Por Vladimir Aras
“Sabe que, a propósito disso, o ex-ministro agora Cezar Peluso defendia uma reforma que reduzisse o número de instâncias recursais. Teria que ser uma emenda constitucional. Havia dúvidas se era constitucional ou não fazer isso. Qual a sua opinião sobre isso para abreviar o tempo entre o processo e os diversos julgamentos e o cumprimento da pena?
Eu tenho a impressão que nós caímos numa cilada. Inicialmente, acho que foi até o próprio ministro Peluso como relator que consagrou a tese, que era questionada no Supremo Tribunal Federal, a propósito da necessidade de que houvesse trânsito em julgado para mandar alguém ao presídio. Essa foi a tese por ele sustentada em razão dos múltiplos abusos que se perpetravam e deixou alguma válvula de escape para aqueles casos em que, com a sentença, já se justificasse a prisão provisória nos casos de crimes organizados, casos de continuidade delitiva etc. Mas foi ele mesmo que defendeu essa tese. O Tribunal a sufragou. Creio que por uma ampla maioria. Depois se viu que isso estava se resultanExeceu;do no final num quadro de impunidade porque as pessoas recorrem e passam a recorrer abusivamente agora para o STJ e depois para o Supremo Tribunal Federal. Eu tenho a impressão de que a resposta pode se dar no próprio plano legislativo e até no plano jurisprudencial.
Podemos tanto dizer que a partir do 2º grau já pode ocorrer a prisão se o juiz assim avaliar, se o Tribunal assim avaliar. Vamos estar consoantes com todas as declarações de direito, inclusive com a Convenção Interamericana de Direitos. Portanto, não acredito que haja aqui tantos problemas.
Não. Não é necessário fazer uma emenda. E aquela emenda, que foi chamada “PEC Peluso” tinha ainda um problema porque ela dizia que quase todas as decisões — e aí não era só na esfera penal, mas também na esfera civil em geral — já teriam força executória com a decisão de 2º grau. E aí nós teríamos uma grande insegurança por quê? Porque as decisões do Supremo e do STJ virariam algo lítero-poético-recreativo, não é? Com todos problemas que nós dizemos. Acabou se atirando no que vira e acertando no que não vira. Em suma, não foi uma boa proposta. Eu acho que vale como metáfora. Quer dizer, nós precisamos melhorar a justiça criminal. E eu acho que nesse ponto a mensagem da PEC Peluso é interessante. Acho que isso tem que ser prioridade mesmo.
Dizer que em caso tais, em 2º grau e com a condenação já se cumpra [a pena]. Ontem, por exemplo, nós tivemos aquele caso de um deputado de Rondônia [Natan Donadon] já nos segundos embargos de declaração. Tecnicamente, não houve trânsito em julgado, mas o Tribunal disse: “Agora já é abusivo.
Vamos considerar, portanto, fictamente que já transitou em julgado.” Manda-se executar a decisão. Não é mais passível de recursos. Então, talvez nós tenhamos que ter algum tipo de referencial a partir do 2º grau e deixar o Tribunal avaliar se é o caso de fazer-se logo o decreto de prisão.
Em 2010. Nós estamos em 2013. Nesse caso o sr. acha que o Supremo poderia, talvez, antes ter tomado a decisão que tomou nesta semana?
Estou com o ministro. Não é de hoje, venho apontando aqui no Blog o absurdo das quatro instâncias criminais no Brasil, responsáveis por “absolvições” por decurso de tempo, isto é, em virtude de prescrição:
Um caso recente reacendeu a polêmica. Em 2010, o deputado federal Natan Donadon foi condenado pelo STF a 13 anos, 10 meses e 4 dias de reclusão. Contudo, o acórdão só transitou em julgado quase três anos depois, mesmo se tratando de ação penal originária, julgada em instância única (AP 396/RO).
O trânsito da decisão tardou porque o réu opôs sucessivos embargos de declaração, para impedir a execução da pena. Disso resultou a determinação, pelo STF, da imediata expedição do mandado de prisão, independentemente da publicação do acórdão nos segundos embargos (aqui).
