Polícia

Incêndios criminosos: investigação desarticula grupo que causou prejuízo de 20 milhões em Feira de Santana

Durante o interrogatório, o suposto mandante disse ao delegado que vai ressarcir o prejuízo aos empresários.

Incêndio em loja no centro de Feira de Santana
Foto: Paulo José/Acorda Cidade

Dois meses após o crime, quatro pessoas suspeitas de terem envolvimento com os incêndios que destruíram um galpão e duas lojas de grupos chineses em Feira de Santana, foram presas pela Polícia Civil.

Em entrevista ao Portal Acorda Cidade, na manhã desta segunda-feira (25), o delegado João Rodrigo Uzzum, adjunto da 1ª Delegacia Territorial de Feira de Santana, deu detalhes do trabalho que desmanchou a organização criminosa responsável pelos ataques que causaram um prejuízo de R$ 20 milhões a empresários chineses que atuam em Feira de Santana.

Ao todo, foram cumpridos 18 mandados de busca, apreensão e prisão; 10 pessoas estavam envolvidas no crime. A Polícia Civil da Bahia segue investigando para solicitar novas prisões.

O valor foi calculado com base na perda total de mercadorias, galpões e lojas, incluindo sistemas de energia solar e elétrica. Durante o interrogatório, o mandante disse ao delegado que vai ressarcir o prejuízo.

delegado Rodrigo Uzzum - ft ed santos acorda cidade
João Rodrigo Uzzum | Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

“No interrogatório, ele informou que tem a responsabilidade moral, ele disse com essas palavras que ‘tem a responsabilidade moral de ressarcir os prejuízos’. Espero que o faça. Isso não faz parte das atribuições da Polícia Civil, não está inserido na investigação delitiva. No entanto, evidentemente, que na fase judicial ou quando ocorre a transação penal, os advogados podem propor isso, o que, além de ser benéfico à vítima, beneficia também os acusados na aplicação da pena”, disse o delegado.

Relembre o caso

Na madrugada do dia 13 de setembro deste ano, três propriedades de empresários chineses em Feira de Santana foram alvo de incêndios criminosos. O primeiro ataque destruiu completamente um depósito de produtos importados localizado no bairro Pedra do Descanso, gerando um prejuízo estimado em R$ 8 milhões. Posteriormente, outros dois incêndios atingiram lojas no centro da cidade, elevando os danos para mais de R$ 15 milhões.

As investigações indicam que os ataques foram motivados por uma disputa comercial entre empresários chineses. Um empresário residente em São Paulo teria orquestrado o crime, pagando R$ 50 mil para a execução. A ação foi intermediada por um cabo da Polícia Militar paulista, que atuava como elo entre o mandante e os executores.

Incêndio em loja no centro de Feira de Santana
Foto: Paulo José/Acorda Cidade

No dia 19 de novembro, a Polícia Civil da Bahia, por meio do Serviço de Investigação da 1ª Delegacia Territorial de Feira de Santana, deflagrou a Operação Huǒlóng: Dragão de Fogo. A atuação integrada com agências de inteligência dos estados da Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul possibilitou a identificação dos principais envolvidos e resultou na prisão de três suspeitos. Mandados de busca, apreensão e prisão temporária, além de bloqueio de bens e valores, como contas bancárias e veículos, foram executados.

“Tínhamos investigadores que tiveram um trabalho primoroso na colheita de elementos e informações. Esses elementos nos conduziram ao trabalho de inteligência que envolveu, inclusive, o laboratório de lavagem de dinheiro da Polícia Civil de Salvador e o Núcleo de Inteligência da 1ª Coordenadoria, que fez uma análise muito forte, principalmente com relação aos telefones dos envolvidos, às redes sociais. Tudo isso foi fundamental para chegarmos aos autores do delito”, disse o delegado.

O suspeito de ser o mandante do crime, um chinês de 45 anos, foi preso em Feira de Santana, na BR-324, no último dia 21. Segundo o delegado, ele era um dos empresários chineses mais promissores no ramo de importados na cidade.

