2009. EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 731.024-RN, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 26/10/2010).
 
Devemos ser bons em processo penal e garantias tanto quanto somos eficientes e imbatíveis no futebol (opa!), em inventos científicos e em obras públicas (nada a declarar…).
 
Vamos à lida.
 
O texto original da PEC 15/2011, de autoria do senador Ricardo Ferraço, mexia nos artigos 102 e 105 da Constituição, para transformar os atuais recurso extraordinário e recurso especial em ações rescisórias. Dizia:
 
Art. 1º. O art. 102 da Constituição passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.102 […]
s) a ação rescisória extraordinária;
……………………………………………………………………………………
§3º A ação rescisória extraordinária será ajuizada contra decisões que, em única ou última instância, tenham transitado em julgado, sempre que:
I – contrariarem dispositivo desta Constituição;
II – declararem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
III – julgarem válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;
IV – julgarem válida lei local contestada em face de lei federal.
 
§4º. Na ação rescisória extraordinária, o autor deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais nela discutidas, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine sua admissibilidade, somente podendo recusá-la, por ausência de repercussão geral, pelo voto de dois terços de seus membros.” (NR)
 
Art. 2º. O art. 105 da Constituição passa a vigorar com as seguintes alterações, renumerando-se o parágrafo único como §1º:
 
“Art. 105. […]
j) a ação rescisória especial;
§ 2o A ação rescisória especial será ajuizada contra decisões dos Tribunais Regionais Federais ou dos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios que, em única ou última instância, tenham transitado em julgado, sempre que:
I – contrariarem tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
II – julgarem válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
III – derem a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
§ 3o A lei estabelecerá os casos de inadmissibilidade da ação rescisória especial.” (NR)
 
Depois de abandonada essa questionável e atécnica pretensão, a novíssima versão da PEC, apresentada em dezembro de 2013, e já então patrocinada pelo senador Aloysio Nunes, passou a trazer esta redação:
 
“Art.96 -…………………………………………………
Parágrafo único. Os órgãos colegiados e tribunais do júri poderão, ao proferirem decisão penal condenatória, expedir o correspondente mandado de prisão, independentemente do cabimento de eventuais recursos.”(NR)
 
Como se vê, o substitutivo à PEC 15/2011 que está em vias de aprovação no Senado é completamente diferente do inicial. Acho-o ruim. Primeiro porque diz o óbvio: os juízes e tribunais já podem decretar prisão cautelar depois da decisão condenatória de primeiro grau ou de segundo grau, ainda que o réu tenha respondido o processo em liberdade. Basta, evidentemente, que estejam presentes as razões de cautelaridade exigidas pelos artigos 312 e 313 do CPP.
 
Observe-se que o objetivo da proposta de emenda constitucional é permitir a execução imediata de decisões condenatórias proferidas pelo tribunal do júri – que julga em primeiro grau os crimes dolosos contra a vida – ou por tribunais de justiça, tribunais regionais federais, tribunais regionais eleitorais, pelo Superior Tribunal Militar, pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, seja na competência recursal ou na competência originária (aquela do foro especial por prerrogativa de função).
 
No fundo, embora não impeça a interposição dos recursos hoje existentes, a PEC não pretendeu tratar ali da prisão cautelar, mas sim da execução provisoria da sentença ou acórdão condenatório. Todavia, o texto diz menos do que queria dizer, deixando margem a interpretação restritiva, solução previsível. E isto é muito importante. Lembremos que a regra restringe direito de liberdade, o que recomenda o fechamento da interpretação, com o potencial de inviabilizar o propósito da emenda.
 
Ademais, sem querer, o projeto vai além dos limites a que se propôs explorar, pois permitirá que as auditorias militares e os chamados triunviratos da Lei 12.694/2012 também expeçam mandados de prisão logo após condenações em primeiro grau, pois tais estruturas são colegiadas. O texto fala apenas em “órgãos colegiados”, dispensando a expressão qualificativa “de segundo grau”, mesmo “defeito” que se vê na Lei da Ficha Limpa (art. 1º, inciso I, alíneas `d`, `e`, `h`, `j`, `l`, `n` e `p`, da LC 64/1990) O fato é que, de acordo com a legislação militar (arts. 399 e 400 do CPPM e art. 16 da Lei 8.457/1992), os julgamentos em primeira instância são realizados por um juiz-auditor togado e juízes militares nos conselhos de justiça. E no âmbito da Lei 12.694/2012, ações penais contra membros de organizações criminosas também podem ser julgadas por órgãos colegiados de primeiro grau, formados casuisticamente, e que vêm sendo chamados de triunviratos ou paineis.
 
Pois bem, se aprovado tal substitutivo, bastará que a condenação seja proferida por um desses entes judiciários coletivos de primeira instância para que o réu condenado passe imediatamente à execução penal (provisória). Mas, repito, o texto da PEC dixit minus quantum voluit.
 
