A enfermeira aposentada e costureira Rosemeire dos Santos Porto, de 64 anos, enfrenta as marcas deixadas por dois Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) sofridos em agosto de 2023 e julho de 2024.
Natural de Feira de Santana, ela carrega não apenas as sequelas da doença, mas também uma história de luta e superação, enraizada em um contexto familiar de predisposição genética a problemas de saúde como diabetes e AVC.
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O Acidente Vascular Cerebral (AVC) acontece quando vasos que levam sangue ao cérebro entopem ou se rompem, provocando a paralisia da área cerebral que ficou sem circulação sanguínea. É uma doença que acomete mais os homens e é uma das principais causas de morte, incapacitação e internações em todo o mundo.
Os principais sinais de alerta para qualquer tipo de AVC são:
- fraqueza ou formigamento na face, no braço ou na perna, especialmente em um lado do corpo;
- confusão mental;
- alteração da fala ou compreensão;
- alteração na visão (em um ou ambos os olhos);
- alteração do equilíbrio, coordenação, tontura ou alteração no andar;
- dor de cabeça súbita, intensa, sem causa aparente.
O peso da genética
Rosemeire cresceu em uma família de sete irmãos em que a diabetes e o AVC foram recorrentes. O seu pai e um dos seus irmãos faleceram em decorrência dessas doenças.
“A maioria dos meus irmãos têm diabetes. Meu pai morreu de AVC e diabetes, e um dos meus irmãos também morreu por conta do diabetes e do AVC, os sintomas que o meu irmão teve foram os mesmos que eu tive. Ele teve um AVC e, depois, um fulminante [Acidente Vascular Cerebral que resulta em morte antes do paciente conseguir chegar a um hospital]”, relembrou.
Existem diversos fatores que aumente a probabilidade de ocorrência de um AVC. Os principais fatores causais das doenças são:
- Hipertensão;
- Diabetes tipo 2;
- Colesterol alto;
- Sobrepeso;
- Obesidade;
- Tabagismo;
- Uso excessivo de álcool;
- Sedentarismo;
- Histórico familiar, ser do sexo masculino, dentre outros.
Natural de Riachão do Jacuípe, a também costureira Meire dos Santos Porto, mãe de Rosemeire, tem 83 anos e é mãe de oito filhos. Durante a entrevista destacou algumas memórias que marcaram sua infância.
“Meu pai era muito apaixonado pela minha mãe, tinha muito ciúmes da minha mãe e cuidava muito dela, meu pai não era um homem de ir para médico, era um carpinteiro e a minha mãe costurava. A costura foi algo passado de geração, hoje minha filha costura e minha neta também. Quando minha mãe morreu, meu pai ficou muito mal. Meu pai era um carpinteiro de primeiro mundo”, destacou com orgulho.
Ao Acorda Cidade, dona Meire contou que também enfrentou problemas com o diabetes, mas relatou que atualmente a doença está controlada.
“O meu filho mais velho faleceu de AVC e diabetes. Ele era muito teimoso, comia tudo. A diabetes vem da minha mãe, porque ela tinha diabetes. Eu tive diabetes, mas hoje ela é estável, da última vez que fiz exames o médico me disse que não havia dado nada, e se um dia eu tive ela foi curada, acredito que tenha sido na época em que eu estava com um problema nos rins, mas até hoje estou aqui, não como muito açúcar”, contou.
Viúva após 58 anos de casamento com o marceneiro Júlio Porto, Meire é quem oferece cuidados para sua filha Rosemeire, que depende de apoio para as atividades do dia a dia devido às sequelas do AVC.
“Meu esposo era asmático e a poeira da madeira ia piorando, aí ele se aposentou. Depois ele teve a piora, teve um AVC, depois ele pegou uma cegueira. A minha sogra tinha cegueira e ele acabou tendo a cegueira também. Foi um relacionamento muito bom, hoje sinto muito a falta dele, faz oito anos que ele faleceu, no dia 8 de dezembro, por isso eu vivo assim trabalhando com a costura, uso o trabalho para esquecer das coisas. E hoje após o AVC de Rose, eu limpo as roupas de cama de urina dela, faço comida e levanto ela quando ela cai da cama. Faço tudo sozinha, as pessoas que me conhecem dizem que é Deus que me sustenta“, conta dona Meire, sem deixar de expressar a saudade de seu Júlio.
A idosa conta financeiramente com uma pensão que passou a receber após falecimento do seu esposo. E quando dona Meire descobriu o AVC de sua filha ela pontuou que foi tudo muito rápido, a filha passou muito mal e foi levado ao médico.
“Quando levamos para o Hospital Geral Clériston Andrade constataram que ela teve um AVC e neste ano ela teve outro. A minha rotina com ela é pesada, Rose hoje me ajuda como ela pode, outro momento ela dorme o dia todo. Eu não reclamo pois não sei como está o sistema dela. O pai dela também teve um AVC quando já tinha se aposentado. Meu esposo deixou a aposentadoria dele para mim é o que me ajuda”.
Dona Meire disse ao Acorda Cidade que trabalha muito para ajudar a manter as coisas em casa.
“Meus filhos se aborrecem, porque não querem que eu trabalhe, mas eu não gosto de pedir nada, sempre quis trabalhar”.
A rotina antes e depois do AVC
Antes dos episódios de AVC, Rosemeire trabalhou intensamente como enfermeira, teve uma empresa de confecções e também trabalhou muitos anos no comércio de Feira de Santana.