“Hoje, Feira de Santana é uma cidade grande que tem, enfim, mais de um comerciante chinês que se figura como importador. Ele é um dos principais importadores de produtos chineses para Feira de Santana”, declarou. O delegado também esclareceu que, pelo menos, os chineses que a polícia manteve contato, estavam legalmente no país.

Após audiência de custódia no último dia 22, o suposto mandante teve a prisão temporária mantida em Feira de Santana.

Segundo o delegado, outro preso importante foi o gerente de um karaokê no bairro da Liberdade, em São Paulo, que ajudou no planejamento do crime. Ele esteve em Feira de Santana no mês de julho, durante 20 dias, levantando pessoalmente os pontos que seriam atacados. Ele foi preso na sexta-feira (22), último dia da operação. A polícia também realizou uma busca no apartamento dele, no bairro da Consolação, em São Paulo.

“No Rio Grande do Sul, foi preso um indivíduo que é presidente de uma escola de samba em Porto Alegre e teve participação efetiva no crime. Ele veio pessoalmente para Salvador, hospedou-se na casa de um dos envolvidos em Amélia Rodrigues, conseguiu adentrar os galpões e colocar fogo. Chegamos aos veículos alugados, às pessoas, fizemos todas as análises de imagens”, explicou Uzzum.

Os depoimentos dos detidos foram cruciais para a investigação. Conforme o delegado, o importador chinês confessou sua participação e revelou quem era o mandante do crime. Ele explicou que transferiu valores através de uma de suas empresas para as pessoas que executaram o plano.

Uzzum destacou ainda a participação de intérpretes durante os interrogatórios, já que muitos dos envolvidos não falam português fluentemente. “Todos os interrogatórios foram realizados com intérpretes de chinês e na presença de advogados”.

Incêndio em loja no centro de Feira de Santana
Foto: Paulo José/Acorda Cidade

Motivação do crime

Segundo o delegado, o crime foi motivado por uma disputa comercial que começou há três anos.

“Três empresários chineses, antes amigos, tiveram um desentendimento. Dois queriam que o terceiro se tornasse sócio em importações de produtos, mas ele recusou. Isso não aconteceu. Esse chinês optou por uma pessoa que ele entendia ser melhor. Vamos dizer, o preterido passou a nutrir um ódio por essas pessoas. Então, isso foi planejado há cerca de três anos. Num instante em que o grupo que foi vítima passou de fato a prosperar – enfim, alugou um galpão maior, passou a vender mais mercadorias, ou seja, firmou-se realmente dentro do cenário comercial de Feira de Santana – esse mandante resolveu executar o plano”, disse em entrevista ao Acorda Cidade.

Conforme o delegado, no decorrer das investigações, a vítima confirmou que houve uma desavença entre os empresários. “Inicialmente, pegamos o depoimento e ele não tinha certeza de quem seriam os autores. Após a investigação ter ficado mais robusta e trazermos elementos, ele confirmou essa suspeita”.

Uzzum ainda disse que, nesta segunda-feira, uma das vítimas, que estava passando por oitiva, relatou receio de retaliação dos envolvidos no caso.

“Hoje mesmo fizemos a oitiva da última das vítimas, que não havia podido comparecer antes, e ela trouxe elementos interessantes que confirmaram essa divergência. Ele afirmou que tem receio de sofrer alguma represália por parte da pessoa que está presa, haja vista que ela é capaz de produzir uma destruição dessa magnitude. As vítimas têm, realmente, que ter cautela”.

Ele também reforçou a necessidade de manter os acusados presos.

“Estamos pleiteando novas medidas cautelares. Nosso objetivo é manter essas pessoas presas para que possam responder ao processo. Temos que levar em consideração que, apesar de já termos apreendido os passaportes dessas pessoas e de estarem proibidas de sair do país, não podemos ser ingênuos a ponto de achar que não possam, por exemplo, cruzar a fronteira seca e acessar países onde não exigem passaporte, como o Paraguai. Então, essas pessoas têm, sim, uma possibilidade de fuga, por isso estou pleiteando que sejam mantidas em cárcere até que se conclua o processo”, acrescentou.

A Polícia Civil deve concluir o inquérito ainda nesta semana, segundo João Uzzum.

Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade

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