Vamos a outros pontos que merecem crítica. Essa pretendida (pretendida porque não o diz com clareza) executoriedade imediata das decisões condenatórias ficará restrita à prisão do réu. As demais consequências da condenação, entre elas as previstas nos artigos 91 e 92 do CP e no artigo 7º da Lei 9.613/1998, não estão abarcadas pela PEC.
 
Assim, por exemplo, não será possível alcançar de pronto a perda do cargo, função ou mandato, em casos de condenação do acusado, mesmo em segundo grau, ou obter o confisco criminal (perda do produto ou do proveito do crime ou dos seus instrumentos ilícitos), para a sufocação econômica de uma organização criminosa. Tampouco será viável a certeza e imutabilidade da decisão para viabilizar a reparação do dano causado à vítima mediante execução civil ex delicto. Assim, a PEC segue o triste fetiche da prisão, como se este fosse o único ou mais eficaz instrumento para o enfrentamento da criminalidade no País.
 
Ademais, persistirá um dos maiores problemas no âmbito da cooperação internacional para a repatriação de ativos bloqueados no exterior, qual seja, a demora das decisões brasileiras de confisco criminal. Deste modo, poderemos, eventualmente, ter um dado réu recolhido a uma prisão nacional, nos termos da PEC 15/2011, contudo sem a possibilidade de recuperar os ativos por ele desviados e remetidos para ocultação no exterior (lavagem de dinheiro). Isto ocorre porque muitos países, invocando sua legislação interna ou tratados bi ou multilaterais, só permitem a repatriação de ativos após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que se dá em segundo grau, assim que esgotados os recursos ordinários (por todos, a apelação). É a chamada conviction-based confiscation.
 
Porém, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida ou UNCAC), em vigor no Brasil por força do Decreto 5.687/2006, encoraja os Estados-Partes a adotar um sistema paralelo, de confisco e repatriação sem condenação criminal. A isto se denomina non-conviction-based confiscation, prevista no artigo 54, §1, letra `c`, da Convenção, medida útil para situações de extinção da punibilidade do agente por prescrição, morte ou outra causa, que impeça a obtenção da decisão de confisco criminal. A UNCAC vai além e permite o confisco e repatriação de ativos que sejam produto, proveito ou objeto de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro mesmo sem sentença condenatória definitiva (art. 57, §3º, b e c). Mas, neste caso, a dispensa do requisito do trânsito em julgado para a cooperação é facultativa.
 
Fechado o parêntese, prossigamos no exame da PEC.
 
Em homenagem a Apeles (Ne sutor ultra crepidam), nem mencionarei a questão da morosidade do processo civil e suas infinitas idas e vindas. Mas é curioso que o senador proponente do substitutivo à PEC 15/2011 tenha atentado para o problema da demora dos feitos cíveis (como se vê no trecho abaixo transcrito), mas tenha restringido a aplicação do novo texto apenas à esfera criminal e, nesta, ao tema da prisão:
 
“A demora, intolerável e ultrajante, do trânsito em julgado da decisão judicial apenas favorece quem não tem razão. Tal é a distância temporal entre o reconhecimento do direito subjetivo e a execução da sentença, tantas são as vias de acesso ao STJ e ao STF, que, em muitos casos, sem exagero, os beneficiários da decisão judicial serão os filhos ou os netos da pessoa prejudicada, na hipótese otimista de que um dia haverá beneficiários.” (trecho da justificativa do senador Aloysio Nunes, Substitutivo à PEC 15/2011, versão de dezembro de 2013).
 
Lamento que o Congresso esteja prestes a perder outra oportunidade de dar alguma racionalidade ao sistema recursal do Brasil. A diminuição de instâncias revisoras não é incompatível com o direito ao duplo grau e à ampla defesa. Tome-se em conta que o índice de reversão de julgados condenatórios nas vias especial e recursal é irrisório, segundo as estatísticas dos próprios tribunais superiores, não sendo de se ignorar que o largo espectro do habeas corpus no Brasil permite que muitos temas sejam levados direta ou rapidamente ao STJ ou ao STF, apesar da Súmula 691. Aliás, a PEC 15/2011 não restringirá a possibilidade de impetração de HC para revogar decretos prisionais.
 
Continua o senador:
 
“Com respeito à área cível, o índice de provimento de recursos extraordinários no STF, de 2009 a 2011, é de aproximadamente 4%, enquanto que, em matéria criminal, o percentual gira em torno de 2,7 %. Ou seja, a avassaladora maioria dos recursos, não logra modificar o que fora decidido pelas instâncias inferiores. O que há, portanto, na maioria dos casos, é consumo de tempo em prejuízo daquele que teve o seu direito reconhecido.” (trecho da justificativa do senador Aloysio Nunes, Substitutivo à PEC 15/2011).
 