Se a garantia constitucional, que reflete previsões do Pacto de São José da Costa Rica (1969) e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), é a do duplo grau de jurisdição, é desnecessário aguardar o julgamento pelo STJ ou pelo STF para dar-se início à execução da sentença condenatória confirmada em segunda instância. Cuidei deste tema em cinco ocasiões:
Arre égua! Que demora (out/2010)
A tese da execução penal “antecipada”, isto é, a partir do trânsito nas instâncias ordinárias (TJ, TRF ou TRE) era viável à luz da Constituição e das leis processuais, mas deixou de sê-lo assim até que o STF apreciou o HC 84.078/MG, (STF, Pleno, rel. min. Eros Grau, j. em 05/fev/2009). Em tal caso, a Suprema Corte brasileira proibiu a execução penal provisória pro societate (contra o réu) antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória em último grau, sob o fundamento de que prática diversa ofenderia a presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF). Eis a ementa do leading case:
Significa dizer que, hoje em dia, somente após a decisão final do STF (em matéria constitucional) ou do STJ (em matéria infraconstitucional) pode ser exigido o cumprimento da sanção penal, sem prejuízo, é claro, da prisão cautelar (arts. 312 e 313 do CPP). Na ocasião, ficaram vencidos os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Portanto, a decisão foi por 7×4, o que revela que o tema não era pacífico em 2009, tanto é que um dos ministros que integrou a maioria, Cezar Peluso, logo mudou de ideia ao sugerir uma solução para esse dilema: a PEC 15/2011, proposta pelo senador Ricardo Ferraço, sob a inspiração do agora ex-ministro.
Direitos“. Continuou o ministro: “Então, talvez nós tenhamos que ter algum tipo de referencial a partir do 2º grau e deixar o Tribunal avaliar se é o caso de fazer-se logo o decreto de prisão”. E arrematou: “Eu tenho a impressão que no futuro nós teremos que, decidindo um caso em matéria criminal, teremos que expedir logo a ordem de prisão e não ficarmos a esperar embargos de declaração, que saiam embargos infringentes ou embargos para Deus. Em suma, não faz sentido”.
Evidentemente, após duas decisões condenatórias, em primeira e em segunda instância, presunção de inocência já não há. Pelo menos, não a mesma que havia antes do primeiro pronunciamento judicial.
Não se pode equiparar a situação de um simples acusado com a daquele que já foi julgado por dois órgãos judiciários que o consideraram culpado. É assim em várias democracias. O devido processo legal terá sido observado sempre que se permitir ao réu o acesso ao duplo grau, mediante a interposição de recurso ordinário (no nosso caso, a apelação criminal ou recurso equivalente) a um tribunal de segunda instância, ou nos demais casos a um órgão revisional previsto na CF, nas leis processuais ou nos regimentos internos. Os recursos extraordinário (RE) e especial (RESP) são, isto mesmo, recursos excepcionais, uma franquia do sistema, um plus, e não garantias fundamentais no sentido previsto nas Cartas internacionais de direitos humanos. Nestas, só se assegura o duplo grau.
Ademais, hoje o RE só é admitido se demonstrada sua repercussão geral, o que reforça sua nota de excepcionalidade, e menos seu caráter de direito subjetivo público. Não tendo, em regra, efeito suspensivo, tais recursos anômalos não podem impedir a execução da pena, porque neles é inviável o reexame da prova. Ou seja, os temas da autoria e da materialidade, quem fez e o que fez, já terão sido definitivamente decididos nas instâncias ordinárias, as únicas competentes para o exame do fato.
A sabedoria estava, então, com o artigo 637 do CPP: “O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”. Tal regra, agora septuagenária — mas inexequível por decisão do STF no referido HC 84.078/MG — foi reproduzida no art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990, segundo a qual “Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo“. Tal dispositivo é temporalmente posterior ao próprio art. 637 do CPP e à LEP, invocados no voto condutor do min. Eros Grau, e plenamente compatível com a Constituição e com as convenções de direitos humanos.
Lewandowski formaram a maioria de 2009. Os ministros Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Menezes Direito compuseram a minoria. Dos 7 que integravam o grupo majoritário, deixaram a Corte os ministros Ayres Britto, Cezar Peluso e Eros Grau. E Gilmar Mendes aparenta ter mudado de posição. Esse novo quadro recoloca na berlinda a questão da constitucionalidade da Súmula 267 do STJ:
Tentando interpretar o que disse o ministro, os recursos especial e extraordinário em regra não devem ter efeito suspensivo. Cabe ao Tribunal recursal, em cada caso concreto, definir se haverá ou não a execução imediata da pena confirmada no duplo grau, independentemente da interposição, admissão e subida desses recursos excepcionais. Os casos abusivos seriam corrigidos por meio de habeas corpus, ou mediante a concessão de efeito suspensivo ao RE ou ao RESP, em ação cautelar.
Creio ter sido este o caminho apontado pelo ministro Gilmar Mendes. Como “para bom entendedor, pingo é letra”, cabe ao Ministério Público requerer doravante o cumprimento imediato das decisões penais condenatórias confirmadas em segundo grau pelos Tribunais de Justiça, pelas Cortes Regionais
Federais ou pelos Tribunais Eleitorais. Obviamente, somente quando houver observância do direito ao duplo grau tal solução se legitima. Hora destas um caso chega ao STF e a Corte terá condições de manter ou revisar o entendimento que adotou, por 7 votos a 4, no HC 84.078/MG. Afinal, dos 7 ministros que concederam a ordem em 2009, apenas 4 permanecem na Corte e um destes é Gilmar Mendes.