“Não tive muitas diversões quando criança, comecei a ajudar a cuidar da casa quando tinha sete anos, enquanto minha mãe costurava eu arrumava a casa, e com oito anos eu comecei a costurar também. A costura foi uma profissão passada de minha avó para a minha mãe, da minha mãe para mim e eu passei para minha filha. Minha mãe sempre viveu de costura e sempre trabalhou muito costurando. Não tive tanta atenção dela quando eu era pequena, meu pai era mais apegado a mim, conversava comigo, meu pai trabalhava com marceneiro”, lembrou.
Rosemeire começou a trabalhar no comércio aos 15 anos.
“Eu me esforçava demais, cuidava da loja, dos armários, vendia calçados, roupas. Depois fui para uma outra loja e lá eu ficava na linha de frente para adquirir clientes, fui chamada para ser chefe. Eu gostava de tudo organizado, reclamava com os funcionários quando era preciso. Nessa época eu não cuidava da minha alimentação, não fazia atividade física e descobri a diabetes por volta dos 27 anos”, contou.
Com o tempo, as dificuldades se agravaram, hoje, além das sequelas na fala e dores na perna, Rose enfrenta os desafios emocionais que a doença trouxe, incluindo episódios de depressão e três tentativas de suicídio.
“A última tentativa foi depois do AVC de agosto de 2023. Eu perdi a alegria que sentia e desanimei muito”, revelou.
A assistência do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) tem sido fundamental para lidar com essas questões, conforme relatou a enfermeira.
“Hoje recebo ajuda psicológica e nutricional, mas ainda desejo ter minha independência novamente. Eu queria ainda trabalhar, mas fui descartada. Como enfermeira não posso trabalhar mais de jeito nenhum, mas tenho vontade de ter independência, viver em meu próprio lar, eu tinha uma casa mas dei para a minha filha. Eu queria ter uma vida financeira melhor. A minha impotência é que hoje eu não consigo fazer as minhas coisas sozinha. Sou acompanhada no Caps”, explicou.
O que dizem os especialistas
A importância do histórico familiar no diagnóstico e tratamento de doenças cardiovasculares é fundamental. O médico cardiologista, Dr. Edval Gomes, explicou que parte das doenças cardiovasculares sofrem influências hereditárias.
“Se um parente de primeiro grau, como pai, mãe, irmãos ou filhos, teve algum evento precoce, ou seja, se esse parente de primeiro grau, sendo homem, tenha tido um evento com menos de 55 anos, se esse seu parente de primeiro grau, se mulher, tenha tido um evento com menos de 65 anos, o seu risco também aumenta de ter um evento cardiovascular. E esse aumento pode variar de 40% até 75%. É importante conversar com o seu médico, falar do seu histórico familiar para ele, porque diante dessa informação ele vai ter um cuidado especial e individualizado levando em consideração os fatores de risco do paciente”, destacou.
O cardiologista informou também que o paciente com diabetes, apresenta maior risco de AVC em até duas vezes em relação a quem não tem diabetes.
“Não só aumenta a incidência de AVC, como aumenta também, ou piora, os desfechos pós AVC. Indivíduos que têm diabetes mal controladas podem aumentar em 50% a chance de recorrência. Devemos controlar todos os nossos fatores de risco. Os diabéticos precisam controlar sua diabetes. Uma glicemia de jejum bem controlada, uma hemoglobina glicada bem controlada, e isto é feito se o acompanhamento ocorrer de perto com seu endocrinologista, com seu neurologista, com seu cardiologista, com seu clínico, com o seu médico. Alimentação apropriada, exercício físico e boa adesão ao tratamento instituído”.
Ao Acorda Cidade, a psicóloga Priscila Lima, destaca os impactos emocionais em pacientes que enfrentam sequelas do AVC.
“Algumas pessoas ficam bastante debilitadas ao sofrer um quadro de AVC ou até mesmo precisam lidar com as sequelas. O AVC deixa marcas no sujeito, em alguns casos provocam alterações emocionais que podem vir a prejudicar o quadro clínico do paciente, que é o processo que acontece em algumas doenças. No caso do AVC, ocorre uma debilidade emocional, por exemplo. Eles ficam susceptíveis à frustração ou a lidar com a angústia, uma vez que essa pessoa não consegue realizar a atividade que antes fazia parte de sua rotina ou até mesmo por uma mudança brusca nos hábitos de vida, como no caso de pacientes que ficam acamados e tinham uma rotina bastante ativa. Então eles ficam com um sentimento de inutilidade”, expôs.
A psicóloga também relatou que oscilações no humor, sentimentos de tristeza, irritabilidade, assim como choro frequente e sensação de inutilidade são frequentes em quadros de Acidente Vascular Cerebral, o que pode diminuir o engajamento para a reabilitação do paciente e afetar a sua recuperação e a sua qualidade de vida.
“Eles acabam criando algumas expectativas irreais dentro desse processo de reabilitação, dentro desse processo de tratamento. E aí é importante ressaltar que as pessoas próximas, como os familiares, o médico, os profissionais de saúde, que estejam ali fazendo esse acompanhamento do sujeito, eles consigam identificar esses sintomas e encaminhá-los para o processo psicoterápico para poder fazer com que eles consigam lidar com essas questões de uma forma mais eficaz”, frisou.
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