De fato, segundo dados da Assessoria de Gestão Estratégica do STF, entre 2009 e 2010, foram interpotos 5.300 recursos extraordinários criminais e agravos de instrimento em matéria criminal, o que equivale a 8% do total do período. Destes, apenas 145 foram providos! Este índice representa apenas 0,22% do total de recursos extraordinários interpostos no STF em 2009 e 2010. Ainda há que se considerar que desses 145 recursos, 77 foram providos em favor do Ministério Público e 59 tratavam de execução criminal. Ou seja, apenas 9 (nove), eu disse nove, recursos extraordinários criminais foram julgados e providos pelo STF em prol da defesa, antes do trânsito em julgado da condenação. Em apenas 1 (um) ! destes RE o STF veio a absolver o réu.
 
Para concluir.
 
Talvez a melhor redação da PEC 15/2011 fosse aquela intermediária, de 2011, que procurava retirar o efeito suspensivo dos RE e dos RESP, tal como era antes de o STF decidir a questão no HC 84.078/MG (rel. Eros Grau, de 2009). Nesse habeas corpus, o STF impediu a execução penal provisória de condenações criminais, mesmo após a consumação do duplo grau. Bloguei sobre este tema aqui (Ainda sobre a execução penal provisória). Leia a ementa do HC que alterou a sistemática do CPP:
 
HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados — não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque — disse o relator — “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. (STF, Pleno, HC 84078, Relator Min. EROS GRAU, julgado em 05/02/2009).
 
Quando eficaz o artigo 637 do CPP, podia o Ministério Público requerer a execução provisória da pena cominada a réus condenados por tribunais de justiça ou tribunais regionais federais, tendo em vista que os recursos remanescentes, de natureza extraordinária ou especial, não tinham efeito suspensivo e não se prestavam a provocar o reexame de provas no STF ou no STJ, tal como enunciam as súmulas 279 e 7 dessas Cortes:
 
Súmula 279: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.”
 
Súmula 7: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”.
 
Assim, o texto intermediário, proposto pelo próprio senador Aloysio Nunes em julho de 2011, era muito superior ao atual. Pretendia-se a inclusão do art. 105-A na Constituição, com a seguinte redação:
 
Art. 105-A. A interposição dos recursos extraordinário ou especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.
Parágrafo único. A execução da decisão recorrida somente poderá ser sustada por deliberação colegiada, nos termos do Regimento Interno do Tribunal.
 
Com alguns retoques de redação, seria o retorno à lógica sistêmica, presente nos ordenamentos do direito comparado e harmônica com as convenções de direitos humanos, que traria de volta a racionalidade do modelo recursal, de modo a privilegiar as instâncias ordinárias, sem prejudicar o direito ao duplo grau e sem tolher a possibilidade de o réu interpor recurso especial ou recurso extraordinário, ou ainda, impetrar habeas corpus, para romper acórdãos abusivos proferidos por cortes regionais federais ou pelos tribunais de Justiça dos Estados.
 
Era o que dizia o art. 637 do CPP:
 
Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.
 
Para mostrar que a experiência internacional diverge do caminho trilhado pelo STF, por 7 votos a 4, em 2009, basta lembrar que o Conselho da Europa, organização pan-europeia que congrega 47 países daquele continente, aprovou em 1995 a Recomendação R (95) 5, cujo artigo 7º, alínea `e`, conclama a que nos Estados Partes as decisões da jurisdição civel e comercial proferidas por tribunais de segundo grau sejam imediatamente executáveis, salvo se esse mesmo tribunal ou uma corte superior (“third court”), determine a suspensão da execução, ou que o apelante preste garantias à execução. (“Decisions made by the second court should be enforceable, unless the second or the third court grants a stay of execution or the appellant gives adequate security.”).
 
Não podemos esquecer que a garantia da duração razoável do processo e “dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação” não se restringe ao processo civil; é também do processo penal e, neste, não é patrimônio apenas dos acusados, mas também das vítimas e da sociedade. Já disse neste Blog e repito que o direito fundamental protegido pelas convenções internacionais de direitos humanos, como o Pacto de São José da Costa Rica, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis Políticos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos, restringe-se à observância do duplo grau, isto é, ao julgamento justo e imparcial em primeira instância e ao reexame com as mesmas qualidades, por um órgão colegiado superior. Não existe garantia constitucional, convencional ou legal ao quádruplo grau, ou ao reexame sem fim, que suportaria um fantasioso direito fundamental à prescrição, que muitos pensam ler no inciso LXXIX, do artigo 5º, da Constituição. Confira o texto da Carta de 1988. Como? Não estão lá os direitos à impunidade, à prescrição, ao abuso de direito de recorrer? Não estão mesmo. Mas muita gente finge que os vê.
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